Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod
Todos os trabalhos publicados foram gentilmente enviados por estudantes – se também quiseres contribuir para apoiar o nosso portal faz como o(a) Mélanie Costa e envia também os teus trabalhos, resumos e apontamentos para o nosso mail: geral@notapositiva.com.
Texto argumentativo dedicado ao tema "a ciência, o poder e os riscos", realizado no âmbito da disciplina de Filosofia (11º ano).
Começando, com o domínio do fogo, com a invenção de ferramentas de caça, cada vez mais aperfeiçoadas ao longo de gerações, o ser humano demonstra, desde os tempos primitivos, um desejo de manipular os elementos, de modo a controlar a natureza, ou seja, um desejo de deter o poder, de ser o mais inteligente, o mais bem adaptado, o melhor.
A ciência e a tecnologia, podendo-se relacionar no sentido de actuarem uma perante a outra, designando-se de tecnociência, vieram neste sentido contribuir muito para a realização deste desejo do homem, tornando-se o conhecimento científico poderoso.
É certo que vivemos rodeados de ciência, não é necessário olharmos com muito detalhe à nossa volta, onde quer que estejamos, para encontrar um simples objecto proveniente de um qualquer conhecimento científico e tecnológico: um simples candeeiro, um relógio de pulso, uma esferográfica, ou uma caneta de filtro, todos eles só existem porque alguém se lembrou de relacionar factos e descobriu a electricidade, um mecanismo de funcionamento; por mais básico que nos pareça um objecto, tem, de certeza, na sua origem, muita ciência.
“Na verdade, o conhecimento científico, designadamente na vertente tecnológica, infiltrou-se no quotidiano a partir de meados do século XIX (…), a tecnologia não cessa de nos fazer convencer que o impossível de ontem é o trivial de amanhã.”
Levi Malho, O deserto da filosofia
No entanto os horizontes da tecnociência não se limitam apenas a estes objectos simples, mas a todo um universo de conhecimentos com vista a desvendar os mistérios que mais assombram o mundo, com o objectivo final de manipular o mundo em benefício do homem. E, desde a era da industrialização, com a invenção da máquina, que o ritmo de evolução da ciência disparou, é raro o dia em que não nos deparemos com uma notícia na televisão sobre uma descoberta científica, ou sobre a invenção de qualquer coisa.
Mas estará a ciência a evoluir demais? Deverá o homem favorecer o seu desenvolvimento, sem o limitar, para aproveitar ao máximo o poder que isso lhe confere? Ou será melhor, por outro lado, impedir em absoluto que se faça ciência?
O problema não é a ciência evoluir ao ritmo de hoje, não são os benefícios e os riscos que ela acarreta que deveriam impor que ela se faça ou se proíba. O problema é a direcção que o desenvolvimento científico toma. O problema é o homem e a sua ambição pelo poder, ele é o grande responsável.
Pensar que a ciência, conjunto de conhecimentos relativos a objectos, factos ou fenómenos explicados por leis e que são susceptíveis de verificação, tal como a técnica só trazem consequências positivas, que são factores que fomentam o desenvolvimento do ser humano é muito ingénuo. Mas também não podemos recusar a todo o custo a tecnociência, por pensar que esta apenas traz perigos e incrementa a degradação da espécie humana, tornando o homem mais insatisfeito, isolado e sem saber dar sentido à vida.
A ciência e a tecnologia são um poder tanto bom como mau, tanto construtivo como destrutivo, dependendo do uso que o homem lhe dá, dependendo do sentido em que se processa o seu desenvolvimento.
Assim não podemos afirmar que a ciência é um bem global, que favorece o progresso da espécie humana, não podemos afirmar que a partir dos objectivos da ciência, de conhecer, explicar, prever e controlar os fenómenos da natureza o homem vive melhor, manipulando tanto os aspectos positivos como negativos da vida na terra, nem que a ciência satisfaz todas as necessidades do homem proporcionando melhor qualidade de vida. Mas afirmar tudo isto em absoluta oposição também não é sensato.
Ao olhar-mos para o que era a humanidade à uns séculos atrás e comparando com o estado dela nos nossos dias, vemos que a humanidade tanto progrediu em certos aspectos como regrediu noutros. Vemos que a qualidade de vida melhorou significativamente, tal como a esperança média de vida está mais alta, as epidemias mundiais estão mais controladas, ou pelo menos há mais métodos de prevenção e cura… Contudo também nos damos conta que muitas destas alterações não ocorrem à escala mundial, mas sobretudo nos países desenvolvidos.
O que sofremos hoje em dia com a poluição não é só consequência da falta de consideração com o ambiente na actualidade, vindo-se a arrastar desde o início das emissões de dióxido de carbono em massa desde o período pós-industrialização. No entanto, será que nunca devíamos ter andado de comboio ou de carro? “Há duzentos anos levava-se tanto tempo de Liverpool a Londres como agora se leva da Terra à Lua”, disse Carl Sagan em As ligações cósmicas.
É verdade que foi desde o apogeu da tecnociência que se agravaram os problemas ecológicos, uma vez que o seu desenvolvimento implica a exploração das riquezas naturais, a desflorestação, o efeito de estufa devido à combustão de energias fósseis e outros, os que dizem respeito ao equilíbrio e conservação da natureza e os problemas da bioética, ligados à temática da investigação científica no que toca à vida humana, ou seja questões de áreas como a medicina de reprodução, a genética, biotecnologia, etc... Mas não é a tecnociência a responsável por estes problemas! O homem quer conquistar, quer descobrir, quer poder, sem se preocupar com a lástima do mundo que o rodeia. Não se pensa nas consequências que uma barragem tem no ciclo de vida de milhares de organismos, dos mais simples aos mais complexos. Gastam-se milhões de dólares no envio de uma sonda a Marte para se analisarem as rochas da superfície desse planeta, quando crianças caminham descalças sobre as superfícies arenosas do território africano, muitas a morrer de fome. Os ricos só ambicionam mais poder e mais fortuna, e por isto cada vez mais se notam as diferenças entre ricos e pobres.
“A ciência, que devia ter por fim o bem da humanidade, infelizmente concorre na obra de destruição e inventa constantemente novos meios de matar o maior número de homens no tempo mais curto”
Léon Tolstoi, Confissões
As prioridades estão trocadas, mas não é a ciência que tem, directamente, culpa dos perigos para o planeta que o seu uso está a compreender, mas sim o homem, que a usa de modo errado, para benefício próprio e não para benefício comum.
O homem tradicional sempre esteve habituado a viver segundo ele próprio. A mentalidade e os paradigmas desenvolveram-se segundo moldes antropocêntricos (com o homem como centro, referência). A definição de bem e de mal fazia-se exclusivamente em função da relação estabelecida entre os seres humanos. Estas éticas tradicionais consideravam a natureza como mero local onde o homem desenvolvia as suas acções, revelando uma enorme negligência em relação a esta e ignorando as gerações futuras. A situação actual em que vivemos é em grande parte consequência deste pensamento ingénuo que o homem adquiriu ao longo de séculos.
Agora que o cenário começa a tornar-se negro e os problemas ambientais e bioéticos se agravam é que se começa a verificar a adopção de uma nova atitude, mesmo que em pequena escala. E é esta atitude que tem que se universalizar para se estagnar os riscos em que o mau uso da tecnociência está a deixar o nosso mundo. E esta nova atitude baseia-se na crença em que é possível conciliar progresso científico e desenvolvimento humano. Para isto é necessário que não só certas organizações, mas todas as pessoas, grupos, instituições, culturas sejam responsáveis em colectivo pela humanidade, pela natureza e pelo futuro das gerações vindouras. É impensável, no grau de desenvolvimento em que nos encontramos, pensar em viver sem ciência e sem técnica, e nem isso era o caminho correcto para a resolução dos problemas com que nos defrontamos; no entanto também não podemos usufruir de todo o seu poder sem pensar nos riscos que daí poderão advir.
Assim cabe ao ser humano controlar e usar o poder proporcionado pela ciência e pela tecnologia, de modo a orientar o seu desenvolvimento de acordo com as prioridades do ser humano, sem vendas nos olhos, não comprometendo o meio abiótico, fauna e flora, que o envolve, e deixar de parte o desnecessário, o supérfluo, enquanto outras necessidades se levantam.
Em suma, a solução não está na renúncia ao conhecimento científico ou às suas aplicações na prática, nem, por outro lado, nos deixar-mos dominar por ela, está sim nas capacidades de orientação do seu desenvolvimento e do controlo por parte do ser humano. A tecnociência é uma condição necessária ao desenvolvimento, mas não é o desenvolvimento, não é o suficiente. Os saberes científicos contribuem para o progresso da humanidade, no entanto não são o progresso, e não devemos deixar que estes nos dominem.
A ciência e a tecnologia, por si só, não são suficientes para satisfazer os desejos do homem.
“O problema não é que os computadores passem a pensar como a gente; mas que a gente passe a pensar como eles.”
Erich Fromm