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Ensaio crítico baseado no comentário articulado dos seguintes textos realizado no âmbito da disciplina de História e Civilização Islâmica...
«Ó vós que credes! Crede em Deus, no seu Enviado e no Livro que se revelou ao Enviado e no Livro que se revelou anteriormente. Quem não crê em Deus, nem nos seus anjos, nem nos seus Livros, nem nos seus Enviados, nem no Último Dia, está profundamente extraviado.» - cf. Alcorão, vol. I, 2ª ed., Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d., cap. IV, vers. 136.
«Ouvi que a notícia da morte do vosso Profeta vos deixou alarmados; mas porventura viveram eternamente os Profetas que me antecederam, para pensardes que eu nunca vos deixaria? Tudo acontece conforme a vontade de Deus e tudo tem a sua hora marcada, que não pode ser apressada, nem evitada. Volto Àquele que me enviou e a minha última ordem é para que vos conserveis unidos, que vos ameis, honreis e protejais mutuamente, para que vos exorteis a ter fé e constância na crença e a praticar acções piedosas...» - cf. discurso pronunciado por Maomé aos crentes reunidos na mesquita de Medina, na véspera da sua morte, pub. in Ibidem, vol. I, pp. 11-12.
«Se de entre vós há alguém que adorava Muhammad, sabei que ele está morto. Todavia, se era a Deus que adoráveis, sabei que ele vive eternamente. Muhammad era apenas o Profeta de Deus e teve a mesma sorte dos Apóstolos e homens pios que viveram antes dele. O próprio Deus disse, no Alcorão, ser ele, apenas, o Seu embaixador e estar sujeito à morte.» - discurso pronunciado por Abu Bakr após a morte de Maomé, pub. in Ibidem, vol. I, p. 13.
«Um só versículo do Livro de Deus vale mais que Maomé e toda a sua família.» - cf. hadith publicado, sem identificação da cadeia de testemunhos, in Émile Dermenghem, Mahomet et la Tradition Islamique, 2ª ed., s.l., Éditions du Seuil, 2003, pp. 53-54.
Segundo André Miquel o Islão é muito mais do que uma revolução e veio trazer ao mundo árabe a estabilidade que este necessita, desse modo o Islão é então um fenómeno que se repercute em todo o globo e que tem de ser estudado não apenas do prisma religioso, mas também do ponto de vista da vida diária e da economia e ainda da cultura profana. No entanto é o facto de ser um fenómeno religioso que vai marcar de forma indelével o curso da historia da civilização islâmica.
A análise que faço em relação a primeira frase é que esta subjacente a ideia de que o Islão, o Alcorão tal como os enviados por Deus para espalhar a sua palavra, é algo de puritano, e que transcende a vida e a morte, não há salvação possível na terra ou no céu se não acreditarmos e se não tivermos fé, só é possível termos vida se tivermos, pois, se temos vida e não temos fé é algo contraproducente.
Segundo Miquel em primeiro lugar o Islão é visto como sendo uma Revelação. Esta revelação foi iniciada muito antes deste ter surgido sendo que, é com Islão que a Revelação assume a sua máxima magnitude, pois é “a mais clara, a mais completa e acabada, por consequência a última” (MIQUEL, 1971, p. 51).
No entanto por mais grandeza que os profetas possuam estes não deixam de ser homens sendo meros enviados de Deus que, como Maomé são simples mensageiros que transmitem “as verdades essenciais” (MIQUEL, 1971, p. 51) para além das punições a todos aqueles que ignorarem. Deste modo como são meros humanos vão colidir com a incompreensão e até mesmo hostilidade por parte dos seus pares, que vai desencadear uma atitude punitiva que apenas se encontra suspensa pelo Profeta. Maomé vai então ao longo da sua missão fazer diversas invocações deste estilo e para isso recorre a diversos exemplos (MIQUEL, 1971, p. 51).
Perante a Djâhiliyya, ou seja, a ignorância, paganismo, mas igualmente barbária dos árabes mais antigos ou ainda de outros povos, esta nova religião vai ser definida como um acto de submissão (islam) a Allâh, que é o responsável pelo mundo e pela vida (MIQUEL, 1971, p. 51). Por outro lado, são características deste mesmo Deus o facto, dele ser retribuidor (uma vez que no dia do Julgamento Final e após a morte as almas dos maus vão conhecer sem que exista qualquer intercessão possível quanto custam os seus pecados), compassivo e ainda piedoso por pouco que a pessoa mostre arrependimento. É, pois, este último aspeto que é mencionado quando o crente recita a invocação: “Em nome de Allâh, o Benfeitor e o misericordioso” (MIQUEL, 1971, p. 52). A estes atributos o Corão acrescenta-lhe tradicionalmente mais 97 e a própria designação de Allâh, perfazendo 100, com o intuito de representar Deus nas suas diversas variantes “a eternidade, a omnipotência, e a omnisciência” (MIQUEL, 1971, p. 52) sem esquecer que se trata de um Deus uno e não trino algo que é um dogma fulcral na fé muçulmana e que acaba por entrar em conflito com o Cristianismo, uma vez que os muçulmanos defendem que Deus não foi concebido e que também não concebeu, sendo que Jesus é testemunha contra o seu povo que o divinizou (MIQUEL, 1971, p. 52).
Quer cristãos quer, judeus possuem as Escrituras sendo por isso mesmo conhecidos como “as gentes do livro” (MIQUEL, 1971, p. 52) e, Maomé esperou embora sem sucesso que estes se convertessem à nova religião visto que a mensagem que apregoava era em boa medida uma continuação daquela que estes defendiam. No entanto tal não aconteceu devido ao facto dos cristãos serem obstinados do ponto de vista da doutrina e também porque os judeus manifestaram uma certa resistência política. Assim sendo Maomé opta por outra via e em vez de orar voltado para Jerusalém vai fazê-lo voltado para Meca. A partir de então os judeus e os cristãos vão ser vistos como aqueles que falsearam aquela que era uma mensagem clara de unidade e de universalidade divina. Assim judeus e cristãos são considerados como estando presos no meio do caminho da fé verdadeira, e como aqueles que desperdiçam as oportunidades que lhes são conferidas. Por isto mesmo vão ser alvo de tolerância e vão ter protecção mesmo sendo considerados como crentes de segunda linha (MIQUEL, 1971, p. 52).
O Islão a seguir os erros do Judaísmo vai ser então a representação de um advento que teve sucesso “de um monoteísmo sem compromisso” (MIQUEL, 1971, p. 52). A fé vai então ser para o crente a virtude norteadora porque se espera que este se entregue sem que ambicione conhecer algo. No seio do próprio islão vão então surgir algumas deformações de caracter local e popular visto que se torna difícil a manutenção de um esforço tão violento (MIQUEL, 1971, p. 52, 53). É, pois, aqui que a fé regista as suas limitações, mas a razão também vai conhecer as suas sendo que a ortodoxia vai tentar conjugar as duas (MIQUEL, 1971, p. 53).
A analise que faço da segunda e da terceira frase que se consubstanciam pelo denominador da morte do Profeta Maomé, em que para os autores da frase evidenciam nas suas pregações que o povo de Maomé apos a sua morte entrou numa descrença profunda provavelmente por pensar que aquele homem que edificara o Islão realizando a obra de Deus na terra, suplantando todas as capacidades humanas e inimagináveis fosse viver eternamente, tendo poderes ao nível de Deus.
Segundo Miquel com a morte em 632 de Maomé dá-se o término da sua “Peregrinação fixando pelos seus gestos o ritual do futuro, e pede em diversas arengas, mais tarde reunidas sob a designação do «Sermão do Adeus» aos crentes que o considerem desobrigado da sua missão” (MIQUEL, 1971, p. 48). Vai então regressar a Medina onde se procura reconciliar com os seus irmãos e vai então juntamente com Aisha esperar que a morte chegue (MIQUEL, 1971, p. 48).
Maomé vai então ser o último dos profetas a chegar sendo o seu selo e encerrando de vez esta série. A antecedê-lo estiveram, pois, Abraão, Moisés e Jesus que vão ter um papel preponderante no desenvolver da Revelação. É Maomé que é o último e que vai ser o mais honrado pois é ele que vai ser “o depositário do espírito de luz e de santidade, novo Adão nascido de uma virgem consagrada ao Senhor” (MIQUEL, 1971, p. 51), conseguiu escapar aos judeus e ao que estes lhe haviam destinado; foi substituído por outro homem na cruz “e Deus elevou-o até si” (MIQUEL, 1971, p. 51). Desta feita o Corão vem então legitimar as iniciativas que vão pegar nesta temática e que a vão tentar desenvolver no sentido messiânico em que Jesus vai regressar à terra no fim dos tempos para derrotar o Anti-Cristo e instaurar um reinado de Justiça (MIQUEL, 1971, p. 51).
No entanto por mais grandeza que os profetas possuam estes não deixam de ser homens sendo meros enviados de Deus que, como Maomé são simples mensageiros que transmitem “as verdades essenciais” (MIQUEL, 1971, p. 51) para além das punições a todos aqueles que ignorarem. Deste modo como são meros humanos vão colidir com a incompreensão e até mesmo hostilidade por parte dos seus pares, que vai desencadear uma atitude punitiva que apenas se encontra suspensa pelo Profeta. Maomé vai então ao longo da sua missão fazer diversas invocações deste estilo e para isso recorre a diversos exemplos (MIQUEL, 1971, p. 51).
Para Deus a missão de Maomé na Terra estava cumprida e por isso decidiu retirar a vida que lhe dera, era vez de outros profetas e pregadores como Abu Bakr que se seguiram a Maomé de espalhar a palavra e edificar um mundo árabe islamizado.
Por ultimo a análise a quarta frase leva-nos ao paradigma da transcendência que para alguns terrenos contemporâneos a Maomé poderia não ser assim tão plausível de contemplar, tendo em conta que Deus tinha enviado Maomé, mas estes viam Maomé como Deus e não apenas um mensageiro de Deus, de um ponto de vista pragmático percebe-se a essência do povo, pois estes conviviam com Maomé apesar de acharem que Maomé era um ser humano de outra magnitude, este era palpável estava ali a sua frente, em contraponto Deus se manifestava espiritualmente e sobrenaturalmente sobre estes, e cabia a Maomé explicar ao povo as manifestações e as diretrizes que Deus lhe dava.
Do prisma cultural o Islão é explicado e visto como sendo uma resposta “as inquietações religiosas latentes, mas também pelo seu acordo profundo, mesmo se a remodela, com uma tradição que lhe é anterior” (MIQUEL, 1971, p. 49). Esta tradição é revestida de um carácter “«nacional»” (MIQUEL, 1971, p. 49) porque, e ao contrário do que acontece em religiões como o Judaísmo ou o Cristianismo que se caracterizam por serem religiões estrangeiras que acabaram por ficar isoladas, o Islão foi algo que que nasceu da Arábia e que se expressa em árabe e, desta feita o sentimento de unidade acaba por não ser imposto a partir do exterior sendo algo que é aceite e consentido de forma instintiva. Por outro lado, trata-se ainda de uma tradição de caracter literário dado que o livro sagrado, o Corão “vai buscar a sua expressão, não a qualquer dialecto, mas a uma linguagem poética, para mais intertribal (MIQUEL, 1971, p. 49) sendo que, desta feita acaba por não se encontrar limitado na procura do “maior denominador comum na ordem da compreensão possível” (MIQUEL, 1971, p. 49) sendo que também se apresenta para além do mesmo como “um enobrecimento” (MIQUEL, 1971, p. 49). Este é um aspecto que faz com que quem se encontra a recitar o texto esteja a usar uma língua beneficiada com “o prestígio tradicional da poesia, mas a sublimação deste idioma numa forma exemplar, porquanto divina” (MIQUEL, 1971, p. 49) porque antes de ser a semente de futuros trâmites literários o facto de ser algo inimitável faz com seja um elemento de unidade que foi feita como sendo uma possessão que não se pode dividir por todos mas que ao mesmo tempo não se encontra cessível aos outros (MIQUEL, 1971, p. 49, 50).
O Corão é onde está presente “o conjunto da Revelação, que Deus fez descer sobre o seu profeta por intermédio do Arcanjo Gabriel” (MIQUEL, 1971, p. 53). A palavra Qur’ân significa leitura ou recitação. O Corão mais não é do que “a reprodução de um arquétipo celeste” (MIQUEL, 1971, p. 53). Desta feita esta obra encontra-se dividida internamente por 114 surates que por seu turno se repartem por 1666 versículos/âyât (que significam sinais ou milagres). Por outro lado, quer versículos quer as surates não têm o mesmo tamanho e seguem do ponto de vista cronológico da revelação uma ordem inversa. Assim sendo as surates que se referem a assuntos mais abrangentes como quando Maomé legisla depois de se ter tornado chefe da Umma são apresentadas no começo da obra existindo apenas uma excepção que se prende com o texto, que se inicia com uma pequena sura de apenas seis versículos designada de liminar (fâtiha) que pode ser visto como sendo o pai-nosso dos muçulmanos. Aliás esta sura é por tradição recomendada que seja o mais frequente possível. Quanto às surates mais curtas estas estão dispostas no término da obra. Esta foi uma pregação com bastante sucesso e dimensão corânica não pode ser resumida a isto apenas. Assim para além da dimensão religiosa, a totalidade da vida diária e cultural durante a Idade média e de expressão árabe tem implicações no aparecimento deste texto que é basilar e absolutamente fulcral. Por outro lado, o Corão não vem apenas e só consagrar uma religião, mas também o faz com a língua que é o árabe de três formas distintas:
1. Sendo a forma de transmitir a Revelação, o árabe adquire uma conotação divina e intocável ao mesmo tempo sendo que, nesta ótica são bastante percetíveis a relutância na tradução do mesmo para outros idiomas que são inclusivamente vistos como sendo bárbaros; e a preocupação que se verifica com a fixação da escrita, das palavras, mas também, das estruturas em termos de morfologia e sintaxe do árabe. Sendo uma língua de índole conservadora e estando protegida por diversas proibições, o árabe clássico vai então chegar até aos nossos dias sem que se verifiquem grandes alterações (MIQUEL, 1971, p. 53, 54).
2. Por outro lado, esta língua expressa uma fé e a alma de um povo visto que vai libertar os árabes do jugo que até então estavam submetidos porque a revelação até à data tinha sido expressa noutras línguas. E com a revelação em árabe estas pessoas puderam conhecer a verdade e encontrar-se. O Corão adquire assim uma dinâmica nacional, mas também religiosa. Não foi a Revelação não optou pelos árabes e pelo seu idioma por si mesmos, mas foi o próprio Deus que a considerou como sendo a mais adequada para transmitir a sua mensagem de unidade. Daqui tem-se que o árabe sendo a língua mais clara para a transmissão dessa mesma mensagem adquiria um cariz universal assim como a mensagem que se pretendia fazer passar. Deste princípio resultava ainda a interpelação feita à etnia original para que expandissem recorrendo ao idioma (MIQUEL, 1971, p. 54).
3. Um outro aspecto relaciona-se com as letras árabes. O idioma vai então ser consagrado como sendo a expressão de uma crença, de um povo e de uma civilização. É, pois, com o Corão que se vem confirmar e instaurar “uma censura decisiva” (MIQUEL, 1971, p. 54) entre “língua falada e língua escrita, dialetos e língua erudita, literatura popular e literatura registada” (MIQUEL, 1971, p. 54). Assim o Corão acaba por sancionar que existam na sociedade diversos níveis de comunicação. Vem então intervir no seu nível como sendo uma língua de prestígio, e como acontecimento exclusivamente literário sendo sem sombra de dúvidas prosa que possui o seu ritmo denotando laivos de criação poética (MIQUEL, 1971, p. 54).
Os trâmites do Corão e a Sunna (exemplo do profeta) que foi perpetuada pelos Hadith (tradição) tornaram o Islão ativo e que faz parte integrante da vida individual e comunitária ao mesmo tempo que liga o religioso ao dia-a-dia, à política e aos aspectos sociais (MIQUEL, 1971, p. 59).
É incontornável a importância de Maomé para edificação e uma mundivisão islâmica, que este teve, foi escolhido por Deus devido as suas capacidades inatas que Deus seu criador lhe proporcionara, no meio de outros tantos que poderiam ter vindo no seu lugar, a sua notável retorica nas suas pregações icónicas é algo de louvar levar um povo a acreditar em coisas que tinham dificuldade em perceber ou conhecer ou ate ver com os próprios olhos.
Com a sua morte em 632, o seu legado foi algo incontestável por um lado e para os povos adeptos do paganismo tinha conseguido trazer-lhes uma nova religião que movida pelo monoteísmo e pelas crenças étnicas era muito superior ao paganismo que acabou por inclusivamente substituir. Este mesmo credo passou a ter um livro composto pelas revelações que posteriormente se transformaria como uma diretriz de pensamento e de comportamento. No entanto fez algo muito maior visto que criou uma comunidade e um estado que era bem organizado, armado em que o poder e o prestígio lhe permitiram o domínio da Arábia. Para os muçulmanos Maomé tornou-se o último e o maior dos apóstolos tendo sido enviado com o intuito de trazer aos homens a verdadeira palavra de Deus (LEWIS, 1996, p. 55).
A morte do Profeta gerou um problema sucessório visto que este não tinha designado ninguém nem sequer havia um conselho que se responsabilizaria por assegurar o poder enquanto se desse, essa transição. Assim o único precedente que existia para garantir a sucessão era um de cariz tribal de onde foi escolhido um homem do interior da tribo Kharaj e que deixou desde logo transparecer as fragilidades do Islão. Contudo a Crise acabou por ser controlada graças a Abu Bakr, Omar e Ubaida que, mediante uma espécie de golpe de estado, impuseram Abu Bakr como sucessor do Profeta. Este homem tornou-se assim no primeiro califa (LEWIS, 1996, p. 58, 59).
LEWIS, Bernard. (1996). Os Árabes na História, pp. 55-59. Lisboa: Editorial Estampa.
MIQUEL, André. (1971). O Islame e a sua Civilização. Séculos VII-XX, pp. 48-59. Lisboa - Rio de Janeiro: Ed. Cosmos.