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René Descartes vs David Hume

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Resumo do trabalho

Trabalho de Filosofia que visa a comparação entre duas teorias explicativas do conhecimento, personificadas no pensamento de René Descartes e David Hume.


Introdução

Este trabalho nasce de uma proposta do professor Nuno Tavares da disciplina de Filosofia e visa a comparação entre duas teorias explicativas do conhecimento, personificadas no pensamento de René Descartes e David Hume, respectivamente.

René Descartes nasceu em França a 31 de Março de 1596 e é considerado o pai da Filosofia Moderna. Filósofo, físico e matemático, é conhecido sobretudo, pela célebre frase: “Penso, logo existo!”

Começou a sua formação num colégio jesuíta, sendo que em seguida estudou Direito, apesar de nunca ter exercido.

Ao longo da sua vida, deixou uma vasta obra matemática, física e filosófica. Se na matemática foi inovador ao lançar as bases da geometria analítica e na física defendeu o modelo heliocêntrico, é à filosofia que ele dedica a maior parte da sua obra. Revolucionário, inaugurou o racionalismo da Idade Moderna e são poucas as obras de epistemologia, datadas depois da sua morte, que não o citam.

Apesar de católico e de inclusive ter apresentado a prova da existência de Deus no seu entender, a Igreja nunca o viu com bons olhos por questionar sucessivamente a sua influência no campo do conhecimento. Aliás, todas as suas obras, foram colocadas no seu Índice de Livros Proibidos.

Durante a sua vida viveu na Alemanha, na Holanda e Suécia, onde morreu de pneumonia a 11 de Fevereiro de 1650.

Já David Hume, defendeu a corrente filosófica oposta a Descartes.

Nascido em Edimburgo a 7 de Maio de 1711, o filosofo e historiador escocês frequentou a universidade local e complementou a sua formação em França onde concluiu o Tratado da Natureza Humana, que se tornou no expoente maior da sua vasta obra, apesar de aquando da sua publicação ter estado de longe de ser considerado um sucesso, o que fez com que alterasse alguma da sua forma.

Com uma vida muito instável, Hume foi recusado por algumas universidades, enveredando pela vida militar que deixou para trabalhar numa biblioteca, donde saiu para secretário de uma Embaixada entre outros importantes cargos públicos.

Percursor de Kant, levantou o problema da origem do conhecimento e deu bastante importância à experiência.

Era ateu, o que contribuiu para que também as suas obras fossem postas no Índice de Livros Proibidos da Igreja Católica.

Assumindo-se como favorável à independência dos Estados Unidos da América, a sua influência está bem patente na Constituição Americana.

Morreu em Edimburgo a 25 de Agosto de 1776, com 65 anos.

Após estas pequenas biografias dos dois filósofos, passarei agora então, a dar a conhecer as suas teorias.

I Capítulo

A Probabilidade do Conhecimento

Será o conhecimento certo ou não? Será que podemos ter a certeza absoluta de algo? De facto o ser humano tem fome de certeza em muitas das situações do dia a dia. Certeza do passado, do presente e até do futuro. René Descartes e David Hume dividiram-se ao tentar dar uma resposta para esta questão.

Descartes, tomou a posição de que o conhecimento é uma certeza indubitável.

Tal decorre do enquadramento histórico, do fim do século XVI e início do século XVII marcado pelo Renascimento, baseado na valorização do papel do Homem no Mundo, que desenvolve a paixão pela descoberta, visto dar conta que existem várias ideias para além das que vinha aceitando como certas. Decorre também de uma das suas maiores paixões: a matemática. Para ele, a probabilidade epistemológica é uma probabilidade irrefutável tal como é a probabilidade matemática de “atirar dois dados e sair um duplo 6 ser de uma para 36” tal como explicou Bertrand Russel (1872-1970).

Para atingir o conhecimento, Descartes desenvolveu o seu próprio método baseado sobretudo na dúvida, base do cepticismo.

No entanto, vemos que a dúvida em Descartes, é metódica, ou seja, é um caminho, e coloca-se sempre no início de um processo epistemológico de reflexão e nunca num fim. No Discurso, afirma que para se chegar ao conhecimento é necessário que se negue “como absolutamente falso” tudo aquilo em possamos imaginar a menor dúvida desde a existência de um mundo ou de dois mais três serem cinco. A partir daí, ou seja, começando pelos pensamentos mais simples e mais fáceis de conhecer, deve-se ascender a pouco e pouco, até aos pensamentos mais complexos, numa ordem de dificuldade crescente.

Verificamos então que o seu método para chegar ao conhecimento engloba quatro partes distintas:

  1. Não aceitar nada que não seja evidente e indubitável;
  2. Dividir um problema em quantas partes forem necessárias, a fim de as analisar individualmente;
  3. Conduzir o pensamento por ordem, partindo dos objectos mais simples para os mais complexos, como se de um puzzle se tratasse;
  4. Verificar minuciosamente as conclusões de modo a nada escapar.

É através deste método que Descartes chega às suas três conclusões mais importantes: a existência do ser humano (através da famosa frase “Penso, logo existo”), a existência de Deus (desenvolvida em três provas) e o conhecimento do mundo.

Descartes, dá também grande importância à dimensão metafísica do Homem, que no seu entender sustenta toda a ciência. A razão não opera com base nos sentidos, que na opinião do filósofo francês, apenas conduzem a erros e confusões permanentes mas em operações fundamentais do espírito que conduzem à verdade e à certeza. São elas, a intuição e a dedução:

Por intuição entendo não a confiança flutuante que dão os sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação de más construções, mas o conceito que a inteligência pura e atenta forma com tanta facilidade e distinção que não resta absolutamente nenhuma dúvida sobre aquilo que compreendemos; (…)

Descartes, Regras para a Direcção do Espírito

Segundo Descartes, a intuição é então o acto puro e mecanizado no Homem através do qual o Homem aprende noções imediatas das quais não tem a mínima dúvida.

Já a dedução é o encadeamento das intuições que o Homem relaciona e assim consegue chegar a novas relações e a novas conclusões, devido ao que já conhecia de trás.

Diz Descartes, Nas Meditações Sobre a Primeira Filosofia, que a filosofia e a procura do conhecimento se devem basear no exame exaustivo de todos os elementos existentes com o objectivo de se conseguirem atingir dados claros e objectivos chegando-se então ao saber absoluto.

Se tal for feito de acordo com os princípios lógicos, o conhecimento verdadeiro e universal é possível sem qualquer sombra de dúvida!

Já David Hume foi bastante crítico em relação a Descartes nesta questão e avançou com a sua própria tese sobre o assunto. Diz Bertrand Russel sobre o escocês:

O que preocupa Hume é o conhecimento incerto, tal como o que é obtido de dados empíricos por inferências que não são demonstrativas. Isso inclui todo o nosso conhecimento a respeito do futuro, e a respeito de partes não observadas do passado e do presente. De facto, inclui tudo excepto, por um lado, observação directa, e, por outro, a lógica e a matemática."

Bertrand Russel

Em primeiro lugar, David Hume separa conhecimento de probabilidade. Se no conhecimento as “relações de ideias são dependentes das próprias ideias”, na probabilidade existem três relações: a identidade, as situações no tempo e lugar e a casualidade.

Assim, enquanto a negação do conhecimento implica contradição, na probabilidade, a negação é igualmente uma probabilidade. Desse modo, as descobertas filosóficas devem ser caracterizadas pelo probabilismo, pois o Homem tem várias limitações temporais e preceptivas. Ou seja, todas as explicações devem ser vistas como tentativas destinadas a serem substituídas por outras, o que dá espaço à opinião e à controvérsia.

David Hume rejeita “todo o tipo de ilusões metafísicas”, toda a crença em milagres. Segundo ele, os milagres violam as leis da Natureza, que se baseiam na experiência.

No entanto, Hume, não é um céptico radical que negue totalmente a capacidade do sujeito para conhecer algo, o que acaba por ser uma contradição, pois ao afirmar a impossibilidade de alcançar o conhecimento, já está a concluir algo – conhecer que o conhecimento não é possível.

Hume nega a existência de princípios evidentes inatos em nós. Para ele, todo o conhecimento é como que uma cópia de algo, cujo objecto já tivemos acesso de alguma maneira.

Hume põe ainda o problema da causalidade em cima da mesa. Ele refuta o princípio da causalidade segundo o qual todas as acções têm uma relação causa efeito, submetendo-o a uma análise critica bastante rigorosa, baseando-se na sua teoria de conhecimento segundo a qual sem impressão sensível não há conhecimento, visto todas as ideias derivarem das sensações, à qual deve corresponder uma impressão.

A partir daí, ele negou que possamos fazer qualquer ideia de causalidade pois ela é apenas resultado do nosso hábito mental, visto que na Natureza nada nos mostra que sempre que acontece alguma coisa, tem que acontecer outra.

Só temos essa ideia porque nos habituamos a ver a sucessão de fenómenos um por um, o que nos induziu em erro.

Por exemplo, quando está vento e uma árvore abana dizemos que esta é uma relação causa efeito, quando nada nos prova que assim é. Apenas o dizemos porque nos habituamos a ver os dois fenómenos ocorrer muitas vezes simultaneamente. A experiência até nos pode dizer que o vento pôs os galhos da árvore em movimento, mas ela nunca nos diz nada sobre acontecimentos futuros, com os quais ainda não tivemos qualquer contacto: única fonte de conhecimento valida. Isto porque a inferência causais estão sempre sujeitas ao erro perante novos objectos, novos sujeitos e novas situações, que podem mudar as ideias que temos em nós. Desse modo, vemos que para Hume, o conhecimento só pode corresponder a acções passadas, ou quando muito actuais e nunca futuras. Para ele, “cada caso, é um caso” e nada nos diz o que vai acontecer amanhã.

Esta questão é de grande importância para David Hume, porque o racionalismo de Descartes apoia-se sobretudo nas relações causa efeito.

Provando que não existem relações na Natureza e apenas fenómenos desligados uns dos outros, Hume rejeita, o inatismo cartesiano, introduzindo um dado novo nas teses empiristas afirmando que a identidade entre a ordem das coisas e das ideias é fruto dos nossos hábitos mentais ou na crença que existe uma ligação necessária entre os fenómenos.

A partir daí, Hume nega as três verdades de René Descartes (o ser, Deus e o mundo).

Em relação ao “eu”, que Descartes provara através da intuição, Hume não acredita que o pensamento intuitivo seja um caminho seguro para a verdade, devido à impossibilidade do Homem poder enumerar causas.

Todos nós mudados em muitos aspectos à medida que os anos passam, sem que nós próprios mudemos em si mesmo. No entanto, Hume nega a distinção entre os vários aspectos de uma pessoa e o sujeito que transporta essas mesmas características. Ou seja, para o escocês, quando fazemos uma introspecção, notamos um conjunto de percepções, sentimentos, memorias e pensamento, mas nunca nos apercebemos de algo a que possamos chamar de “eu”. Ou seja, o ser humano não passa de um conjunto de “percepções transitórias” que a nada pertencem e de um composto de elementos relacionados em permanente mudança.

Depois, relativamente à questão da existência de Deus, que Descartes provara baseando-se em que tudo tem uma causa, e a primeira dessas causas era Deus,

Hume diz ser impossível conhecer Deus pois a provas cartesianas estão fundadas na existência de ideias inatas, originárias da razão, nas quais não acredita. Ou seja, para ele o Homem não pode conhecer algo do qual não tem uma única percepção.

Por fim, Hume nega igualmente a existência do mundo exterior que para ele não passa de uma crença. E é uma crença que não podemos eliminar, mas que também não podemos provar por qualquer tipo de argumento, seja ele dedutivo ou indutivo.

David Hume também refuta a ideia de um conhecimento universal, claro e distinto. Visto que dentro das limitações o nosso conhecimento é sempre incompleto, a realidade reduz-se aos fenómenos aos quais os nossos sentidos têm acesso, sendo que cada um pode ter sensações diferentes nessa experiência, abrindo-se espaço à subjectividade.

II Capítulo

A Origem do Conhecimento

A partir de onde temos capacidade para conhecer? Esta foi mais uma das dúvidas que dividiu Descartes e Hume que tomaram posições diferentes: o racionalismo e o empirismo, respectivamente.

Descartes acredita que a razão é a verdadeira fonte do conhecimento universal, pois é ela que nos fornece as ideias e os princípios pelo meio dos quais conhecemos.

Ele distingue vários tipos de ideias: as inatas, as adventícias e as factícias. As ideias adventícias são as que nos chegam pelas experiências sensoriais. Já as factícias são as que provêm da combinação das imagens dadas pelos sentidos e retidas na nossa memória, cuja combinação torna possível imaginar algo a que nunca tivemos acesso.

No entanto, este tipo de ideias não pode responder por exemplo à questão da ideia de Deus, pois se o Homem é um ser finito e imperfeito, como poderia ter a ideia de um ser infinito e absolutamente bom e perfeito.

Para responder a essa questão, Descartes distingue outro tipo de ideias: as ideias inatas. Essas ideias são a marca do Criador e estão em nós desde que nascemos.

Além de inatas, são ideias claras, distintas e objectivas, que não inventamos, mas que são produzidas pelo entendimento lógico sem recurso à experiência. Escreve Descartes sobre elas:

“(...) quando começo a descobri-las, não me parece aprender nada de novo, mas recordar o que já sabia. Quero dizer: apercebo-me de coisas que estavam já no meu espírito, ainda que não tivesse pensado nelas. E, o que é mais notável, é que eu encontro em mim uma infinidade de ideias de certas coisas que não podem ser consideradas um puro nada. Ainda que não tenham talvez existência fora do meu pensamento elas não são inventadas por mim. Embora tenha liberdade de as pensar ou não, elas têm uma natureza verdadeira e imutável.”

Méditations Métaphysiques, “Méditation cinquième”, p. 97-99.

Quais são então as ideias inatas que temos e que são desenvolvidas por Descartes?

Afirma Descartes na quarta parte do seu Discurso do Método, a sua obra mais popular:

“Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar. (…) Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava."

Descartes, dá aqui o ponto de partida não só do seu próprio trajecto intelectual com aquilo a que se chama o cogito, como de toda a filosofia contemporânea através de uma constatação difícil de refutar: enquanto pensamos e tentamos desenvolver um raciocínio, todos nós estamos envolvidos num dilema ou numa dúvida. Se tal não fosse assim não era necessário pensar: acção ou a intenção que pretenderíamos tomar seria imediata.

Logo, o argumento de Descartes baseia-se em que todo o raciocínio engloba a dúvida e o pensamento. Dessa forma o raciocínio processa-se da seguinte forma: há algo que nos suscita a dúvida, entramos numa escolha para decidir qual é a opção verdadeira através do pensamento. Pensamento esse que é único e característica inata da mente de um sujeito, o que é prova de existência.

A partir daí, Descartes chega depois à prova da existência de Deus mediante três passos.

O primeiro passo é um passo feito a priori. Segundo Descartes só é possível imaginar aquilo que realmente existe. Se Deus é a imagem máxima de perfeição como se crê, é porque ele tem mesmo que existir. Vejamos um pequeno excerto dele:

“Dado que, no nosso conceito de Deus, está contida a existência, é correctamente que se conclui que Deus existe.

(…). E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na ideia de triângulo está necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos rectos, assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na ideia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambiguidade que o ente sumamente perfeito existe.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 61-62.

Vemos que o primeiro argumento de Descartes é bastante simples. Se em nós existe uma ideia de algo, esse algo tem que existir. Se em nós existe uma ideia de perfeição, então essa ideia está personificada na existência de Deus.

O segundo passo, um passo a posteriori. Descartes conclui que se temos uma ideia de perfeição, sendo nós seres imperfeitos, é porque Deus existe como causa dessa perfeição, visto todas as ideias terem uma causa. Voltando a dar a palavra ao filósofo francês:

“Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada, nada se faz, mas também que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente e total; e, ainda, que não pode haver em nós a ideia ou imagem de alguma coisa da qual não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e todas as suas perfeições. E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas supremas perfeições cuja ideia possuímos, disso concluímos correctamente que elas existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem.”

Descartes, Princípios da Filosofia, I Parte, p. 64.

Nesta citação, vemos que para Descartes, mais perfeita que a ideia de perfeição, só mesmo a própria perfeição.

Finalmente o terceiro passo, tal como o segundo é um passo a posteriori. Descartes afirma que se o Homem se tivesse criado a si mesmo, ele seria perfeito, não teria dúvidas nem limitações. Assim, ele afirma Deus como o ser criador do ser finito e imperfeito e de toda a realidade:

“Se tivesse poder para me conservar a mim mesmo, tanto mais poder teria para me dar as perfeições que me faltam; pois elas são apenas atributos da substância, e eu sou substância. Mas não tenho poder para dar a mim mesmo estas perfeições; se o tivesse, já as possuiria. Por conseguinte, não tenho poder para me conservar a mim mesmo.

Além disso, aquele pelo qual sou conservado possui formal e eminentemente tudo aquilo que em mim existe. Mas em mim existe a percepção de muitas perfeições que me faltam, ao mesmo tempo que tenho a percepção da ideia de Deus. Logo, também nele, que me conserva, existe percepção das mesmas perfeições”.

Descartes, Oeuvres, VII, pp. 166-169

Por fim, Descartes chega a mais uma conclusão: a do conhecimento do mundo, após comprovar a existência de Deus. Descartes afirma, que se Deus é um ser infinitamente bondoso, nunca criaria o ser humano de forma a viver enganado. Então o mundo existe, e Deus é a garantia de que aquilo que conhecemos com razão corresponde a algo realmente existente. No entanto, face ao problema da existência de outras coisas, o próprio admite que possam existir desde que se baseiam no seu método racional, que considera ser infalível.

Todas estas verdades provêm da profunda confiança que Descartes tem na razão inata, fonte de todo o conhecimento seguro, universal e verdadeira.

Para ele, é isto que distingue o Homem dos restantes seres vivos.

Já David Hume, relativamente a esta questão enveredou pelo caminho do empirismo, segundo qual o conhecimento é fruto da experiência. Tal como John Locke, ele acredita que quando nascemos somos como uma tábua rasa ou uma folha em branca que vai sendo escrita através da experiência sensorial.

Dentro das suas limitações, o Homem apenas consegue ter algumas percepções da realidade. Para Hume, existem dois tipos de percepções: as impressões e as ideias.

As impressões são as percepções que apresentam maior grau de vivacidade. Nelas se incluem as sensações, as emoções, as paixões no preciso momento em que são vividas.

Já as ideias, são precisamente as imagens enfraquecidas das impressões, sem nunca alcançar uma força igual à das mesmas. São, por assim dizer, as cópias das impressões, visto serem representações a posteriori e nunca serem totalmente iguais às originais.

Diz, Nigel Warburton (1962 -) numa das suas obras onde aborda David Hume sobre a problemática das percepções:

“Assim sendo, neste preciso momento, por exemplo, tenho uma impressão da minha caneta a movimentar-se pela página e de ouvir alguém a virar as páginas de um livro, atrás de mim, na biblioteca. Tenho, ainda, uma impressão da textura do papel a tocar na minha mão. Estas experiências sensoriais são vívidas, visto que seria difícil convencer-me de que me encontro apenas a recordar experiências passadas ou a sonhar. Mais tarde, enquanto estiver a escrever estas linhas no meu computador, lembrar-me-ei, sem dúvida, deste momento e recordarei as minhas impressões. Nessa altura, estarei a ter ideias e não impressões, ideias que não serão marcadas pela mesma vividez (ou "vivacidade", para usar a terminologia de Hume) que caracteriza as impressões sensoriais que estou a sentir neste momento e das quais as ideias serão cópias.”

Logo, para Hume não existem ideias que não tenham uma impressão prévia. No entanto, para responder a possibilidade de termos uma ideia de algo que nunca tenhamos visto, Hume afirma que existe uma distinção entre ideias simples e ideias complexas. As ideias simples são aqueles que derivam de impressões simples e não podem ser divididas em partes mais pequenas. As ideias complexas são a combinação de ideias simples. Assim é possível termos uma ideia de uma “montanha dourada” pelas ideias simples de montanha e ouro, por exemplo.

Assim, Hume chega a um dos tipos de conhecimento que define: o conhecimento de ideias, que é obtido pela relação e conjugação entre as mesmas. Apesar de não derivarem directamente da experiência, possuem um carácter evidente baseado no principio da não contradição.

Depois ainda há o conhecimento de factos que implica experiência e contacto sensorial, mas que tal como o conhecimento de ideias é meramente provável e não fornece universalidade, pois cada caso observado é um caso e por inúmeras semelhanças que possam haver entre os mesmos, nunca serão 100% iguais, sendo impossível chegar a uma conclusão única e objectiva.

Conclusão

Após a conclusão deste trabalho que visava a comparação entre duas teorias explicativas do conhecimento, personificadas em René Descartes e David Hume, deu para ter uma perspectiva mais alargada não só daquilo que é o conhecimento, como daquilo que é o ser humano.

Uma coisa é certa: tanto um como outro apresentam argumentos sólidos e capazes, difíceis de refutar. Tanto de um lado como de outro.

Assim sendo, talvez seja possível atingirmos um meio-termo, que não invalide nem negue nenhuma das teorias, apesar de estarem nas antípodas uma da outra. O mesmo já o tentou fazer Immanuel Kant (1724-1804)

Em relação à primeira questão sobre a possibilidade do conhecimento. É importante notar que as questões gnosiológicas mudam. Surgem umas, desvanecem-se outras. No entanto, há sempre aquelas questões que nos acompanharão durante muito tempo: a existência de Deus, a vida eterna, a existência de vida noutros planetas, entre outras.

Nota-se então que apesar de muitos movimentos culturais, políticos ou sociais que tenham passado, essas questões não mudam, o que quer dizer até hoje ninguém encontrou uma resposta 100% correcta: talvez porque nunca tenhamos falado com Deus para provar a sua existência; talvez porque nunca nenhum morto tenha voltado à vida para nos dizer como era; talvez porque nunca vimos um extra terrestre. Isto é neste momento, inclino-me para a perspectiva de Hume.

No entanto, também concordo com o que diz Descartes. Talvez nunca tenhamos chegado a nenhuma conclusão certa dessas porque nunca duvidamos das respostas “aparentemente” certas. Se a pouco e pouco fossemos fazendo esse processo talvez se tornasse mais simples.

Em relação à causalidade, o universo corresponde a leis e isso é algo que Hume nega. Ele que era tão preocupado com os fenómenos da Natureza deveria saber que o mundo está sujeito a essas leis que fazem as coisas acontecer.

Se não houvesse causalidade, o mundo seria um caos contraste com a harmonia que vemos.

Há ainda outra questão relativamente a este assunto: a dimensão metafísica do Homem, que Hume nega. De facto, a todos nós já nos aconteceu por instinto ou mesmo intuição fazer algo que está certo sem nunca termos pensado nisso. Talvez isso nos venha dos genes ou de uma força superior que não conhecemos (Deus). Isso é algo que não podemos negar: dentro de nós temos algo que nos diz o que está certo ou não. Mas, não será isso uma negação em relação ao que diz Descartes em relação à dúvida. Se devemos duvidar de tudo o que existe, porque não duvidamos também daquilo que está inato em nós.

Acredito então que em relação a esta questão podemos chegar a algumas conclusões: todo o conhecimento é impossível devido às limitações do Homem. Ao longo dos tempos, vou aparecendo novas questões que não conhecíamos antes. Há sempre questões novas que vão aparecendo. Tudo isso porque o conhecimento é infinito e o Homem finito.

No entanto, há sempre aquela percentagem de coisas que estão ao nosso alcance. E essas, podemos conhecer.

A primeira coisa a conhecer são as limitações do Homem. É preciso ter a noção que não é possível conhecer tudo, e por vezes nem sequer é necessário.

Depois é preciso tomar uma iniciativa céptica como inicio e não como um fim, tal como faz Descartes. Aliás, o seu método é muito apropriado e talvez por aí, seja possível diminuir as nossas limitações e aumentar o nosso leque de conhecimentos.

Em relação à segunda questão sobre a origem do conhecimento de facto há de tudo: impressões, ideias, conhecimento de factos, conhecimento de ideias, ideias inatas, etc…

E não são incompatíveis de modo algum. De que serve a razão sem experiência e vice-versa? Para nada. A razão pode servir de base para melhor compreendemos o mundo que nos rodeia pela experiência.

E temos vários exemplos disso: quando falta a razão a uma pessoa, ou quando se diz muitas vezes que “aquela pessoa tem uma faltinha”, uma pessoa até pode ser a mais viajada ou a mais experimentada do mundo. De nada lhe serve se dentro de si não tiver processos lógicos que sustentem essa experiência.

Se acontecer o contrário, uma pessoa até pode ser a mais inteligente. Se a razão não for de certa forma estimulada pela experiência podemos compara-la a um copo de cristal guardado dentro de um armário há anos: não serve para nada e apenas se deteriora.

É o que acontece muito hoje com o mau significado de retórica actual: ou seja, não nos serve de nada ter grandes oradores, grandes estadistas ou grandes políticos, se os mesmos forem desligados da realidade, pois quando assim é, torna-se impossível resolver os problemas existentes.

Por isso, acredito que a razão funciona de base e que é a experiência o seu motor de modo a atingir um conhecimento cada vez maior.

Bibliografia

BORGES, José Ferreira, PAIVA, Marta e TAVARES, Orlanda, Contextos, Porto Editora, Porto, 2006

Warburton, Nigel (2001). Grandes livros de filosofia. Lisboa: Edições 70, pp. 98-99.

Grande Enciclopédia do Conhecimento, Volume 5

Grande Enciclopédia do Conhecimento, Volume 8

http://pt.wikipedia.org/wiki/Descartes

http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Hume

http://www.filosofiavirtual.pro.br/racionalismo.htm

http://www.formacaosolidaria.org.br/livros/filosofia_livro_didatico_publico/ teoria_do_conhecimento/perspectivas_do_conhecimento.pdf

http://tetrapharmakosinvitro.blogspot.com/2007/11/da-incerteza.html

http://ocanto.esenviseu.net/

http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/descartes/ racionalismo.htm

http://pt.shvoong.com/humanities/h_philosophy/ 1729774-discurso-sobre-m%C3%A9todo/

https://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/filosofia/ filosofia_trabalhos/empirismo.htm

http://www.exames.org/apontamentos/Filosofia/filosofia-descartesdiscursometodo.pdf



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