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Resumo/Apontamentos sobre todas as cenas do Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente, realizado no âmbito da disciplina de Português (9º ano).
Na primeira cena do Auto de moralidade ficamos a conhecer as circunstâncias em que foi escrito, o seu argumento e as personagens.
A peça começa com um diálogo entre o Diabo e o seu companheiro.
O Auto da Barca do Inferno foi composto por Gil Vicente, a pedido da Rainha dona Leonor, a fim de ser representado ao príncipe e ao rei Dom Manuel.
O auto representa o julgamento das almas humanas na hora da morte.
No cais estão dois arrais, um conduz à Barca da Glória e outro à Barca do Inferno, por onde vão passar diversas almas que terão de enfrentar uma espécie de tribunal, defender-se e enfrentar os argumentos do Anjo e do Diabo que surgem como advogados de acusação.
Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas ordens sociais e denuncia a “podridão” da sociedade. Assim, a grande maioria das almas são condenadas ao Inferno.
Na didascália inicial também nos é apresentado todas as personagens que vão passar pelo cais sendo elas: o fidalgo, o onzeneiro, o parvo, o frade, a alcoviteira, o judeu, o Corregedor e Procurado e por último os quatro cavaleiros, e aquelas que as vão julgar o Diabo mais o seu companheiro e o Anjo.
O diálogo que o Diabo tem com o companheiro mesmo antes de as almas começarem a chegar, presenciado também pelo Anjo que se encontra no seu batel, é muito breve, mas apresenta aos leitores/espetadores uma noção do que se irá seguir nas próximas cenas.
Podemos observar que o Diabo encontra-se muito alegre e confiante, pois certamente já saberá que irá ter muitos remadores, por essa razão promove a sua barca, com chamamentos e interjeições. Para que tudo esteja perfeito o Diabo vai dando uma série de ordens ao companheiro, podemos ver assim que é autoritário, pois praticamente todos os verbos estão no modo imperativo.
O cais onde se encontram as barcas - Fim da vida terrena. O local de passagem para a outra vida.
As barcas – Caminho que conduz à salvação/perdição.
O Diabo – O mal, condenação dos vícios.
O Anjo – O bem, a recompensa das virtudes.
O Auto da Barca do Inferno – O juízo final.
O Fidalgo representa a nobreza e critica, aqueles que só pensam no seu estatuto social.
Paje - Simboliza a tirania e opressão que exercia sobre o seu povo.
Cadeira d’espaldas - Representa a falsa vivência da religião.
Manto - Símbolo do estatuto social e da sua vaidade.
O Fidalgo apresenta-se com toda a sua vaidade e presunção, ricamente vestido.
Habituado a gozar de privilégios especiais, não coloca a hipótese de ir para o Inferno, assim para justificar o seu direito a entrar na Barca celestial, apresenta-se apenas ao Anjo na sua condição social, “ Sou fidalgo de solar/ é bem que me recolhais.”
É acusado de viver a seu prazer, ou seja, fazer tudo o que queria, ser tirano, vaidoso, materialista… Além disso, fora infiel à sua mulher, mas Gil Vicente, na boca do Diabo denuncia também a corrupção da mulher da corte. São satirizados, caracterizando a sociedade do seu tempo, a hipocrisia, a falsidade, o fingimento, a infidelidade da mulher da corte.
O Fidalgo ao longo da cena vai mudando o seu estado de espirito, de acordo com a evolução do seu julgamento. Começa por ficar surpreendido, incrédulo passando por momentos de ingenuidade, acabando por se resignar à sua sorte.
Os dois arrais utilizam argumentos de acusação e o fidalgo contrapõe com argumentos de defesa. Gil Vicente condena toda uma classe social, através desta personagem tipo, visível na fala do Diabo quando este afirma que o pai do Fidalgo já tinha embarcado na sua barca.
Como sentença final, o fidalgo embarca na barca do Inferno e o paje não entra em nenhuma das barcas pois representa um elemento do povo, a principal vítima da opressão da nobreza.
O Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Era um usurário que enriquecera à custa de altos juros do dinheiro que emprestara aos necessitados, a quem o Diabo chama meu parente.
Bolsão - Representa a sua ganância pelo dinheiro.
Apresenta-se com um bolsão que ocupa quase toda a Barca, mas informa-nos que vai vazia. Roga ao Diabo que o deixe voltar ao Mundo para ir buscar os seus bens, mostrando assim o materialismo, a ganância, a ambição que povoa o seu coração. No entanto, apresenta-se em cena tão pobre que nem sequer tem dinheiro para pagar ao barqueiro.
Tem como destino final a ilha perdida, sendo deste modo castigado por todos os pecados cometidos e por conseguinte toda a classe que representa, a burguesia.
Com esta personagem, Gil Vicente não pretende criticar nenhuma classe social, mas sim tornar a peça não tão monótona e criar um pouco o cómico.
A personagem não transporta símbolos cénicos, pois tudo o que fez foi sem consciência alguma.
Apresenta-se com toda a sua simplicidade, ingenuidade e graça, autocaracteriza-se perante o Diabo como tolo. Queixa-se por ter morrido mas há descontração nas suas atitudes e apenas se irrita quando percebe que o Diabo o quer levar para o Inferno. Os insultos que profere revelam o seu carácter de pobre de espírito. Ao apresentar-se perante o Anjo sintetiza toda a sua simplicidade ao afirmar que é “Samica alguém”.
Salva-se porque não há maldade nos seus atos. É como uma criança a quem não se pode atribuir responsabilidade.
Este Joane é a concretização do preceito cristão, segundo o qual são “ bem-aventurados os pobres de espirito porque deles é o reino dos céus.”
O Sapateiro representa a baixa-burguesia, e um grupo de ofícios. Nesta personagem, está novamente presente a critica às práticas erradas da religião.
Avental e as formas de sapatos - Representam os anos que enganou os seus clientes.
O Sapateiro é acusado pelo Diabo de roubar o povo, este não nega e começa a citar em sua defesa, o cumprimento de preceitos religiosos:
É o Diabo quem o elucida que tudo isso nada abona em sua defesa, uma vez que praticava o mal.
Quando o sapateiro roga ao Anjo que o acolha na Barca, este objeta-lhe “ a carrega t’embaraça”, ou seja, as formas seriam a materialização dos pecados, pois foram compradas com dinheiro roubado aos fregueses.
A crítica desta cena está na verdade que os preceitos devotos só ajudam os que levam uma vida honesta.
O Frade representa o Clero.
Moça – Quebra do voto de castidade
Equipamento de esgrima (broquel, espada, capuz e capacete) – Lado mundano e leviano da sua vida.
Hábito – Mostra a sua religião
Chega ao cais a dançar e a cantar, mostra-se alegre e amigo de se divertir. Começa por se assumir como “cortesão”, frequentador da corte o que revela o seu lado mundano e pouco dado a clausuras próprias da sua condição de frade. Essa sua característica é confirmada quando afirma saber dançar e esgrimir, atributos de jovens galantes nobres. Não é um frade que tivesse cumprido os votos de pobreza e castidade como se comprova pela moça que traz. Parece ter se limitado a fazer o que os outros frades faziam, com a arrogância de quem pensava que tudo lhe era permitido só por ser membro da Igreja.
Em suma, a intencionalidade crítica desta cena é apontar a devassidão do clero, o materialismo e a corrupção dos valores da Igreja; o carácter artificial das orações e a cópia dos costumes da Igreja.
A Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se dedicavam a encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a prostituição. Representa esta atividade profissional.
Hímenes postiços, arcas de feitiços, armários de mentir, furtos alheios, joias de vestir, guarda-roupa de encobrir, casa movediça, estrado de cortiça, coxins e moças - Estes elementos representam a exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro e a sua atividade de alcoviteira ligada à prostituição.
Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular. Brízida caracteriza-se a si própria, pois fala tanto sobre a sua atividade que não é necessário lembrar-lhe dos pecados que cometeu.
Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer ir para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e até que as vendia aos cónegos da Sé, argumentando que servia a igreja, deveria ir para o Paraíso.
Quando descreve os objetos que transporta utiliza tantas palavras do campo semântico da mentira, que ficamos a saber que enganar os outros e a sua profissão, que é confirmado pela forma hipócrita como se dirige ao Anjo para conseguir que ele a deixe entrar na barca da Glória.
Esta cena tem a intencionalidade crítica de denunciar a corrupção dos valores, criticar o lenocínio e depravação do clero.
O Judeu representa a religião judaica e pretende salientar como os Judeus eram mal considerados pelos cristãos.
Bode- Representa o apego à sua religião.
O Judeu apresenta-se em cena com o bode às costas, símbolo do apego à sua religião. Dirige-se ao Diabo, pois ao contrário das outras personagens ele sabe que é condenado, que lhe recusa a passagem, tentando o Judeu entrar através do seu dinheiro, o que revela outro carácter dos Judeus – o apego ao dinheiro.
Tanto o Diabo como o Anjo não o acusam diretamente, pois o Diabo não permite a entrada de Judeus na barca e resolve levá-lo, juntamente com o bode a reboque. Isto mostra que o Diabo marginaliza de tal modo o judeu que o coloca num plano inferior aos dos restantes condenados ao Inferno. Até o Parvo troca o seu plano de comentador pelo de acusador e culpa o Judeu de profanar sepulturas cristãs e de não respeitar a abstinência e o jejum cristãos.
Apesar de sabermos que Gil Vicente não concordava com a perseguição movida aos Judeus e cristãos-novos, a verdade é que, como cristão-velho, dirige ásperas censuras ao judaísmo em geral.
O Corregedor e o Procurador aparecem juntos em cena, para por um lado quebrar a monotonia e por outro para alargar a crítica a todos os que trabalham com leis. Representam, assim a classe dos magistrados, criticando o funcionamento da justiça.
Corregedor
- Processos e vara da Justiça - Representam a corrupção e a magistratura.
Procurador
- Livros – Símbolo da magistratura.
Esta cena forma um amplo quadro de justiça humana, que Gil Vicente opõe à justiça divina.
O Corregedor é quem se apresenta primeiro em cena, no diálogo com o Diabo, mostra-se convencido de que a sua posição social o irá salvar. Seguidamente aparece o Procurador, que vem auxiliar o Corregedor, mostrando assim a cumplicidade que existia nos membros da justiça.
Ambos dialogam com o Diabo em latim deturpado, que tem função cómica e caracterizadora. A principal acusação que o Diabo lança ao corregedor e a de não ter sido imparcial nas suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas recebidas até de Judeus. O principal argumento de defesa dos dois é a sua posição social, argumentando também com o facto de dizerem que agiram sempre segundo a justiça e quando o Diabo acusa o Corregedor de aceitar as dádivas dos Judeus, este desculpa-se com a sua esposa, afirmando que ele não tinha nada a ver com isso.
Gil Vicente também foca a confissão das almas, pouco antes de falecerem: o Corregedor confessou-se, mas ocultou todos os seus pecados e o Procurador, nem sequer se confessou.
Esta cena denuncia a prática fraudulenta da justiça, denunciando a corrupção, o oportunismo e a parcialidade. Nesta cena vê-se a condenação da justiça Humana pela Divina.
Ambos são condenados ao Inferno e no fim o Corregedor fala com Brízida Vaz (Alcoviteira), pois conhece-a dos problemas com a justiça.
O Enforcado representa as vítimas da justiça.
Baraço ao pescoço – Este elemento representa a sua vida terrena vil e corruptível. A forma como morreu.
O Enforcado trata-se de alguém que em vida foi preso e condenado à morte.
Foi enganado por Garcia Moniz que o teria convencido que iria para o Paraíso visto ter-se já purificado, na prisão do Limoeiro, dos pecados cometidos. Assim podemos dizer que esta personagem nos aparece aqui como vítima, quem será verdadeiramente criticado é Garcia Moniz por ter induzido em erro o enforcado sabendo que não havia solução possível para ele.
Gil Vicente põe-nos face a uma personagem de responsabilidade que enganava os mais fracos, como o enforcado, personagem sem vontade própria que se deixa enganar.
Os Quatro Cavaleiros representam aqueles que combatiam pela fé cristã.
Cruz de Cristo – Simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.
Aparecem em cena apregoando uma cantiga que lembra ás pessoas que ficaram em Terra a necessidade de passarem por aqueles barcos e como a vida é uma passagem. Nesta cantiga está contida a moralidade da peça, que é o facto de a vida ser uma transitoriedade e de termos de ser julgados ao chegar aquele cais.
Os cavaleiros nem sequer param na barca do Diabo e quando este os interpela eles simplesmente lhe perguntam se sabe com quem está a falar. Estes personagens não apresentam argumentos para ir para o Paraíso, apenas o Anjo quando os vê chegar, diz que já os esperava e que eles são verdadeiros mártires da fé cristã. Os seus símbolos cénicos são as cruzes de Cristo.