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Em 2015, 4.5 milhões de crianças com até um ano de vida morreram, o que equivale a 75% do total de mortes de crianças com até cinco anos (em 1990 registaram-se 8.9 milhões de falecimentos) (OMS). Em África, o risco de uma criança morrer antes de completar um ano de vida é o mais alto do mundo, com 55 mortes por mil “nados vivos”, dez vezes maior do que na Europa, com uma taxa de mortalidade infantil de 10 mortes por mil “nados vivos”. Embora seja um cenário que ainda deve ser enfrentado globalmente, a taxa de mortalidade infantil diminuiu de 63 por mil nados vivos em 1990, para 32 em mil, no ano de 2015.
No caso português, a redução da taxa de mortalidade infantil tem sido um sucesso. No período de 1970 a 2008, Portugal conseguiu diminuir sua taxa de mortalidade infantil em 94%, o que constitui um dos casos de maior sucesso nas estatísticas mundiais deste indicador. (Barreto & Correia, 2014). No ano de 2015, de acordo com dados do Banco Mundial, obtivemos o 19o lugar, à frente de países com um sistema de saúde muito evoluído como Austrália (20o), Alemanha (22o) e Holanda (24o).
Faz parte dos “Millennium Development Goals”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento a redução deste problema. A taxa de mortalidade infantil, a taxa de analfabetismo e a de esperança média de vida traduzem qualitativamente o estado de desenvolvimento de uma população, já que é associada a um conjunto de fatores específicos, como a alimentação, habitação, acesso a cuidados médicos, qualidade dos serviços de saúde, entre outros (condições decisivas para a sobrevivência no primeiro ano de vida (Barreto & Correia, 2014).
No âmbito da cadeira de Demografia Social e Políticas Demográficas, o presente ensaio tem como objetivo compreender e analisar, de forma crítica e fluída o que causou a melhoria dos indicadores de mortalidade infantil em Portugal, dada a relevância deste tema para a humanidade, e especificamente para o caso português.
A pergunta de partida é a seguinte: “De que forma evolui a taxa de mortalidade infantil em Portugal no pós-25 de abril de 1974 e que fatores a condicionaram?”. Iremos principiar com definições de alguns conceitos e evoluções estatísticas que consideramos pertinentes. Analisaremos posteriormente e em termos concretos a evolução desta taxa, bem como as políticas que para isso contribuíram. Como final, apresentaremos uma conclusão, tentando dar resposta à pergunta de partida e retomando argumentos e destaques que consideramos relevantes.
A taxa de mortalidade infantil (TMI) corresponde ao número de óbitos de crianças com menos de um ano de vida, observados durante um ano civil, em relação ao número de “nados-vivos” do mesmo período. Esta taxa pode ser dividida em duas. A primeira é a taxa de mortalidade neonatal, que diz respeito a óbitos de crianças com menos de 28 dias de vida por mil nados vivos. A segunda é a taxa de mortalidade pós-neonatal, e diz respeito aos óbitos de bebés com idades compreendidas entre os 28 e 364 dias. Por sua vez, a taxa de mortalidade neonatal pode ainda ser dividida duas: a precoce, quando o óbito ocorre entre o primeiro (1º) e o sexto (6º) dia de vida completo, e a tardia, quando se verifica o óbito entre o sétimo (7º) e o vigésimo sétimo (27º) dia de vida. A mortalidade neonatal (até o 28º dia de vida) é mais influenciada por fatores congénitos e pelo desempenho dos sistemas de saúde, enquanto a mortalidade pós-neonatal (entre o 28º e o final do primeiro ano de vida) é mais influenciada pelas condições do meio em que viverá a criança. (Barreto & Correia, 2014).
Gráfico 1- Taxa de mortalidade infantil mundial, por 1000 nados-vivos (2015) “Fonte: UNICEF, WHO, World Bank, UN DESA/Population Division, Levels and Trends in Child Mortality 2015, UNICEF, 2015.”
Gráfico 2- Tendências na taxa de mortalidade infantil, por 1000 nados-vivos: globalmente e por região OMS (1990-2015) “Fonte: UNICEF, WHO, World Bank, UN DESA/Population Division, Levels and Trends in Child Mortality 2015, UNICEF, 2015.”
Em 2010, uma em cada 18 crianças nascidas em todo o mundo morreu durante o primeiro dia de vida, correspondendo a um total de 6,2 milhões de óbitos infantis. A nível mundial, ainda nesse mesmo ano, a mortalidade Infantil (doravante abreviada em TMI) foi em média foi de 45 milhões. Ásia e África foram responsáveis por 5,9 milhões desses óbitos durante o primeiro dia de vida, correspondendo a 95% do total de óbitos infantis. A TMI costuma estar associada ao desenvolvimento socioeconómico dos países, sendo normalmente mais baixa em países desenvolvidos do que no restante do mundo. Nos últimos anos, a esmagadora maioria dos países do mundo têm conseguido reduzi-la substancialmente (Barreto & Correia, 2014).
Nos gráficos acima, é possível verificar tanto a relação entre o nível de desenvolvimento e a TMI como o facto de todas as regiões do mundo, umas mais e outras menos, terem conseguido reduzir os índices de mortalidade infantil. No primeiro gráfico, os países que possuem maiores níveis de mortalidade infantil (equivalem aos países com cores próximas às avermelhadas mais escuras) concentram-se principalmente em África e Ásia, e alguns na América Latina. Regiões como a América do Norte, Europa e Oceânia possuem indicadores mais baixos. No segundo gráfico, vê-se que todas as regiões têm conseguido reduzir as suas taxas de mortalidade infantil. A escala decrescente das regiões da Organização Mundial de Saúde em relação à TMI, no ano de 2015, demonstram que África apresenta os índices mais altos, seguida pelo Mediterrâneo Oriental, Sudeste Asiático, Américas, Pacífico Ocidental e Europa, que por sua vez possui os níveis mais baixos.
Gráfico 3- Taxa bruta de mortalidade e taxa de mortalidade infantil em Portugal (1960-2014) “Fonte: INE & PORDATA, Estatísticas de Óbitos, Estatísticas Anuais de População Residente, Estatísticas de Nados-Vivos, 2016”
Neste gráfico é possível ver claramente a evolução que Portugal obteve no que toca à redução mortalidade infantil. Em 1960, a taxa era de 77,5 mortes infantis por 1000 nados-vivos; já em 1970, diminuía para 55,5. Em 1980, a taxa decresce em quase metade em relação à década anterior, atingindo o valor de 24,3. Em 1990, para 10,9, e no ano de 2000 atinge um nível bastante reduzido, a saber 5,5. No ano de 2013, atinge o valor de 2,9 mortes por cada mil, que se vai mantendo até 2015, colocando Portugal no 19o posição a nível mundial.
Gráfico 4- Taxa de mortalidade neonatal e pós-neonatal em Portugal (1988-2008) “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 40”
O gráfico acima evoca a divisão da TMI nas suas duas componentes: a taxa de mortalidade neonatal (vida inferior a 28 dias) e a taxa de mortalidade pós-neonatal (entre o 28o e o 364o dia). Como já foi salientado, a primeira costuma ser relacionada com o desempenho dos sistemas de saúde, enquanto a segunda costuma estar relacionada com as condições socioeconómicas em que a criança nasce. A taxa de mortalidade neonatal (a preto) tem-se mantido mais elevada do que a complementar ao longo dos anos, embora tenha diminuído de 8,64 para 2,07 entre 1988 e 2008. A taxa de mortalidade pós-neonatal (de cor laranja), historicamente inferior à outra, também tem sofrido um decréscimo, à medida que o país se desenvolve economicamente.
Gráfico 5- Taxa de mortalidade infantil por país (1988 e 2007) “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 48”
Gráfico 6- Taxa de mortalidade infantil em Portugal e União Europeia “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 48”
O gráfico 5 revela as taxas de mortalidade infantil nos anos de 1988 (cor-de-laranja) e em 2007 (a cor preta), de diversos países europeus. Portugal encontrava-se, em 1988, com uma TMI muito superior à dos outros países europeus desenvolvidos. Em 2007, por sua vez, Portugal consegue não só alcançar, mas também ultrapassar países como a Itália, Espanha, França, Dinamarca, Alemanha e Holanda, apenas atrás da Noruega, Finlândia e Suécia, países nórdicos cujos sistemas de saúde são reconhecidos como de elite a nível mundial. No gráfico 6 é possível ver o trajeto português em relação à União Europeia com 25 e 27 países. É constatável que Portugal, embora já conseguindo reduzir substancialmente a sua Taxa, só alcançou os níveis europeus no começo da década de 1990. No restante do trabalho procuraremos assim explicitar quais as razões que levaram a esta melhoria tão positiva.
Dentre inúmeros fatores consideramos importantes alguns sociais mais abrangentes, mas que têm algum impacto na manifestação do nosso estudo de caso. O sexo da criança tem resultados práticos nesta taxa, desfavorecendo o sexo masculino, ou seja, morrem em média mais bebés do sexo masculino que do sexo feminino. Ao longo dos anos esta superioridade tem vindo a decrescer, pela redução da taxa de mortalidade infantil no caso masculino (que no entanto continua ligeiramente superior).
Gráfico 7- Taxa de mortalidade infantil por sexo (Portugal, 1988 a 2008) “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 66”
Para além disso contribui esporadicamente o nascimento ocorrer dentro ou fora do casamento, muito pelo planeamento ou não planeamento da gravidez e as decisões com que uma mãe se vê confrontada e que acabam por surtir efeito nos cuidados a tomar.
Gráfico 8- Nados vivos dentro e fora do casamento (Portugal, 1995 a 2008) “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 70”
Com o passar dos anos tem havido tendência para uma cada vez maior especialização das mulheres que atingem graus de instrução elevadíssimo. Este fator também afeta este desenvolvimento. São as mães as responsáveis pelas decisões na utilização de cuidados de saúde, quer pré-natais, quer da criança. As mães instruídas rompem mais facilmente a tradição, tornando-se menos fatalistas (por exemplo ao encarar uma situação de doença), são mais capazes de receber atenção dos elementos que trabalham nas unidades hospitalares e poderão estar mais informadas sobre os seus direitos e como usá-los de modo benéfico para a saúde a criança. Por outro lado, também são mais persistentes na aplicação de um tratamento médico recomendado. Com o desenvolvimento de políticas de outros parâmetros, ao longo do passado século, de aumento do grau de instrução, mas também da própria emancipação da mulher, as mães mais instruídas passaram a ter maior capacidade para desempenhar um papel na decisão no seio da família, contestar as opiniões dos familiares mais próximos, comunicar mais abertamente com o seu marido/companheiro e diligenciar mais meios para a sobrevivência da criança – tradução num decréscimo na taxa de mortalidade infantil (ver gráfico 9).
Gráfico 9- Taxa de mortalidade infantil, nível de instrução da mãe (Portugal, 1988 a 2008) “Fonte: Xavier Barreto & José Pedro Correia, Mortalidade Infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados de 1988 a 2008, Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, 74”
Para além destes existem também outros fatores mais genéricos como o local de nascimento, tempo de gestação, assistência ao parto, recursos de saúde; e outros fatores gerais não só desta área concreta como também económicos a nível geral, como o Produto Interno Bruto e despesas do Estado (nomeadamente com Saúde).
Portugal atingiu valores de mortalidade infantil consistentemente baixos, posicionando-se como um dos países mais bem-sucedidos na melhoria deste indicador, importando realçar que esta foi provavelmente a reforma de saúde que mais sucesso demonstrou nos últimos 40 anos.
Com o pós-25 de Abril de 1974, passou a ser fulcral redobrar as atenções à mortalidade infantil. No ano seguinte à revolução, a mortalidade infantil atingia cerca de trinta e nove por cada mil crianças. Hoje, o número de crianças que morrem com menos de um ano de idade não atinge as três por cada mil nascidas. Para esta extremamente positiva redução, contribui um conjunto de políticas muito bem-sucedidas através de um grande desenvolvimento da rede de cuidados materno-infantis.
No início da década de 70, nasciam 176.008 bebés, sendo que apenas trinta e nove por cento (aproximadamente) dos nascimentos eram procedidos em estabelecimentos de saúde.
A Revolução de Abril vai instaurar a Democracia e romper com as condicionantes políticas que impediam uma universalização dos sistemas de saúde.
Em 1975, foram realizados cerca de 181.818 partos. No entanto apenas 111.092 tinham sido assistidos num estabelecimento de saúde e com a integração dos hospitais geridos pelas Misericórdias.
Com o Políticas para a Saúde, o Governo Provisório declara como objetivo a criação de um sistema nacional de saúde. Procedeu-se à descentralização da prestação de serviços com a criação de Administrações Distritais, de um Serviço Médico à Periferia, que consistia na deslocação de jovens médicos para serviços na periferia de modo a progredir na carreira, prestar serviços em locais desprovidos de cuidados médicos suficientes e entrar em contacto com a realidade social do país; bem como a integração dos hospitais geridos pelas Misericórdias na gestão pública. Foram introduzidas ainda outras políticas, motivados pelo denominado “Despacho Arnaut”, impulsionado por António Arnaut, Ministro da Saúde. Este iniciou um processo de abertura e acesso aos serviços médico-sociais a todos os cidadãos independentemente da sua capacidade contributiva.
Em 1982, são criados os Centros de Diagnóstico Pré-natal e a Rede de Referenciação Materno-Infantil e um ano depois é reformulada a rede de centros de saúde, o que permitiu uma cobertura médica e de enfermagem à maioria da população. Nesse mesmo ano, são formadas as primeiras Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais, que vão ter um impacto considerável na redução efetiva da mortalidade infantil Em Portugal.
Em 1986-1988 dá-se início ao processo de integração europeia com a adesão de Portugal à CEE (Comunidade Económica Europeia). Com este processo de integração, foram tomadas grandes iniciativas de aumento da qualidade dos serviços de saúde e, consequentemente, do decréscimo da mortalidade infantil.
Em 1986, concretiza-se o sistema de transporte dos recém-nascidos, criando condições para o pleno funcionamento da Rede de Referenciação.
Em maio de 1987, um grupo de trabalho coordenado pelo Dr. Luís de Carvalho e integrando o Dr. Albino Aroso, o Prof. Luís Pereira Leite e o Prof. Octávio Cunha, elabora por indicação do então secretário de Estado Adjunto da Saúde um longo relatório onde explicitava, a nível nacional, as condições de funcionamento e os meios humanos e materiais disponíveis na área da saúde materna e neonatal.
Em 1989, resultante do relatório produzido dois anos antes, é nomeada a Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil (CNSMI), presidida pelo Dr. António Baptista Pereira, com o objetivo de fazer um acompanhamento e avaliação das condições (logísticas, técnicas e humanas) de assistência à grávida e ao recém-nascido, numa lógica de proximidade. Foi estruturado para ser implementado em três fases prolongadas por nove anos com o objetivo de reorganizar e requalificar a rede de cuidados de saúde, bem como o estabelecimento de redes de referenciação regionais. Com isto resultaram uma série de orientações que ficaram consagradas no Programa Nacional de Saúde Materno-Infantil (PNSMI), o qual se baseou no Relatório da referida Comissão, datado de maio de 1987 e intitulado «Saúde Materna e Infantil: Assistência ao Parto e ao Recém-Nascido. Levantamento, Análise e Proposta de Planeamento». Criou-se assim um novo modelo de assistência com a Criação de Unidades Coordenadoras Funcionais. No âmbito desse programa, estabeleceram-se diversas metas a atingir, das quais se destacam: promover a equidade no acesso à vigilância da grávida e do recém-nascido, da criança e do adolescente; assegurar e garantir a segurança e qualidade nos partos, rentabilizar recursos, reorganizando-se os hospitais em Hospitais de Apoio Perinatal (HAP) e Hospitais de Apoio Perinatal Diferenciado (HAPD);implementar as Redes de Referenciação Materno-Infantil; implementar progressivamente uma cultura de cooperação e complementaridade dos diferentes serviços, e implementar as Unidades Coordenadoras Funcionais (UCF), com o intuito de monitorizar, avaliar e formar os intervenientes na Rede de Referenciação Materno-Infantil (RRMI). Foram encerradas 150 maternidades em Portugal, que não se mostravam concordantes com as condições exigidas e foram adquiridos novos e necessários equipamentos, tendo tido a CSMNI autonomia financeira e orçamentos próprios.
A Lei de Bases da Saúde (1990) veio redefinir o papel do Serviço Nacional de Saúde, num contexto mais alargado, incluindo a contratualização de serviços privados e a possibilidade de subcontratação de serviços na área dos meios auxiliares de diagnóstico.
Para o suceder destes processos contribuíram em larga escala:
1) O critério de nomeação da comissão – Ao serem classificados como especialistas na área, foi reconhecido aos responsáveis pelas propostas reconhecimento e apoio local que culminou na implementação das mesmas.
2) Apoio político – O poder político teve um grande impacto, pois admitiu prioritário o apoio e melhorias na saúde em Portugal, apoiando inclusive, as reformas mais controversas e sensíveis como o fecho das maternidades.
3) Comunicação – Este aspeto foi de extrema importância, uma vez que divulgou e sensibilizou as populações locais para riscos, medidas a tomar.
Esta nova forma de gestão dos serviços de saúde, mais flexível e autónoma, prolongar-se-ia nos anos seguintes, culminando já no século XXI.
Em 2002, cria-se um programa de parcerias público-privadas para a construção, manutenção e gestão de dez hospitais portugueses (entretanto suspenso em 2008), e em 2004 procede-se à empresarialização de um conjunto de 34 hospitais portugueses, levada a cabo pela Unidade de Missão para os Hospitais SA. ** Estes hospitais, com natureza empresarial, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial alterou a forma de gestão da saúde em Portugal. A uma maior liberdade e autonomia para gerir os hospitais, corresponde um maior controlo e planeamento da rede de prestadores e desenvolvimento, como o caso dos cuidados intensivos altamente diferenciados.
Em 2003, e como contraponto a esta maior flexibilização da gestão hospitalar, foi constituída a Entidade Reguladora da Saúde, que teria como missão garantir aos cidadãos o acesso aos cuidados de saúde e o cumprimento das leis da concorrência entre os prestadores de cuidados de saúde. No mesmo ano, procede-se à criação da Rede de Cuidados de Saúde Primários, sob a coordenação de uma Unidade de Missão dos Cuidados de Saúde Primários, com objetivos na coordenação e acompanhamento da estratégia de reconfiguração dos Centros de Saúde, mais tarde complementadas com a oferta e implementação das Unidades de Saúde Familiar (USF).
Em 2006, inicia-se o «controverso» processo de reestruturação dos Serviços de Urgência e encerram-se vários blocos de partos, na sequência do já proposto, desde o início da década de 1990, pela Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil.
Adicionados a estes fatores, um desenvolvimento nos cuidados de saúde a nível geral, através da vacinação dá-se um desenrolar muito importante, que provocou um decréscimo das doenças infeciosas e parasitárias (tuberculose, tosse convulsa, sarampo e difteria).
Com base em toda a nossa pesquisa, podemos de facto concluir que há uma correlação clara entre a redução da taxa de mortalidade infantil global, as melhorias socioeconómicas que se verificaram em Portugal desde a década de 70 e as políticas de saúde que advieram dos primeiros governos no pós-25 de Abril. É no entanto importante distinguir que esta é uma de duas fases desta queda acentuada e as razões e políticas por trás das mesmas assim como a insuficiência de dados estatísticos nos óbitos que permitam quantificar o contributo individual de cada factor, nomeadamente: as circunstâncias da morte e as suas causas; dados socioeconómicos acerca da composição do agregado familiar como o grau de instrução dos pais, o número de familiares ou a idade da mãe; acompanhamento materno-infantil prévio ao parto; e ainda os comportamentos de risco dos pais aquando da gravidez. Independentemente da ausência destes dados, uma análise da taxa de mortalidade infantil e os seus sub-indicadores apontam a que entre 1974 e 1988 a queda é acentuada particularmente na taxa de mortalidade pós-neonatal, ou seja óbitos entre o 28º e o 364º dia de vida. As causas apontadas para o óbito infantil neste estádio devem-se normalmente a uma ausência de cuidados higiénicos, carência de educação dos pais, falta de acesso próximo a acompanhamento materno-infantil e pós-neonatal entre outros elementos que normalmente estão associados a um incipiente desenvolvimento socioeconómico de um país.
A partir de 1988, data a partir da qual a Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil foi criada e entrou em ação, até 2008 (Barreto e Correia, 2014) a redução na taxa de mortalidade infantil é acentuada particularmente no sub indicador da taxa de mortalidade neonatal (óbito ocorrido entre o 7º e o 27º dia de vida) e particularmente na taxa de mortalidade infantil neonatal precoce (óbito ocorrido entre o 1º e o 6º dia de vida). A redução de óbitos nestes indicadores está ligado a um maior acompanhamento materno-infantil anterior ao parto, quer no acompanhamento da mãe e da criança quer da difusão de cuidados a ter e comportamentos de risco a evitar da parte dos pais, e a uma melhoria de condições físicas e humanas gerais na área da saúde materno-infantil (assim como o aumento da facilidade ao seu acesso da parte da parte da população) nomeadamente a formação de médicos especialistas nas áreas de neonatologia, obstetrícia, anestesia e enfermagem. Tendo em conta a natureza destes fatores e a ação da Comissão que incidiu particularmente sobre a deficiência dos mesmos no nosso país no final da década de 80, e ainda com base na análise (Barreto e Correia, 2014) da ação da Comissão é “impossível não se equacionar a forte hipótese de estes factos estarem relacionados entre si”, como refere o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “A mortalidade infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados entre 1988 a 2008”.
Os fatores enumerados para o sucesso da Comissão foram principalmente (Barreto e Correia, 2014): o critério de nomeação da comissão-nomeadamente a competência e prestígio individual de cada membro garantiu um reconhecimento a nível nacional e um forte apoio local na implementação das medidas; o apoio político que a comissão recebeu da parte do governo de Aníbal Cavaco Silva; a autonomia política com a qual a comissão pode agir, a nível de deliberação e aplicação de medidas; a estratégia e planeamento que assentou um profundo conhecimento dos problemas em causa, de norte a sul do país, com um levantamento da situação de praticamente todos os locais de nascimento no país; o esforço que houve para comunicar à população local o porquê da intervenção em casos, onde por exemplo houve encerramentos de centros de saúde e maternidades com condições incipientes que haveria melhorias a médio e a longo prazo; a avaliação, quer na implementação das medidas quer nos resultados que produziram; e finalmente a aposta na formação de quadros técnicos nas variadas áreas da pediatria como referido anteriormente.
A queda acentuada da taxa de mortalidade infantil em todos os seus subindicadores é um feito notável que espelha bem quer a melhoria socioeconómica que Portugal teve desde a queda da ditadura quer do esforço dos nossos governantes para que, na área da saúde materno-infantil, Portugal se possa afirmar como dos países no mundo que melhores condições oferece aos seus cidadãos. É de facto uma conquista ganha e irreversível como apontam os dados dos últimos 7 anos. Com maior ou menor variação decimal nos últimos anos, Portugal tem das taxas de mortalidade infantil mais baixas.
Fonte: PORDATA
Barreto, Xavier e José Pedro Correia, eds. A mortalidade infantil em Portugal: evolução dos indicadores e fatores associados entre 1988 a 2008. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014. Acesso em: 15/11/2016. https://www.ffms.pt/FileDownload/65639fd4-b3a3-462b-98fc-d0c61160915c/mortalidade-infantil-em-portugal
Pordata. “Taxa bruta de mortalidade e taxa de mortalidade infantil”. Última modificação em: 07/09/2016. http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+bruta+de+mortalidade+e+taxa+de+mortalidade+infantil-528 UN Millennium Project. “Millennium Development Goals. What they are”. Acesso em: 05/12/2016. http://www.unmillenniumproject.org/goals/
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