Início

 TEXTOS DE APOIO

Início » Textos de Apoio » Biologia

Biologia

A Inteligência Animal

Autor: Alberto Sousa

 

Data de Publicação: 30/08/2006

N.º de páginas visitadas neste site (desde 15/10/2006):

 

SE TENS TRABALHOS COM BOAS CLASSIFICAÇÕES ENVIA-NOS (DE PREFERÊNCIA EM WORD) PARA notapositiva@sapo.pt POIS SÓ ASSIM O NOSSO SITE PODERÁ CRESCER.

A Inteligência Animal
PERCEPÇÃO, MOTIVAÇÃO E PROCESSOS COGNITIVOS

 

Índice:

I – Introdução

II – A consciência nos chimpanzés

III – A inteligência dos golfinhos

IV – Conclusão

V – Referências bibliográficas

 

 

I - Introdução

 

 Quase ninguém duvida hoje em dia que a consciência é , de algum modo , um produto do cérebro , um produto que está intimamente associado com o papel deste no comportamento e no processamento da informação . O dualismo cartesiano  - a noção de que o cérebro e a mente estão essencialmente separados , embora capazes de comunicarem um com o outro - não tem actualmente nenhuns seguidores . Actualmente o debate principal está centrado em saber de que maneira se relaciona a consciência com o funcionamento do cérebro .

  Existem várias maneiras de tentar explicar como funciona o cérebro em relação com a consciência . Os funcionalistas contemporâneos hajam que não existem problemas de maior no estabelecer desta relação . Para estes será suficiente reunir uma grande quantidade de dados respeitantes às relações empíricas que associam acontecimentos ambientais , a função cerebral , a experiência consciente , o processamento da informação e o comportamento  ; os dados daqui resultantes irão fornecer uma explicação de como a consciência se encaixa em todo o marco científico .

  Alguns cientistas , contudo - provavelmente a maioria que se reuniu num encontro realizado recentemente ( Março de 1993 ) - permanecem pouco convencidos de que realmente isto seja assim tão simples . O que faz falta é uma nova teoria que torne as relações entre os acontecimentos do cérebro e as experiências conscientes transparentes . Jeffrey A. Gray ( 1995 ) propõe um modelo novo que pretende ter esta qualidade e , que se pode resumir ao seguinte : os conteúdos da consciência consistem nos “outputs” de um sistema comparador ( Gray 1982a ; 1982b em Gray  1995 ) que possui a função geral de predizer , numa base momento a momento , o seguinte estado percebido do exterior , e determinar se os estados ( o predicto e o actual ) condizem ou não . Os “conteúdos da consciência” aqui referem-se às experiências subjectivas que conforrmam a “consciência primária” , incluindo sobretudo o mundo percebido , com todas as suas variadas qualidades , mas também as sensações corporais , a propiocepção , as imagens mentais ,os sonhos , o discurso interno , alucinações , etc . A “consciência reflectiva” - que inclui , por exemplo , as crenças e o auto-conhecimento -  não se insere dentro deste modelo explicativo .

  Podemos afirmar que a nossa própria experiência consciente é um dado que necessita uma explicação , enquanto que as experiências conscientes dos outros podem funcionar somente como uma hipótese para explicar os seus comportamentos .

  Neste trabalho irei abordar alguns aspectos da consciência animal , focando a minha atenção nos primatas ( chimpanzés e gorilas ) e nos golfinhos  . O tipo de consciência que irei abordar pertence à categoria da “consciência reflectiva” , embora não seja possível estabelecer uma fronteira nítida entre as duas .

  A consciência pode ser notada através de uma série de comportamentos , que nos permitem fazer suposições àcerca da existência de esta em outros animais para além do Homem .

 

 

II - A consciência nos chimpanzés .

 

  Os comportamentos que nos levam a poder admitir a existência de uma consciência reflectiva nos chimpanzés ( Pan troglodytes ) e nos bonobos ( Pan paniscus ) são os seguintes :

n    auto-reconhecimento .

n    planificação a longo prazo .

n    jogo simbólico .

n    decepção social .

n    manipulação social .

n    comunicação simbólica .

 

Estes comportamentos poderão também estender-se , pelo menos em parte , aos gorilas , aos orangutangos e aos macacos do Velho Mundo .

  De seguida vou referir algumas experiências feitas em cativeiro assim como observações efectuadas no meio natural  , em chimpanzés e em bonobos .

  Podemos sub-dividir os comportamentos observados em : individuais e sociais . Os individuais incluem o auto-reconhecimento , a planificação e o comportamento simbólico .

  O auto-reconhecimento pode ser ilustrado com os seguintes exemplos : em cativeiro temos as experiências efectuadas por Savage-Rumbaugh ( 1986 , em Ristau 1991) , nas quais a investigadora estudou o uso do vídeo pelos chimpanzés Sherman e Austin :

  “ Austin olhou casualmente para o monitor de televisão e , de repente , pareceu reconhecer-se . Ele começou a fixar-se intencionadamente no ecrán enquanto se balançava fazendo caretas . A seguir , ele aproximou-se da televisão e colocou-se apenas a alguns centímetros do ecrán e , começou a escrutinar os movimentos dos seus lábios à medida que comia e bebia … “

  Também no cativeiro posso citar os trabalhos de Gordon G. Gallup ( 1970 , em Gallup et al. 1995 ) nos quais este investigador marcou chimpanzés nas orelhas e nas sobrancelhas com tinta perceptível para os animais apenas através de um espelho . Tendo todas as precauções possíveis para não falsear os resultados , chegou à conclusão de que os chimpanzés se reconhecem num espelho , dado que a percentagem de vezes que tocam nas zonas pintadas é muito superior a aquela para as mesmas zonas do corpo que não estão pintadas . Estes resultados são apoiados pelas experiências efectuadas por outros cientistas , embora haja quem não concorde . A este respeito posso citar a investigadora C. M. Heyes ( 1995 ) que afirma que Gallup não planeou bem as experiências . Por exemplo , não teve em linha de conta o efeito da anestesia . Heyes diz que este efeito pode ter levado a um aumento dos toques faciais , independentemente do  auto-reconhecimento . Esta investigadora também critica negativamente as experiências efectuadas por Povinelli ( 1993 , em Heyes 1995 ) que terão falhado na fortificação das conclusões de Gallup ao não encontrarem uma relação fiável entre a idade dos animais e o desempenho no teste das marcas . De qualquer modo , há uma corrente dominante de investigadores que afirma a existência do auto-reconhecimento .

  Em liberdade posso referir os trabalhos de Goodall ( 1986 , em Ristau 1991 ) , em que a investigadora não conseguiu observar o auto-reconhecimento em espelhos mas , “ … contudo , alguns indivíduos gastam alguns minutos a contemplarem o seu reflexo nas águas paradas “ .

  No que se refere à planificação , posso referir que Kanzi , Sherman e Austin , respectivamente o bonobo e os dois chimpanzés treinados por Savage-Rumbaugh , anunciaram nos seus computadores os destinos que eles escolheram para irem para a floresta , usando símbolos para a comida ou para os brinquedos localizados em sítios particulares .

  Em liberdade , e no que se refere à planificação , posso citar novamente Goodall , que refere o caso de chimpanzés transportando paus para “pescar” térmites desde distâncias de dezenas e centenas de metros afastados do ninho das térmites .

  Em relação ao comportamento simbólico , e em cativeiro , Cathy Hayes ( 1951 , em Ristau 1991 ) notou que Viki ( um jovem chinpanzé fêmea ) , enquanto estava a brincar na casa de banho , começou a rastejar um dos braços atrás de si , como se estivesse a arrastar um brinquedo amarrado por um fio , ambos imaginários . Isto sucedeu durante dias , até que num dia o “fio” ficou aparentemente preso às torneiras ; pelo menos Viki verificou e fez gestos de desprender o fio . Isto também se tornou um comportamento habitual .

  Em liberdade , Hayaki ( 1985 , em Ristau 1991 ) referiu um caso que ele chama de “jogo social imaginário” , em que um chimpanzé macho adolescente fez um ninho imaginário perto de alguns machos adultos .

  Os comportamentos sociais foram estudados por vários investigadores e , entre estes posso citar Whiten e Byrne ( 1988b , em Quiatt & Reynolds 1993 ) que , a partir de trabalhos com chimpanzés , puderam registar cinco categorias principais de decepção táctica , divididas por sua vez em treze sub-categorias . A seguir apresento esta classificação , em que o agente é o indivíduo que realiza o acto enganoso e o alvo é o indivíduo que coloca o problema com o qual o comportamento do agente lida :

 

1.   Encobrimento ( concealment ) :

1.1. Escondendo da vista .

1.2. Encobrimento acústico .

1.3. Inibição de prestar atenção .

 

2.   Distracção :

2.1. Distrair desviando o olhar .

2.2. Distrair desviando o olhar e vocalizando .

2.3. Distrair levando para longe .

2.4. Distrair com comportamento íntimo .

 

3.   Criando uma imagem :

3.1. Apresentação de uma imagem neutral .

3.2. Apresentação de uma imagem afiliativa.

 

4.   Manipulação do alvo usando uma “ferramenta social ” :

4.1. Enganar a “ferramenta” àcerca do envolvimento do agente com o alvo .

4.2. Enganar a “ferramenta” 1 àcerca do envolvimento da “ferramenta” 2 com o alvo .

4.3. Enganar o alvo àcerca do envolvimento do agente com a “ferramenta” .

 

5.   Desvio do alvo para o bode-expiatório ( fall-guy ) .

    Irei de seguida referir exemplos concretos para algumas destas sub-categorias .

     No que se refere ao encobrimento , em cativeiro , Savage-Rumbaugh e McDonald  ( 1988 , em Ristau 1991 ) mencionam o caso do bonobo Kanzi que se escondeu do seu treinador mantendo-se debaixo dos cobertores da sua cama, com o corpo achatado e sem se mexer durante vinte minutos .

  Os chimpanzés em liberdade utilizam com frequência o encobrimento acústico . As fêmeas que se encontram a acasalar com machos subordinados suprimem as suas chamadas de copulação .

    No que diz respeito à distracção posso mencionar as experiências , em cativeiro , levadas a cabo por Menzel ( 1971 , 1974 , em Ristau 1991 ) , nas quais ele mostrou comida a um chimpanzé que depois conduziu os outros ao esconderijo . A subordinada Belle começou então a tentar dar informação falsa ao chimpanzé mais dominante Rock.

  Em liberdade , Goodall refere como o chimpanzé chamado Figan distraia os machos maiores do que ele fazendo com que eles o seguissem para o interior da floresta e , depois retornava e comia as bananas em paz .

  Quanto à criação de uma imagem , temos o caso , em cativeiro , dos machos de Arnhem , que pareciam cegos e surdos em relação ao display de outro macho que se encontrava a curta distância , estando a apresentar uma imagem neutral ao suprimirem a atenção que a situação parecia exigir ( de Waal  1982 , em Ristau  1991 ) .

  Em liberdade Goodall refere o caso do chimpanzé Mike , que de maneira aparente e deliberada planeou determinados displays agressivos . Mike usou latas de querosene vazias para assustar e fazer fugir um grupo de machos superiores hierarquicamente a ele .

  Por último , vou referir dois exemplos sobre o uso de terceiros ( social tools ) . Em cativeiro posso mencionar novamente os chimpanzés de Arnhem . O velho chimpanzé Yeroen algumas vezes ia fazer cócegas e brincar com os mais jovens quando outro macho começava a efectuar um display , o que permitia a ambos uma distracção de grupo e , uma desculpa para o próprio Yeroen não atender à ameaça .

  Goodall refere o caso de um chimpanzé jovem que usou a “amizade” de um chimpanzé adulto para obter alimento ( bananas ) que estavam na posse de uma fêmea dominante . O chimpanzé jovem , uma fêmea chamada Pooch , aproximou-se de Circe ( chimpanzé adulto de rango mais elevado ) e tentou tirar-lhe uma banana . Circe logo de seguida agrediu Pooch e, esta fugiu a gritar muito alto . Passados alguns minutos reaparece e aproxima-se de Circe emitindo sons de ameaça . Com ela trás um chimpanzé adulto , Huxley . Circe , de modo relutante , abandona o cacho de bananas para Pooch . Esta usou Huxley como uma ferramenta social ( social tool ) . Esta sequência comportamental só pode ser compreendida porque nós sabemos da relação de amizade existente entre Pooch e Huxley que já em várias ocasiões serviu de protector de Pooch  . De modo a que este comportamento faça sentido é necessário depreender que Circe também está ao corrente desta amizade .

  Após todos estes exemplos sobre primatas , pode-se pensar que a consciência reflectiva só existe nos animais mais aparentados connosco . Na realidade existem trabalhos de investigação com outros animais que colocam em evidência aspectos cognitivos tão complexos como aqueles já relatados nos chimpanzés e noutros primatas .

 

 

III - A inteligência dos golfinhos .

 

  No seu meio natural os golfinhos estão bem preparados para perceber , reconhecer , categorizar e lembrar-se de uma multidão de sons e registos visuais que captam através dos seus sentidos visuais e auditivos . As fontes de sons diferentes , ou os alvos e as características dos alvos que formam diferentes espectros de eco , são provavelmente aprendidos através de um certo período de tempo de contacto com esses sons e com a verificação das fontes e dos alvos . A verificação pode ser feita através da identificação visual de uma fonte ou de um alvo , através da generalização do que é conhecido de outras fontes similares de sons ou de alvos , através da observação social das respostas de outros golfinhos aos sons , e , nos jovens , possivelmente através de algum grau de ensino pelos adultos .

  Para além da classificação de sons ou avistamentos , o golfinho pode desenvolver estratégias adaptativas para responder a informação detectada e classificada . Na detecção de presas , por exemplo , isto pode incluir estratégias para o recrutamento de companheiros  para agregar e capturar as presas . Enquanto que estas são as actividades normais de qualquer predador social , a capacidade do golfinho de compreender informação semântica , ilustrada em vários estudos de linguagem , e de compreender as referências de objectos que estão presentes ou ausentes sugere a possibilidade de comunicação entre indivíduos àcerca de presas detectadas ou até sobre espécies específicas de presas .

  Predadores , como por exemplo tubarões de águas profundas , podem ser reconhecidos pelos seus sons ou ecos , ou através de detecção visual , e a sua presença comunicada . A constatação de chamadas de alarme específicas para determinados tipos de predadores em macacos verdes ( Seyfarth , Cheney e Marler 1980 , em Pryor e Norris  1991 ) e nos cães da pradaria ( Slobodchikoff , Fischer e Creef 1987 , em Pryor e Norris 1991 ) suportam a ideia que os golfinhos poderão usar chamadas específicas para determinadas presas e predadores . Parece plausível , dada a capacidade demonstrada pelos golfinhos em laboratório para aprender que os sons e os sinais visuais se podem referir a objectos ou acções , que eles talvez sejam capazes de produzir e compreender referências semânticas no seu mundo natural , através da produção e análise de sons ou através de sinais visuais e de comportamentos observados visualmente .

  As descobertas no que repeita à mímica vocal levaram recentemente à reinterpretação dos sons-assobio dos golfinhos como não sendo somente uma auto-referência ( Caldwell e Caldwell 1965 , em Pryor e Norris 1991 ) mas como uma referência para os outros ( Tyack 1986 , em Pryor e Norris 1991 ) . Os golfinhos parecem ser capazes de imitar o som-assobio dos seus companheiros de tanque e , podem actuar deste modo em condições laboratoriais quando se encontram em stress ( Ralston e Herman 1989 , em Pryor e Norris 1991 ) . Na natureza , a imitação do assobio de outro golfinho , se acontece , pode ser um meio de se referir a essse indivíduo . Isto pode resultar num assobio de resposta por parte do destinatário (receptor ) , localizando-o em relação àquele que enviou o primeiro assobio (emissor). Também pode servir para atrair esse indivíduo até ao emissor  ou pelo menos para ganhar a atenção do receptor e permitir a transmissão de algum tipo de informação a seguir à chamada de atenção (Richards 1981 , em Pryor e Norris 1991).

  Os resultados de estudos de laboratório em desempenhos visuais , juntamente com dados de estudos de linguagem baseados na visão , afirmam as capacidades consideráveis de processamento de informação do sistema visual . Este sistema já não pode ser considerado rudimentar ou mesmo secundário . Em vez disso , como o sistema auditivo , parece ser uma interface importante entre o mundo real e o mundo cognitivo do golfinho . A visão pode assumir importantes funções na orientação , na navegação , nos movimentos de grupo , na detecção e captura de presas , na defesa contra predadores , na identificação de conspecíficos , incluindo indivíduos , géneros e classes etárias , e na comunicação de estados de comportamento . A captura de presas que se deslocam a grande velocidade é uma tarefa para a qual a visão está particularmente bem adaptada em águas límpidas  ou na etapa final de captura em águas turvas . A manutenção de contacto visual com os companheiros do grupo durante movimentos rápidos é uma função útil da visão , que pode ser aumentada com o contacto acústico . A detecção e o evitar dos predadores é uma função visual de importância vital dado que um golfinho em fuga não pode manter contacto com o predador através da ecolocação , mas com o amplo campo visual disponível para os golfinhos , a visão pode dirigir as manobras de fuga .

  Todas estas funções visuais são exigências básicas para a sobrevivência mas podem requerer relativamente pouco cometimento cognitivo . Outras funções visuais estão mais relacionadas com a comunicação e com o comportamento social e , podem envolver níveis mais elevados de processamento da informação . Marcas visuais , a forma e o tamanho do corpo , padrões de coloração , e outros aspectos associados à visão permitem a identificação de espécies e de indivíduos . Os grupos de roazes-corvineiros ( Tursiops truncatus ) parecem consistir de sub-grupos pouco estruturados de indivíduos que normalmente se mantêm juntos mas , que com frequência se misturam com indivíduos de outros sub-grupos ( Wells et al. 1980 , Johnson e Norris 1986 , em Pryor e Norris 1991 ) . Associações de longa duração entre indivíduos podem acontecer  e prevalecerem durante anos . Hierarquias de dominância desenvolvem-se entre indivíduos e , possivelmente , entre sub-grupos , dependendo da idade , do tipo de classes ou  de indivíduos particulares que formam esses sub-grupos . Tudo isto coloca determinados condicionantes aos indivíduos , que têm de aprender a identificar determinadas características , incluindo comportamentos, de muitos outros indivíduos e como os comportamentos desses indivíduos podem estar modulados pelo contexto social e ecológico . Alguma desta aprendizagem pode ser de natureza experimental ; outra pode ocorrer de um modo mais económico através de generalizações dessas experiências . É provável que existam regras sociais ou convenções nestas sociedades de golfinhos que podem ser complexas mas que governam as relações sociais , os papéis sociais e os comportamentos sociais ( Johnson e Norris 1986 , em Pryor e Norris 1991 ) . Numa análise final , pode ser o conhecimento social que determina o sucesso do golfinho individual , já que este está dependente  da matriz social em praticamente todos os aspectos da sua vida ( Norris e Dohl 1980 , em Pryor e Norris 1991 ) .

  Jerison ( 1986 , em Pryor e Norris 1991 ) descreveu a função do cérebro como a construção de um modelo da realidade . A riqueza do modelo desenvolvido vai depender do poder de processamento da informação do cérebro  , que por sua vez é uma função do tamanho relativo deste e do aumento das áreas da superfície cortical . Este aumento da superfície do córtex acontece nos golfinhos , especialmente no roaz-corvineiro e noutros membros da família dos delfinídeos . Ao criarem um mapa da realidade , incluindo conceitos e objectos , acontecimentos , tempo e espaço , o animal aumenta a sua capacidade de lidar com o mundo real . A comunicação envolve, em parte , uma troca destes modelos da realidade , de modo a que os indivíduos possam partilhar objectos de atenção ou fazer referência a outros assuntos. Em trabalhos de laboratório foi verificada a capacidade dos golfinhos de se referirem ou de entenderem referências feitas pelos experimentadores . Isto incluia referências feitas através dos sistemas de linguagem e de gestos indicativos . Na natureza , os golfinhos podem fazer referências a objectos da sua atenção através de comunicação visual ou vocal , incluindo a possibilidade de referências simbólicas , assim como de referências mais concretas “apontando” para objectos através de posturas visuais ou através da direcção do feixe de procura da ecolocação . Isto documenta a mais singular função da cognição e da comunicação na natureza : a aquisição e o uso do conhecimento para facilitar a troca de informação e de indicadores de referência num trabalho de equipa mutuamente dependente .

 

 

IV - Conclusão .                

 

 Quer no engano ( decepção ) quer na cooperação podemos recorrer a uma série de relatos/experiências com chimpanzés que nos permitem falar de conhecimento íntimo/percepção interna nestes animais .

  No que se refere à planificação , ao auto-conhecimento e ao comportamento simbólico , podemos falar da existência de conhecimento aparente das intenções e desejos dos outros .

  Se se atribui uma consciência aos chimpanzés , não é só por eles terem uma mente parecida à nossa , mas porque os seus problemas são tão parecidos com os nossos .

  As análises sobre decepção geralmente envolvem a interpretação e a predição do comportamento social , atribuindo aos animais metas e motivos que são similares a aqueles que influenciam o nosso próprio comportamento humano . A continuidade aparente estará na similitude geral do comportamento social através dos macacos e das espécies de hominídeos . Contudo , a evidência de auto-reconhecimento objectivo nos chimpanzés é convincente ; estes não só    evidenciam comportamentos sociais complexos e multi-sequenciados de manipulação de objectos , de outros chimpanzés ou de ambos , como fazem isto com toda a aparência de monitorizarem e regularem o seu próprio comportamento e o dos seus associados .  

 Podemos concluir afirmando que os macacos do Velho-Mundo, os chimpanzés , os bonobos , os gorilas e os orangutangos possuirão acções intencionais nos seus comportamentos sociais. No que se refere aos comportamentos individuais tudo leva a supor a existência de uma consciência em tudo muito semelhante à nossa .

  No que se refere aos golfinhos , podemos  argumentar de que todo um sistema social bastante complexo só pode funcionar em pleno se existir um conjunto de processos cognitivos capazes de processar uma grande quantidade de informação como aquela que nos foi dada a entender . Desde todo o processo de predação/presa até ao reconhecimento de cada indivíduo , todas  estas interacções levam a supor a existência de uma consciência reflectiva .

  Os primatas e os golfinhos de certeza não serão os únicos animais , para além do ser humano , a possuirem este tipo de consciência . Existem já estudos feitos com aves , assim como com outros vertebrados que permitem supor a existência de processos cognitivos complexos .

  Para finalizar , posso argumentar de que a inteligência não é um atributo único do homem , estando esta difundida por todos os vertebrados , com especial desenvolvimento ( e mais parecida à nossa ) nos animais sociais , nos quais a maioria dos problemas do dia a dia são muito parecidos com os da nossa espécie . Estou a falar, é claro , dos problemas de uma população humana no meio natural . Em relação aos animais ditos invertebrados há certos autores que também defendem a existência de uma inteligência ( Barber 1993 ) .

 

 

V - Referências bibliográficas :

 

BARBER , T. X. ( 1993 ) .The human nature of birds : A scientific discovery with startling implications . Penguin Books .

CALDWELL , M. C. & D. K. CALDWELL ( 1965 ) . Individualized whistle contours in bottlenosed dolphins , Tursiops truncatus . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

GOODALL , J. ( 1986 ) . The chimpanzees of Gombe . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

GRAY , J. A. ( 1982a ) . The neuropsychology of anxiety : An enquiry into the functions of the septo-hippocampal system . Oxford University Press . Em Gray , J. A.

GRAY , J. A. ( 1982b ) . Précis of The neuropsychology of anxiety : An enquiry into the functions of the septo-hippocampal system . Behavioral and Brain Sciences 5 : 469-94 . Em Gray , J. A.

GRAY , J. A. ( 1995 ) . The contents of consciouness : A neuropsychological conjecture . Behavioral And Brain Sciences 18 , 659-722 .

HAYAKI , H. ( 1985 ) . Social play of juvenile and adolescent chimpanzees in the Mahale Mountains National Park , Tanzania . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

HAYES , C. ( 1951 ) . The ape in our house . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

JERISON , H. J. ( 1986 ) . The perceptual world of dolphins . In : Dolphin cognition and behavior : A comparative approach , ed. R. J. Schusterman , J. A. Thomas , and F. G. Wood . Hillsdale , N. J. : Lawrence Erlbaum Associates . 141-166 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

JOHNSON , C. M. & K. S. NORRIS ( 1986 ) . Delphinid social organization and social behavior : A comparative approach , ed. R. J. Schusterman , J. A. Thomas , and F. G. Wood . Hillsdale , N. J. : Lawrence Erlbaum Associates . 335-346 .Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

MENZEL , E. W. ( 1971 ) . Communication about the environment in a group of young chimpanzees . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

MENZEL , E. W. ( 1974 ) . A group of young chimpanzees in a one-acre field . In A. M. Schreier & F. Stollnitz ( Eds. ) , Behavior of nonhuman primates . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

NORRIS , K. S. & T. P. DOHL ( 1980 ) .The structure and functions of cetacean schools . In : Cetacean behavior : Mechanisms and functions , ed. L. M. Herman . New York : John Wiley and Sons . 211-262 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

PRYOR , K. & NORRIS K. S. ( 1991 ) . Dolphin Societies : Discoveries and Puzzles.University of California Press .

QUIATT D. & REYNOLDS ( 1993 ) . Primate behaviour : Information , social knowledge , and the evolution of culture : Cambridge University Press .

RALSTON, J. V. & L. M. HERMAN ( 1989 ) . Dolphin auditory perception . In : The comparative psychology of audition : Perceiving complex sounds , ed. R. J. Dooling and S. H. Hulse . Hillsdale , N. J. : Lawrence Erlbaum Associates . 295-328 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

RICHARDS , D. G. ( 1981 ) . Alerting and message components in songs of Rufous-sided towhees . Behavior 76 . 223-249 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

RISTAU , C. A. ( Ed. ) ( 1991 ) . Cognitive Ethology : The mind of others animals . Hilsdale , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

SAVAGE-RUMBAUGH , E. S. & MCDONALD , K. ( 1988 ) . Deception and social manipulation in symbol-using apes . In R. W. Bryne & A. Whiten ( Eds. ) . Machiavellian intelligence . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

SAVAGE-RUMBAUGH , E.S. ( 1986 ) . Ape Language : From Conditioned Response to Symbol . Em Ristau , C. A. ( Ed. ) . Cognitive Ethology : The minds of other animals . Hilsdale  , New Jersey : Lawrence Erlbaum Associates .

SEYFARTH , R. M. , D. L. CHENEY & P. MARLER ( 1980 ) . Vervet monkey alarm calls . Semantic communication in a free-ranging primate . Animal Behavior 28 : 1070-1094 .Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

SLOBODCHIKOFF , C. N. , C. FISCHER & E. D. CREED ( 1987 ) . Alarm calls od prairie dogs identify individual predators . Paper presented at the Annual Meeting of the Animal Behavior Society , Williamstown , Mass. , June 21-26 , 1987 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

The contents of consciouness : A neuropsychological conjecture . Behavioral And Brain Sciences 18 , 659-722 .

The contents of consciouness : A neuropsychological conjecture . Behavioral And Brain Sciences 18 , 659-722 .

TYACK , P. L. ( 1986 ) . Whistle repertoires of two bottlenosed dolphins , Tursiops truncatus : Mimicry of signature whistles ? Behavioral Ecology and Sociobiology 18 : 251-257 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

WELLS , R. S. , A. B. IRVINE & M. D. SCOTT ( 1980 ) . The social ecology of inshore odontocetes . In : Cetacean behavior : Mechanisms and functions, ed. L. M. Herman . New York : John Wiley and Sons . 263-317 . Em Pryor , K. & Norris K. S. . Dolphin Societes : Discoveries and Puzzles . University of California Press .

WHITEN , A. & BYRNE, R. W. ( 1988b ) . Tactical deception in primates .Em Quiatt D. & Reynolds V. . Primate behaviour : information , social knowledge , and the evolution of culture . Cambridge University Press .

 

 

Por Alberto Sousa

Para saber mais sobre este tema, utilize o Google:

Google
Início » Textos de Apoio » Biologia
 

© 2006 - NotaPositiva | Todos os direitos reservados