Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod
Todos os trabalhos publicados foram gentilmente enviados por estudantes – se também quiseres contribuir para apoiar o nosso portal faz como o(a) Clara Rodrigues e envia também os teus trabalhos, resumos e apontamentos para o nosso mail: geral@notapositiva.com.
Análise do poema "Ode Marítima" de Álvaro de Campos, realizada no âmbito da disciplina de Português (12º ano de escolaridade)...
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh'alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
.
Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,
.
Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Todo o atracar, todo o largar de navio,
É - sinto-o em mim como o meu sangue -
Inconscientemente simbólico, terrivelmente
Ameaçador de significações metafísicas
Que perturbam em mim quem eu fui...
.
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fosse misteriosamente minha.
.
O sujeito poético neste poema caracteriza-se metaforicamente a um paquete e a um volante. A sensação que o paquete nele desperta tem haver com uma “doçura dolorosa”, paradoxo que traduz a sensação positiva e perturbante que tem do objecto, semelhante a uma “náusea”, a um enjoo de espírito. O “volante” representa metaforicamente o despertar do sujeito poético para o seu mundo interior, isto é, a imagem exterior do paquete, que lhe tinha prendido a atenção, vai conduzi-lo, vai guia-lo à sua imaginação e às suas emoções.