| O presente projecto realizado no âmbito da disciplina de História A tem como tema a «Guerra Civil Portuguesa de 1846 – 1847: a Revolta da “Maria da Fonte”». Com este trabalho, proponho-me a abordar este assunto de uma forma aprofundada, de modo a melhor elucidar os meus conhecimentos referentes ao mesmo, tratando, de uma forma pormenorizada, a rebelião das mulheres do Norte. Portanto, penso que é importante referir as causas da mesma, em que circunstâncias se desenrolou e como foi combatida. Através de documentos, tentarei “dar um rosto” às personagens que caracterizaram esta fase da nossa história, para tornar o trabalho menos monótono. A metodologia utilizada na realização deste trabalho foi, essencialmente, a pesquisa bibliográfica, com utilização de suporte digital online. A partir de 1842 foi instaurado em Portugal o regime Cabralista. Um regime despótico, liderado por António Bernardo da Costa Cabral [Doc.1] (apoiado pelo seu irmão José Bernardo da Silva Cabral – daí a alcunha popular de governo dos Cabrais ou Cabralismo). Costa Cabral impulsionou reformas revolucionárias, na tentativa de tornar o Estado mais moderno. Assim, com objectivos modernistas, promoveu leis que desfavoreciam os privilegiados e que alteraram hábitos anacrónicos. E, sobretudo, porque era necessária uma reorganização fiscal e os impostos aumentavam, Costa Cabral foi obrigado a promover medidas de alteração da estrutura fiscal, com a introdução da contribuição predial. Contra estas medidas insurgiram-se, espontânea e violentamente, a população rural. Este governo reformista não era, de todo, do agrado dos miguelistas, inimigos da implantação do liberalismo. O descontentamento cresceu rapidamente, despertando nos absolutistas os sentimentos das guerras liberais passadas. Os absolutistas, com a ajuda dos seus partidários, alimentaram e beneficiaram do descontentamento popular, com vista à restauração do absolutismo régio. Nas zonas rurais mais distantes e sujeitas a maior consciência religiosa, sobretudo no Alto Minho e em Trás-os-Montes, o povo era influenciado por agentes antiliberais. Na verdade, a guerra civil entre liberais e miguelistas, apesar de oficialmente terminada a 26 de Maio de 1834, com a assinatura da Convenção de Évora-Monte, continuava a dividir os portugueses. Vivendo-se assim um ambiente de contestação, o aparecimento de novas exigências fiscais, o recenseamento da propriedade e a criação de matrizes prediais, significativamente chamadas pelo povo de as papeletas da ladroeira, para apuramento do imposto e um maior rigor no recrutamento militar levaram à saturação da população. No entanto, a última gota de água para gerar a tempestade foi, aparentemente, uma questão de pouca importância: um decreto (Lei da Saúde Pública) de 28 de Setembro de 1844, proibia os enterros nas igrejas e impõe o depósito dos restos mortais dos falecidos, depois de registo do óbito e obtida licença sanitária, em cemitérios construídos em campo aberto. Por via da nova regulamentação dos serviços de saúde, o povo teria de alterar a tradição multissecular de enterrar os defuntos nas igrejas, esperar o certificado de óbito e, ainda, pagar as despesas do funeral. Inicialmente, a lei não foi cumprida, pois existiam muito poucos cemitérios (apesar da lei das taxas e da construção de cemitérios datar de 21 de Setembro de 1835, nunca fora cumprida dada a pobreza em que se vivia na época, agravada pela crise económica resultante da guerra civil e pela praga da batata e a seca que tinham assolado o país durante boa parte da década anterior). Contudo, quando as autoridades decidiram impor as novas regras de enterramento, o povo, empolgado pelo ressentimento acumulado, insurgiu-se violentamente contra o que considerava ser uma prepotência dos políticos liberais. O próprio Clero, mais conservador, falava da lei da proibição dos enterros nas igrejas como antirreligiosa e como sendo obra do diabo e da Maçonaria. Para complicar a situação, a rainha D. Maria II [Doc.2], que a 8 de Setembro de 1845 tinha concedido o título de conde de Tomar a Costa Cabral, era vista como demasiado próxima dos Cabrais, não mantendo um distanciamento que permitisse resguardar a monarquia do descontentamento popular. Doc. 1 – Costa Cabral e D. Maria II Maria da Fonte Doc 2 – Excerto da obra “Traços de História Contemporânea”, de António Teixeira de Macedo, referente à revolta da Maria da Fonte. Maria da Fonte é o nome por que ficou conhecida a rebelião que, em Abril de 1846, deflagrou no termo de Vieira do Minho e a que teria dado origem uma rebelião de camponesas rudes e analfabetas, chefiadas por uma moça conhecida por Maria da Fonte [Doc.4], por ser natural da freguesia de Fonte Arcada, do concelho da Póvoa de Lanhoso. É de crer que alguém sentisse interesse em impulsionar as gentes das aldeias a protestar contra tal disposição legal, sabido como os camponeses e os serranos são de grande credulidade e em tudo o que não se coadune com os velhos hábitos veem «pecado». Espontaneamente, ou não, o facto é que as mulheres minhotas alvoroçaram-se pela primeira vez em 19 de Março, na aldeia de Santo André de Frades, concelho da Póvoa de Lanhoso, e, armadas de chuços e foices roçadouras, obrigaram o pároco a sepultar na igreja paroquial uma mulher morta pouco antes. Durante esse mês, repetiram-se estes casos, o que levou o administrador da Póvoa de Lanhoso a prender três mulheres da Fonte de Arcada, as quais forma depois soltas no caminho por outras que entretanto apareceram e puseram em fuga os cabos de ordens. Doc 3 – A Maria da Fonte (1846), aguarela de Roque Gameiro Até meados de Abril, repetiram-se estes actos de protesto, mas então eles voltam-se contra os funcionários da Fazenda, que andavam a proceder a inquéritos quanto aos bens que cada um devia manifestar para efeitos do lançamento de impostos. Em Vieira, levantou-se uma revolta: as mulheres assaltaram a administração, destruindo arquivos (que rasgaram ou incendiaram), tomando o tumulto já o aspecto de rebelião, que, breve, alastrou por toda a província e passou a Trás-os-Montes. De Braga partiu uma força de infantaria n.º 8 para restabelecer a ordem, passando então o movimento a ser dirigido, da parte dos amotinados, por guerrilhas que se foram organizando, um pouco ao acaso, em volta de homens que mais se distinguiram no ataque aos soldados e no ímpeto conta as autoridades. É assim que surge o célebre Padre Casimiro José Vieira que depois se enfeitou com o título “Defensor das Cinco Chagas e General Comandante da forças populares do Minho e Trás-os-Montes”, o Padre João do Carmo, o Padre Manuel da Agra, o Padre José da Laje e mais outros, que passam a dar ao movimento de carácter nítido de tentativa restauracionista da realeza decaída de D. Miguel I, aproveitando o momento que se lhes afigurava benéfico. A ditadura férrea de Costa Cabral vinha tornando-se feroz desde 1844, depois que em Torres Novas se revoltou o coronel César de Vasconcelos, mandando o ministro depois proceder às célebres eleições de 1845, durante as quais se praticaram as maiores prepotências para impedir a Oposição de ir à Câmara dos Deputados em número que inquietasse o Governo. O liberalismo enxertado artificialmente num país analfabeto e atrasadíssimo, quase sem indústria e sem comércio e de agricultura rudimentar e rotineira, não conseguia vingar senão na sua forma bastarda de favorecer a classe nova a que ele dera origem: os “varões” da alta burguesia, que, apoderando-se do Poder em seu proveito, só queriam fazer esquecer a humildade da origem da maior parte deles. Costa Cabral foi o seu vassalo, que desempenhou em Portugal papel muito semelhante ao de Guizot em França, nesta mesma época. Inicialmente, por isso, a oposição ao ministro omnipotente partiu da pequena burguesia setembrista a que se aliaram alguns cartistas dissidentes, irritados com os actos ditatoriais de Costa Cabral. O povo, como sempre, permanecia inerte, por indiferente à questão que decorria de que nada percebia nem podia perceber. Quando, porém, começou a sentir que o governo lhe mexia com as crenças antigas, com as Leis da Saúde e com o bolso, por causa dos impostos, deu-se a explosão, que foi breve e desconexa, logo aproveitada pelos setembristas, por um lado, e pelos miguelistas, pelo outro, que deram feição nitidamente política a um simples protesto. Quando o Governo teve conhecimento do que se passava no Minho, Costa Cabral comunicou às Câmaras aquilo a que, com desprezo, chamou a “revolução do saco ao ombro e da roçadoura na mão”, pedindo poderes extraordinários para reestabelecer a ordem: suspensão de garantias em todo o país e aplicação da lei marcial a todos os que fossem réus do crime de sedição, o que não foi difícil conseguir, pois colocou os deputados diante do fantasma do miguelismo (que os padres guerrilheiros pregavam) aliado aos setembristas “pés-frescos”, que constituíam a extrema esquerda do liberalismo. Na Câmara dos Pares, porém, Sá da Bandeira denunciou em termos veementes o que havia de anticonstitucional na lei proposta, apoiado calorosamente e violentamente pelos setembristas, o que não evitou que a lei fosse votada. Então, Costa Cabral, nomeia seu irmão, José, ao tempo Ministro da Justiça, comissário do Governo com “poderes extraordinários sobre todas as autoridades civis e militares da província do Minho, e nas outras terras do Norte, em que possa rebentar a revolta, para as exonerar de seus cargos e substituir como julgasse conveniente”. Doc 4 – Sá da Bandeira Verdadeiro procônsul do irmão omnipotente, o Rei do Norte (como logo lhe chamou a oposição), dirige-se ao Porto, onde estabelece o seu quartel-general, substituindo todas as autoridades débeis ou francamente hostis por homens a sua inteira confiança, o que causou forte reacção, particularmente no Alto Douro, tendo surgido a primeira Junta Provisional em Vila Real, presidida pelo ilustre Morgado de Mateus, daí se originando outras que começaram a aparecer por todo o Norte e, em breve, na Beira e na Estremadura. Os estudantes da Universidade sublevaram-se, apoiados pela população, tendo organizado um batalhão, que foi à Figueira da Foz, de cujo Forte de Santa Catarina desalojou a guarnição. Doc 5 – Manuel Passos Em Santarém, organizou-se uma Junta, com Manuel Passos a presidir, que publicou um manifesto ao distrito, incitando os habitantes a entrarem, antes de ninguém “na capital do reino, ajudando a libertá-lo dos seus cruentos opressores”, para exporem depois à sua “adorada rainha as grandes lástimas do seu povo”. Braga aderiu frouxamente à revolta, tendo também criado a sua Junta, presidida pelo Visconde de Valongo, comandante da 4.ª divisão militar, mas em breve tudo ali voltou à normalidade por rivalidades surgidas no seio da própria junta. Aos actos de violência de José Cabral, respondia o país proclamando o seu direito à liberdade, enquanto o Rei do Norte mandava prender, confiscar, fuzilar, a revolta ia alastrando pela província. O Visconde de Vinhais, que comandava a divisão militar de trás os montes, e em quem José Cabral punha as suas esperanças, bandeia-se com os revoltosos, negando-se a atacar o povo, pelo que o procônsul regressa a Lisboa, enquanto no Porto se constituía uma junta. Então, por entre aplausos da oposição, ergue-se no Parlamento a voz de Garrett para verberar o ministro “pelos erros da sua administração, pelos abusos do poder supremo, pela desorganização sistemática em que tem o país, pela inalterável pertinácia com que tem fomentado e exacerbado as rivalidades, os ódios, e o espírito exclusivo e perseguidor dos seus fautores contra os que não são afetos às pessoas dos ministros”, pelo que impunha a sua demissão. Doc.6 – Almeida Garrett Perante tão veemente ataque e com a consciência de ter o país em peso contra o ministro, o Duque da Terceira], presidente do Ministério, convocou uma reunião do Gabinete presidida pela própria rainha (protetora de Costa Cabral), ali declarando “que não tinha força suficiente para debelar a revolta, e que o único meio de a fazer acabar era a pronta demissão do Ministério – acrescentando que tomava a responsabilidade dum tal conselho dado a Sua Majestade”. Doc 7 – Duque da Terceira A rainha, certa da impossibilidade de lutar contra todo o país, concordou, mas Costa Cabral exigiu que se lavrasse uma acta pela qual o Ministério assumisse a responsabilidade de tudo quanto ali se passara, que foi depois assinado pelo duque e pelos ministros (17 de Maio de 1846). Os irmãos Cabral emigraram para Espanha, de onde, dez dias depois lançaram um manifesto ao país, publicado num jornal de Cádis a explicar a sua atitude. Finalmente, acabara a ditadura de Cabral, o que deu origem a uma enorme explosão de alegria, que varreu o país de norte a sul. Todavia, as maquinações dos Cabrais exilados vão, dentro de poucos meses, atirar o país para guerra civil, conhecida na história pelo nome de Patuleia. Doc 8 – Tropas dirigidas por José Cabral aplicam vergastadas a um popular durante a Patuleia As canções que o povo cantava… Viva a Maria da Fonte Com a sua foice na mão Para dar cabo dos Cabrais Que são falsos à Nação O Cabral fugiu para Espanha Com uma carga de sardinha Com a pressa que levava Não disse adeus à Rainha Cantava-se nas ruas e nos salões. Aquele era o grito da libertação. O povo mais ingénuo, a aristocracia mais calculista, todos celebravam a queda de um regime autoritário. Doc 9 – Representação da Maria da Fonte Após finalizar este trabalho sobre o tema da “Maria da Fonte”, concluo que este movimento de mulheres do povo descalças e de foices não mão; mulheres simples e rudes, mas que apesar das dificuldades prevaleceram e atingiram os seus objectivos (ainda que tendo uma voz fraca e aliadas aos miguelistas e setembristas) foi deveras importante para a queda do regime despótico existente na época – o Cabralismo. No entanto, julgo que é relevante referir que, as medidas tomadas por Costa Cabral (referentemente às Leis de Saúde Pública), contribuiriam, certamente, para o bem da sociedade, mas é difícil eliminar hábitos enraizados em populações de mente tão fechada como eram os provincianos e serranos do século XIX. Acho que deste tipo de projectos retém-se, não só o valor cultural e o conhecimento histórico, mas também valores morais que enriquecem-nos e nos levam reflectir. Neste caso concreto, a maior lição moral a retirar é que «a união faz a força», ainda que sobrepujada pelo poder político. É também importante reter que quem ignora a História, tende a repeti-la, deste modo, o ser humano deve sempre interessar-se em conhecer o seu passado histórico, para que os erros dos “nossos avós” sirvam de exemplo para grandes acções futuras. COUTO, C e ROSAS, M – O Tempo Da História, 2.ª Parte, História A 11.º ano. 1.ª edição. Porto: Porto Editora. 2012. ISBN 978-972-0-41249-2. Páginas 118 – 119; História De Portugal, Dos Tempos Pré-Históricos Aos Nossos Dias, Volume II – A Monarquia Constitucional. Lisboa: Ediclube. Páginas 11 – 12; História De Portugal, Volume III. Edição n.º 3286. Lisboa: Editorial Verbo. 2007. Páginas 44 – 45; PROENÇA, M – História De Portugal – A Monarquia Constitucional (séculos XIX – XX). Edição n.º 6799. Lisboa: Círculo de Leitores. ISBN 978-972-42-4527-0. Páginas 50 – 53; SARAIVA, J e GUERRA, M – Diário Da História de Portugal – Monarquia Liberal E República. Lisboa: Difusão Cultural. 1998. ISBN 972-709-274-8. Páginas 54 – 60; CIDADE, H – História De Portugal – Implantação Do Regime Liberal, Da Revolução De 1820 À Queda Da Monarquia, Volume III. Matosinhos: QuidNovi. 2004. ISBN 989-554-112-0. Página 48. SERRÃO, J – Dicionário Da História De Portugal, Volume II: E – Ma. Lisboa: Iniciativas Editoriais. 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