Cantinho dos Miúdos |
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Histórias para Miúdos e Graúdos
As histórias que aqui publicamos são-nos enviadas pelos nossos visitantes. Procuraremos publicar o maior número de histórias possível. Para isso contamos com o apoio de todos. As histórias poderão ser enviadas para o nosso mail: notapositiva@sapo.pt. A história abaixo foi enviada pelo Clube de Contadores de Histórias da Escola Secundária com 3º ciclo Daniel Faria, de Baltar. O Clube cria estas histórias, por acreditar que as pequenas histórias, sobretudo se lidas em família, poderão contribuir para reforçar os laços entre os seus membros e criar momentos agradáveis de partilha.
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A guerra Era a guerra. Todas as manhãs os homens partiam para os campos de batalha. Os que regressavam à noite traziam os mortos e os estropiados. Havia guerra há tanto tempo que já ninguém se lembrava da razão por que ela tinha começado. Vítor II, rei dos Vermelhos, contava e recontava os soldados do seu reino. "Dez mais vinte faz trinta; ainda posso acrescentar cinquenta… Oitenta homens! Oitenta homens não chegam para ganhar a guerra." E começava a chorar. Felizmente para ele, Vítor II, rei dos Vermelhos, tinha um filho que se chamava Júlio. Júlio entrava na sala do trono e dizia: — Coragem, Pai! — E o rei tornava a ter coragem. Armando – XII, rei dos Azuis, também só tinha oitenta soldados e um filho. Mas, quando Armando XII ficava desanimado, o filho não sabia o que dizer. O filho de Armando XII chamava-se Fabiano e interessava-se pouco pela guerra. Passava os dias no parque, sentado num ramo. Um dia, Fabiano recebeu uma carta do príncipe Júlio: Os nossos pais já quase não têm soldados; portanto, se és homem, pega no teu cavalo e na tua armadura. Marco-te encontro para amanhã de manhã no campo de batalha; bater-nos-emos em duelo e aquele que ganhar o combate ganhará ao mesmo tempo a guerra. Assinado: Júlio
Fabiano suspirou. Nem por isso gostava muito de montar a cavalo. No dia seguinte, Fabiano chegou ao encontro montado numa ovelha. — Em guarda! — disse Júlio. — Béééé! — fez a ovelha. Isto assustou o cavalo que se empinou na vertical. Júlio caiu. — Estás ferido? — perguntou Fabiano. Mas Júlio estava mais do que ferido, estava morto. Os soldados vermelhos berraram: — O combate foi falseado! Fabiano quis explicar-lhes que tinha sido um acidente, mas, como eles tinham piques e lanças, preferiu fugir. Armando XII, rei dos Azuis, esperava-o. — Devias ter vergonha! — ralhou ele. — Mas eu não fiz nada — disse Fabiano. — Justamente — respondeu o pai. — Vergonha e vergonha a dobrar; expulso-te do meu reino. Fabiano escondeu-se no parque. Era de tarde e os soldados tinham recomeçado a guerra; então, Fabiano decidiu fazer uma coisa: decidiu escrever duas cartas, uma para Armando XII e outra para Vítor II. As duas cartas diziam exactamente a mesma coisa: Estou em casa do rei Amarelo, Basílio IV, que me deu um grande exército. Portanto, se sois homens, pegai nos vossos cavalos e nas vossas armaduras. Marco-vos encontro para amanhã de manhã no campo de batalha. Assinado: Fabiano
Armando XII recebeu a carta nessa noite. — A nulidade do meu filho, um grande exército? — disse ele. — Devem ser só para aí uns oito e eu faço picado deles. Quando Vítor II recebeu a carta, encolheu os ombros; declarou que esmagaria esse vencedor de combates falseados. Meteu a carta no bolso e foi deitar-se. Quando viu chegar o exército Azul, o rei dos Vermelhos exclamou: — Que fazeis vós aqui, Senhores? Nós temos encontro marcado com o exército Amarelo; portanto, abandonem este local. — Imaginai, Senhores, que nós também temos encontro marcado com o exército Amarelo. — Não compreendo — disse Vítor II, rei dos Vermelhos. — Eu também não — disse Armando XII, rei dos Azuis. Compararam as duas cartas. — Na sua opinião, quantos serão os soldados Amarelos? — Talvez oito ou oitenta ou, talvez, oitocentos… — Que importa, se os Azuis são verdadeiros heróis? — disse Armando XII. E Vítor II replicou: — Os Vermelhos não temem ninguém. Ao meio-dia, os Amarelos ainda não tinham chegado. Embora bravos e não receando ninguém, o que é certo é que a espera enerva: — Senhores — disse Armando XII — creio que, face a oitocentos homens, devíamos aliar os nossos exércitos. — É justo! — respondeu Vítor II. Esperaram ainda toda a tarde. Às sete, os reis discutiram se haviam de regressar aos seus castelos, mas decidiram que não, que era melhor ficar, para o caso de os Amarelos chegarem de noite; e mandaram vir sanduíches. No dia seguinte, os Amarelos continuavam sem chegar. Então, começaram a instalar tendas e a acender fogueiras. Ao terceiro dia, as mulheres dos soldados vieram com as suas caçarolas e colheres, porque não era possível sustentar dois exércitos a sanduíches. Ao quarto dia, trouxeram os bebés. E, ao quinto dia, as outras crianças, que se aborreciam sozinhas em casa. Os mais velhos montaram comércios. Ao décimo dia, o campo de batalha parecia uma aldeia. Fabiano pensou: "Não tenho exército nem nunca tive; mas, graças a mim, a guerra acabou." Então Fabiano foi a casa de Basílio IV, rei dos Amarelos, para lhe contar a história. Basílio riu muito quando ele falou no exército imaginário, mas chorou um pouco pelo príncipe Júlio, morto tão estupidamente; e chorou até por todos os soldados dos quais nem mesmo sabia o nome. Basílio IV achou que Fabiano era o mais esperto e também o mais ajuizado; e, como não tinha filhos, pediu-lhe que fosse o príncipe dos Amarelos e que reinasse, mais tarde, no seu reino. O rei Fabiano foi um excelente rei. E, é claro, durante o seu reinado, nunca houve nenhuma guerra.
Anaïs Vaugelade A guerra Porto, Editora AMBAR, 2002 Adaptação
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