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Biologia

Primatas e Golfinhos

Autor: Alberto Sousa

 

Data de Publicação: 30/08/2006

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Primatas e Golfinhos:
Estrutura social, sua comparação

 

 

I - Introdução :

 

Viver, só por si, não é fácil, mas a qualquer um que lhe perguntemos da vida com outros, de certeza que nos dirá que o “conviver” é mais difícil ainda ! Contudo, apesar disso, um grande número de espécies, incluindo o homem, são sociáveis e vivem em grupos. Não há dúvida, logo, que essa agrupação lhes confere a todos algum benefício(Senar 1994).

  Duas das vantagens mais importantes de viver em grupo são o aumento da detectabilidade dos predadores e a maior quantidade de alimento encontrada. Existem, contudo, também uns custos, como podem ser uma maior competição na altura de obter o alimento, e um aumento da conspicuidade que pode atrair a atenção dos predadores. O tamanho concreto dos grupos de muitas distintas espécies é o resultado de um compromisso entre estes custos e os benefícios     (Senar 1994).

  O conviver com outros indivíduos conduz a um conflito de interesses entre os distintos elementos do grupo, e a uma contínua interacção entre os seus membros. A estrutura em dominantes e dominados é um tipo de organização universal que em grande medida estabiliza esse conflicto de interesses, estabelecendo a ordem em que os distintos elementos do grupo acederão aos recursos. Os factores que fazem com que um indivíduo seja dominante sobre outro varia entre as espécies mas, em geral, o sexo, a idade, o tamanho e o possuir já o recurso com antecedência são importantes determinantes da dominância de um indivíduo sobre outro. A análise dos custos e benefícios de ser dominante e dominado mostra que ambas as estratégias têm vantagens e inconvenientes, de maneira que inclusivé  aos dominados lhes é mais rentável, na maioria dos casos, continuar no grupo do que viver sozinhos (Senar 1994).

  Dentro dos grupos animais devem distinguir-se os verdadeiros grupos sociais, com composição mais ou menos estável, das meras associações de indivíduos (as agregações). Os modelos teóricos sobre o tamanho óptimo dos grupos animais, segundo diversos factores, referem-se mais ao caso das agregações. Um grupo social, pelo contrário, é muito mais complexo. Podem distinguir-se actualmente dois tipos principais de grupos sociais : os baseados na herança do território, mediante o qual os indivíduos não abandonam o seu grupo para não perder as vantagens de estar e posteriormente heredar esse território, e os baseados num sistema feudal, não ligado necessariamente a nenhum espaço físico concreto, senão a todo um emaranhado de regras de interacção entre os distintos elementos do grupo. Diversas análises comparativas mostram que os caminhos em direcção à sociabilidade são diversos, de maneira que diferentes espécies podem chegar a ser sociáveis por distintas causas ecológicas, ou que ainda tendo as mesmas pressões selectivas podem também chegar a soluções de sociabilidade diferentes(Senar 1994).

  Neste trabalho irei comparar a estrutura e características dos grupos sociais das seguintes espécies : chimpanzé (Pan troglodites), bonobo (Pan paniscus), roaz-corvineiro (Tursiops truncatus) e homem (Homo sapiens).

  Numa primeira parte descrevo e comparo as comunidades de chimpanzés e de bonobos (Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Numa segunda parte descrevo a estrutura social de uma comunidade de roazes-corvineiros, em liberdade, que habitam em Sarasota (Estados Unidos) (Wells 1991) e, o estudo das alianças e coligações entre os roazes-corvineiros machos, em liberdade, em Shark Bay (Australia Oeste) (Connor, Smolker & Richards 1992). Por último faço uma breve referência à existência de alianças na espécie humana (Connor, Smolker & Richards 1992).

 

 

II - Chimpanzés e bonobos.

 

 O comportamento social dos bonobos difere bastante do dos chimpanzés. Quer os chimpanzés quer os bonobos formam associações temporárias, chamadas grupos, dentro das comunidades. Estas comunidades são associações estáveis e de longa duração.

  Os bonobos habitam sempre em regiões de floresta, enquanto que os chimpanzés, para além de habitarem, em grande parte, nas florestas, também habitam em regiões menos arborizadas, como por exemplo na savana.

  Há três sub-espécies de chimpanzés, respectivamente na parte Central, Este e Oeste de África, a norte do rio Zaire. Os bonobos estão confinados ao Zaire, a sul do rio Zaire(Allen 1939, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Ambas as espécies são diurnas. Os bonobos distinguem-se morfologicamente dos chimpanzés nos seguintes aspectos : figura mais magra, membros posteriores mais compridos, clavícula mais curta e molares mais pequenos(Johnson 1981, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Chimpanzés e bonobos não apresentam uma época única para a reprodução.

 

 A - Estrutura social dos chimpanzés.

  Os chimpanzés possuem uma organização social baseada na comunidade; dentro desta formam-se os grupos. Estes são associações temporárias de até 77 indivíduos, que podem durar de apenas alguns minutos até vários dias(Hiraiwa-Hasegawa, Hasegawa e Nishida 1984, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). As comunidades possuem todas as classes de idades e de sexo, incluem de vinte a mais de 100 indivíduos e nelas existem mais fêmeas do que machos. Os grupos são geralmente pequenos(de seis ou menos indivíduos), nos quais os machos são mais sociáveis do que as fêmeas. As fêmeas passam mais tempo sozinhas do que nos grupos, ao contrário dos machos, e tendem a abandoná-los mais cedo.

  As fêmeas não aparentadas mostram pouca evidência de atracção mútua(Nishida 1979, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). As fêmeas com crias tendem a deslocar-se em conjunto mais do que com machos adultos(Ghiglieri 1984, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Regista-se a presença de fêmeas nulíparas nos grupos de fêmeas com crias, que interagem com estas últimas. As relações de dominância entre as fêmeas não são tão rígidas como nos machos, embora seja notória a dominância das fêmeas mais velhas sobre as mais novas. As fêmeas recém imigradas têm o status hierárquico mais baixo(Nishida 1979, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  A interacção mãe-cria pode durar vários anos após o desmame(Goodall 1975; Pusey 1983, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Durante a adolescência os jovens machos começam a passar cada vez mais tempo com os machos adultos. Ao chegarem ao estado adulto os machos tornam-se dominantes sobre todas as fêmeas e são integrados na hierarquia dos machos. De qualquer modo, os jovens adultos continuam a deslocar-se com as respectivas mães de uma maneira ocasional e, podem efectuar “grooming” com as mães durante largos períodos de tempo(Pusey 1983, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). As relações mãe-filha são menos comuns após o desmame, mas podem ocorrer quando as jovens chimpanzés não se transferem durante a puberdade. As associações mãe-filha ocorrem primeiramente quando a filha não está em estro. Durante os períodos de estro esta desloca-se com machos adultos, e a sua mãe pode ou não juntar-se a ela.

  As fêmeas evidenciam uma grande tendência para migrarem entre comunidades e, possivelmente, permanecem mais facilmente numa comunidade grande do que numa pequena. As fêmeas transferem-se para outra comunidade quando estão em estro e são atraídas por machos de posição hierárquica elevada, especialmente pelo macho alfa(Nishida 1979, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  Há três modalidades de acasalamento, todos de curta duração : oportunísticos, possessivos e  “consortships”. Nos acasalamentos oportunísticos um macho copula livremente na presença de outros machos. Nos possessivos um macho(geralmente o alfa)usa ameaças ou agressões para impedir outros machos de acasalarem. Nos “consortships” um macho(que não o alfa)e uma fêmea deslocam-se juntos para longe dos outros membros da comunidade e, mantêm uma relação exclusiva de acasalamento durante alguns dias ou algumas semanas(Tutin 1979, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  Os acasalamentos ocorrem principalmente durante o período de máxima intumescência das fêmeas. Nas comunidade grandes predominam os acasalamentos oportunísticos. Isto acontece especialmente durante o início do período de estro. À medida que se aproxima a ovulação aumentam os acasalamentos possessivos. Os “consortships” acontecem nas fronteiras dos territórios das comunidades. Como resultado, eles provavelmente envolvem um risco significativo, dado que os chimpanzés revelam-se agressivos com os seus congéneres de outras comunidades.

  Há um elevado grau de tolerância entre os chimpanzés machos mas, as suas relações também são caracterizadas por intensa competição. Os machos parecem estar sempre preocupados com a ascensão ou  manutenção da sua posição hierárquica(Goodall 1975, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987), e isto pode levar a mudanças rápidas nas relações.

  Entre os machos estabelecem-se coligações e alianças, que terão como finalidade aumentar a segurança e o acesso a alimento e a fêmeas de cada elemento dessas coligações e alianças. A duração destes grupos é bastante variável.     

 

B - Estrutura social dos bonobos : contrastes com os chimpanzés.  

  Tal como nos chimpanzés, as comunidades dividem-se temporariamente em grupos. Os grupos mistos, de machos e fêmeas, predominam, ao contrário dos chimpanzés, em que predominam os machos. Os grupos geralmente incluem mais de seis indivíduos, enquanto que nos chimpanzés predominam os grupos com menos de seis indivíduos.

  Dentro de uma comunidade de bonobos podemos encontrar quatro sub-unidades(Kano, comun. pess. , in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987) : unidades matrifocais, grupos de machos, machos solitários e fêmeas solitárias. As unidades matrifocais consistem da mãe com as suas crias, incluindo os filhos já adultos. São associações relativamente estáveis. Os grupos de machos são constituídos por indivíduos adultos de parentesco desconhecido. Os machos solitários são indivíduos velhos ou com alguma deficiência grave. As fêmeas solitárias são nulíparas e que se pensa serem imigrantes.

  Os sub-grupos que se formam nas comunidades baseiam-se nas quatro sub-unidades agora mencionadas. Os grupos formados por unidades matrifocais são os mais comuns. Estes grupos juntam-se com regularidade a grupos de machos. Estas associações dão origem aos grupos mais numerosos.

  A hierarquia dos machos é linear nos grupos de machos. Todos os machos destes grupos são dominantes em relação aos machos das unidades matrifocais.

  Ao contrário do que acontece nos chimpanzés, poucas diferenças na proporção de sexos são conhecidas nos padrões de associação dos bonobos. Logo, a proporção de machos e fêmeas é a mesma na comunidade e nos grupos ( ca. 1:1 ). Não há tendência óbvia para os machos se associarem entre si mais do que com fêmeas.

  As fêmeas parecem abandonar as suas comunidades natais no começo da adolescência.

  As grandes diferenças entre os bonobos e os chimpanzés acontecem no “grooming” e na partilha de alimento : nos bonobos o “grooming” entre adultos ocorre com maior frequência entre machos e fêmeas, a seguir entre fêmeas e por último entre machos(Kano 1980, Kuroda 1980, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). Isto contrasta bastante com o que acontece nos chimpanzés, em que o “grooming” é mais comum entre machos, a seguir entre machos e fêmeas e, por último, entre fêmeas. 

  Nos bonobos, a partilha de alimento entre adultos é mais comum entre fêmeas, que partilham com indivíduos não aparentados assim como com os seus próprios filhos. A partilha é rara entre machos(Kuroda 1980, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  Nos chimpanzés, a partilha de alimento entre machos é comum(Nishida 1970, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987). As fêmeas chimpanzé quase nunca partilham o seu alimento com indivíduos que não sejam os seus filhos(McGrew 1975,in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  As fêmeas bonobo são muito mais sociáveis do que as fêmeas chimpanzé.

  O comportamento sexual dos bonobos difere do dos chimpanzés. Os bonobos têm uma actividade sexual mais intensa e um comportamento sexual mais elaborado, que terá como principal finalidade fortalecer as relações sociais na comunidade, não incrementando as taxas de reprodução(Kano, comun. pess., in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

  Os bonobos são menos agressivos do que os chimpanzés. Isto pode estar relacionado com a estabilidade dos grupos e com os baixos níveis de competição entre os indivíduos.

  Há cooperação entre os machos bonobos, só que esta é muito menos marcada e visível do que nos chimpanzés.

  As diferenças na organização e no comportamento entre estas duas espécies podem estar relacionadas, em última instância, a diferenças no tamanho das áreas de alimentação e nos padrões de produção de alimento entre os seus habitats(Badrian e Badrian 1984, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987).

 

 

III - Estrutura social de uma comunidade de cerca de cem roazes-corvineiros (Tursiops truncatus) de Sarasota (Estados Unidos).

 

Esta estrutura está baseada em quatro unidades básicas : pares mãe-cria, grupos de sub-adultos(mistos ou só de um dos sexos), bandos de fêmeas com as crias jovens e, machos adultos individuais ou em grupos de dois ou de três.

  Os pares mãe-cria são das associações mais consistentes na comunidade de Sarasota. As crias permanecem com as suas mães de três a seis anos, podendo, nalguns casos, chegar aos dez anos de união. Quando a cria se separa da mãe ela vai integrar um grupo de sub-adultos. 

  No que diz respeito aos golfinhos que integram os grupos de sub-adultos, a maioria nasceu na comunidade de Sarasota. Há uma segregação associada ao sexo na formação destes grupos. Estes grupos de sub-adultos são compostos frequentemente por indivíduos de ambos os sexos, sendo os machos mais comuns do que as fêmeas. Em contraste, as fêmeas sub-adultas tendem a interagir mais frequentemente com adultos do que os machos sub-adultos. A tendência para haver maior número de machos do que de fêmeas nestes grupos tem a ver com a demografia e com diferentes padrões de histórias de vida entre os sexos. As fêmeas parece que são recrutadas para a população reprodutora a uma idade inferior à dos machos e, por isso, tendem a integrar os grupos de sub-adultos durante menos tempo. As fêmeas geralmente têm o primeiro filho com a idade de 8 a 12 anos. Os machos podem continuar a associar-se com grupos de sub-adultos até aos 10 a 15 anos. Logo, os machos são considerados sub-adultos até uma idade mais avançada do que a maioria das fêmeas.

  Os grupos de sub-adultos são os mais activos. Os saltos, as perseguições e a socialização são actividades bastante comuns nestes grupos. A socialização inclui muito contacto físico, como esfregar, acariciar, empurrar, e interacções homo e heterosexuais. Contactos mais violentos também foram registados, tais como raspadelas com os dentes(“toothraking”)e batimentos com a cauda. Talvez estas interacções sejam parte do processo de desenvolvimento de relações de dominância, como já foi registado em animais em cativeiro(Caldwell e Caldwell 1972, in Wells 1991).

  O termo sub-adulto aplica-se mais à maturação social do que à maturação sexual. Nos grupos de sub-adultos encontram-se machos e fêmeas já sexualmente adultos(em idade reprodutora).

  Nos grupos de sub-adultos podemos encontrar sub-grupos de dois ou três machos com fortes laços de associação. Estes sub-grupos podem formar-se entre machos de idades similares, passado pouco tempo de terem integrado um grupo de sub-adultos. Estes fortes laços de associação podem ser mantidos pelo menos até ao começo do estado adulto. A formação destes laços entre machos jovens pode servir para incrementar as suas hipóteses de sobrevivência. Os critérios para a formação destes sub-grupos podem ser os seguintes : idade similar e relações de parentesco.

  No que respeita aos bandos de fêmeas com crias jovens, estes foram observados com frequência . A designação de bando é atribuída para pôr em evidência as relações de longa duração que se estabelecem enrte os indivíduos desses grupos. Estes bandos não são exclusivos; estabelecem-se interacções entre fêmeas de vários bandos.

  Na comunidade estudada foram registados três bandos. O maior com 13 fêmeas e as respectivas crias mais novas. Os outros dois bandos tinham 7 e 2 fêmeas, com as respectivas crias. Os bandos formam-se com fêmeas na mesma condição reprodutora. As fêmeas com crias de idades similares tendem a nadar em conjunto. As fémeas sem filhas tendem a nadar em conjunto. Quando uma fêmea dá à luz uma cria ela pode alterar o seu padrão de associação e, passar a pertencer a um grupo de fêmeas com crias recém-nascidas. A forma como se dá o recrutamento de fêmeas para estes bandos baseia-se, pelo menos nalguns casos, em relações de parentesco.

  Por último vou-me referir às unidades formadas só por machos. Os machos adultos raramente se associam com machos sub-adultos. Os grupos que se constituem são de 2 ou  3 indivíduos. Existem também machos solitários, mas em muito menor número. Os laços nestes grupos de machos costumam ser consistentes e de longa duração, podendo durar 10 anos ou até mais.

  Foi observado, por várias vezes, que num par, quando um morre o outro estabelece uma relação forte com outro macho(Wells, Scott e Irvine 1987, in Wells 1991). Os laços entre machos adultos parecem resultar de relações já criadas no estado sub-adulto.

  A formação destes pares ou trios pode supor benefícios para os machos, da mesma forma como serão de benefício as interacções de machos solitários com  grupos de fêmeas. Outro dado importante pode ser a integração sensorial(Norris e Dohl 1980, in Wells 1991), que será importante para estes animais. Logo, estes pares e trios estarão bem coordenados para se alimentarem, detectando presas com maior eficiência do que se o fizessem em solitário. A coordenação ou cooperação entre machos adultos também pode ser benéfica em contextos agonísticos ou no acasalamento.

  Concluindo, podemos afirmar que esta comunidade de golfinhos de Sarasota é relativamente estável, partilhando os limites do seu território com outras comunidades residentes de roazes-corvineiros. As taxas anuais de imigração e emigração parecem ser baixas. Nesta comunidade há indivíduos que ultrapassam os 40 anos de idade. Os golfinhos nascidos na comunidade tendem a permanecer nela, pelo menos até atingirem a maturidade sexual. A maioria das interacções sociais observadas são entre indivíduos da comunidade, mas há evidência de intercâmbio genético com outras comunidades. As associações sociais na comunidade parecem basear-se no sexo, na idade, na condição reprodutora e nas relações de parentesco. Vários factos sugerem a possibilidade de existir um sistema de acasalamento por poliginia.  

 

 

IV - Alianças e coligações entre os roazes-corvineiros (Tursiops truncatus)machos em Shark Bay (Australia Oeste).

 

Os golfinhos desta zona vivem numa sociedade de fissão-fusão(como nos chimpanzés e nos macacos-aranha). Dentro de uma comunidade formam-se pequenos grupos, que não são sempre integrados pelos mesmos indivíduos(Struhsaker e Leland 1979; Symington 1990, in Connor, Smolker & Richards 1992). Aqui foram estudados os padrões de associação nos seguintes comportamentos : repouso, deslocação e socialização. O número médio de golfinhos nos grupos foi de aproximadamente 5. Os grupos estudados foram de 2 a 22 indivíduos.

  Os machos associam-se 2 a 2(pares)ou em grupos de 3(tripletos), sendo estas associações muitas vezes estáveis durante vários anos. Cada par ou tripleto associa-se preferencialmente com um ou dois outros pares ou tripletos. Os pares e tripletos deslocam-se, alimentam-se e socializam em conjunto com frequência. Estes grupos de machos arrebanham(“herd”)fêmeas conjuntamente. O arrebanhar começa com a captura da fêmea por dois ou mais machos, e acaba quando a fêmea foge ou é libertada pelos machos.

   Os machos emitem uma série de estalos para atrair as fêmeas. Se elas não se aproximam podem ser ameaçadas e atacadas pelos machos.

  Aos pares e tripletos de machos dá-se a designação de alianças de 1ª ordem. Às associações que se estabelecem entre pares e/ou tripletos dá-se a designação de alianças de 2ª ordem. Duas alianças de 1ª ordem podem coligar-se para “roubar”, de forma agressiva, uma fêmea que tenha sido arrebanhada por outro par ou tripleto. As alianças de 2ª ordem permitem a dois grupos de golfinhos tanto roubar fêmeas a grupos menos numerosos como defender as fêmeas por eles arrebanhadas, evitando serem roubadas.

  As mudanças de parceiro dentro das alianças de 1ª ordem são mais frequentes nos períodos entre as capturas das fêmeas. Verficou-se que ocorreram mais mudanças de parceiro nos meses de Inverno do que nos meses de Verão e Primavera. Esta correlação pode estar directamente relacionada com factores hormonais. Os machos do género Tursiops exibem elevados níveis de testosterona váris semanas antes da época de acasalamento. Estes níveis decrescem e são baixos durante a época de acasalamento(Schroeder e Keller 1989, in Connor, Smolker & Richards 1992). Não se sabe se uma alta frequência de mudança de parceiro reflecte altos ou baixos níveis de competição. Também não se sabe qual é a relação de parentesco entre os membros de alianças diferentes. Pode ser que a reciprocidade(Trivers 1971, in Connor, Smolker & Richards 1992)ou uma pseudo-reciprocidade(Connor 1986, in Connor, Smolker & Richards 1992) esteja envolvida na razão que leva à formação de uma coligação para capturar fêmeas, em que um dos grupos fica com a fêmea, enquanto que o outro grupo não ganha nada com isso nessa altura. Não existem dados sobre as relações de dominância nas alianças de 1ª ordem.

  Existe um conjunto de observações que sugerem que as fêmeas podem formar coligações para se protegerem da perseguição feita pelos machos.

 

 

V - Alianças na espécie humana (Homo sapiens).

 

A formação de alianças pode ter sido um importante factor na evolução humana. Chagnon (1974, 1977, in Connor, Smolker & Richards 1992) descreveu vários graus de aliança entre indivíduos do sexo masculino nos índios Yanomamo de Venezuela e do Brasil. Uma aldeia Yanomamo típica contém de 75 a 80 indivíduos, e duas(raramente três)linhagens dominantes de indivíduos do sexo masculino. Os limites mínimos do tamanho da comunidade estão constrangidos pela necessidade de existirem homens adultos suficientes(10 a 15)para se envolverem com sucesso nos conflitos inter-aldeias. Dentro de uma linhagem os homens aparentados podem formar facções, de modo a controlar o poder dentro dessa linhagem. Estas facções dentro de uma linhagem são as alianças de 1ª ordem na sociedade dos Yanomamo. As linhagens em si são as alianças de 2ª ordem.

  As disputas entre homens de diferentes linhagens podem levar uma aldeia a dividir-se quando esta tem à volta de 150 indivíduos. As linhagens de uma aldeia, que cooperam numa guerra com outrs aldeias, são alianças de 3ª ordem. As aldeias podem aliar-se para combater indivíduos de outras aldeias, constituindo alianças de 4ª ordem. Estas alianças de 4ª ordem não existem nas outras espécies animais e, acontecem porque há a migração de mulheres para outras aldeias, o que cria laços de parentesco entre indivíduos pertencentes a aldeias diferentes.

  Os seres humanos são provavelmente únicos no grau em que mantêm relações com parentes que emigraram para grupos diferentes(Alexander e Noonan 1979; Rodseth et al. 1990, in Connor, Smolker & Richards 1992).

 

 

VI - Conclusão.

 

  Tendo em linha de conta que as diferenças na organização social e no comportamento entre o bonobo e o chimpanzé podem estar relacionadas a diferenças no tamanho das áreas de alimentação e nos padrões de produção de alimento entre os seus habitats(Badrian e Badrian 1984, in Nishida & Hiraiwa-Hasegawa 1987), podemos afirmar que as diferenças mais evidentes radicam no tamanho dos grupos que se formam dentro de uma comunidade e, no comportamento mais ou menos sociável dos machos e das fêmeas.

  Vimos que os bonobos formam grupos numerosos e que as fêmeas são bastante sociáveis. Pelo contrário, nos chimpanzés os grupos não são numerosos e os machos são mais sociáveis do que as fêmeas. Isto reflecte-se em actividades sociais tais como o “grooming” e a partilha de alimento.

No que concerne aos roazes-corvineiros podemos afirmar que estes apresentam uma organização social basicamente similar em Sarasota e em Shark Bay e, possivelmente, este padrão se poderá estender em grande parte a todas as comunidades de roazes-corvineiros. É claro que as disponibilidades de alimento e as carcterísticas do biótopo de cada região irão impor conductas diferentes mas, no básico, esta estrutura atrás descrita se irá manter.

  Comparando a estrutura social destes golfinhos com a dos chimpanzés e bonobos podemos encontrar algumas semelhanças e algumas diferenças. Nas semelhanças podemos incluir os grupos mãe-cria, que são os mais consistentes, quer nos golfinhos quer nos primatas. Também podemos constatar uma semelhança entre os golfinhos e os bonobos, que tem a ver com o comportamento sexual. Em ambas as espécies a actividade sexual é intensa e, em grande parte, serve para fortalecer as relações sociais dentro da comunidade.

  Outra semelhança, agora entre os golfinhos e os chimpanzés, radica na formação de coligações e alianças, que em ambas as espécies terão como finalidade aumentar a segurança e o acesso a alimento e a fêmeas.

  Uma grande diferença entre os golfinhos e os primatas mencionados consiste na interacção entre comunidades diferentes. Vimos que no caso das comunidades de golfinhos são os machos que saem da sua comunidade e, presumivelmente, acasalam com fêmeas de outras comunidades. Nos bonobos e nos chimpanzés são as fêmeas que saem da sua comunidade natal e migram para outras comunidades.

  Por último, uma palavra sobre aquilo que foi dito sobre as comunidades humanas dos índios Yanomamo. São de realçar as semelhanças com os golfinhos e chimpanzés no que se refere à formação de alianças e coligações. Podemos dizer que, até certo ponto, há uma correspondência entre este tipo de associações nestas três espécies.

  Outra semelhança prende-se com o papel das mulheres na interacção entre comunidades diferentes. Aqui, como nos chimpanzés, são as fêmeas que saem de uma comunidade(aldeia) para migrarem e se integrarem noutra comunidade distinta. Mas, a grande diferença está no elo de ligação que estas migrações vão criar, dado que continuam a manter-se relações com os parentes que emigram para grupos diferentes, o que leva ao aparecimento das alianças de 4ª ordem. Este tipo de aliança parece não existir nos restantes primatas e, também não sabemos se poderá existir nos golfinhos. Será de todo o interesse continuar com estudos como os atrás descritos, de modo a desvendar mais aspectos da vida social dos primatas e dos golfinhos, dado que o que se sabe até agora é muito pouco, especialmente no que diz respeito aos golfinhos, devido às difíceis condições de estudo destes animais em liberdade.

 

 

VII - Referências bibliográficas.

 

Connor R. C., Smolker, R. A. & Richards, A. F. ( 1992 ). Dolphin alliances and coalitions. In: Coalitions and alliances in humans and other animals, eds. Alexander H. Harcourt & Frans B. M. De Waal, Oxford Science Publications, pp. 415-443.

Nishida, T. & Hiraiwa-Hasegawa, M. ( 1987 ). Chimpanzees and Bonobos : cooperative relationships among males. In : Primate Societies, eds. Barbara B. Smuts et al., The University of Chicago Press, Chicago, pp. 165-177.

Senar, J. C. ( 1994 ). Vivir y convivir : La vida en grupos sociales. In : Etologia. Introduccíon a la Ciencia del Comportamiento, ed. Juan Carranza, Universidad de Extremadura. Servicio de Publicaciones. Cáceres.     

Wells, Randall S. ( 1991 ). The role of long-term study in understanding the social structure of a bottlenose dolphin community. In : Dolphin Societies : discoveries and puzzles, eds. K.   Pryor & K. S. Norris, University of California Press, California, pp. 199-225.

 

 

Por Alberto Sousa

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