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Fernando Pessoa (Análise de Poemas) - NotaPositiva

O teu país

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Sara Silva Pereira

Escola

Escola Secundária D. Sancho I

País

Portugal

Fernando Pessoa (Análise de Poemas)

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Resumo do trabalho

Resumo/Apontamentos sobre vários poemas de Fernando Pessoa, realizado no âmbito da disciplina de Português (12º ano de escolaridade)...


1. Ortónimo «Pessoa como Pessoa»

Temas:

  • O Fingimento Artístico
  • A Dor de Pensar
  • A Nostalgia da Infância

O Fingimento Artístico

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

.

E os que lêem o que escrevem

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

.

E assim nas calhas de roda

Gira a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

Na perspectiva pessoana, o artista, e especialmente o poeta, é um fingidor, no sentido em que o acto de escrever não é um acto directo e imediato.

A dor, as emoções que são descritas no poema não foram as sentidas pelo poeta no momento em questão, foram concepções intelectuais feitas através da análise da situação vivida. Ou seja, a poesia resulta da memória, da recordação e da sua reprodução racional, coerente e inteligente. Por isso, F. Pessoa afirma que o poeta finge todos os sentimentos que transpõe para o papel porque, no momento em que escreve, ele já não está a sentir o que sentiu no instante a que se refere na poesia.

Podemos, então distinguir 3 dores: a dor sentida pelo poeta no momento em que acontece algo, a dor fingida pelo poeta quando se recorda do momento em que sofreu a dor sentida e a reproduz como texto, e a dor lida pelo leitor quando analisa o poema e interioriza as palavras do poeta.

É importante frisar que «fingimento» utiliza-se num sentido de representar, é uma tentativa de transfigurar o que se sente naquilo que se escreve, utilizando paralelamente a imaginação e a intelectualidade. Fingir é inventar, criando conceitos que exprimam as emoções o melhor possível.

Ao poeta cabe-lhe «sentir com a imaginação», ou seja, transformar a vivência real numa obra de arte, usufruindo da imaginação e o pensamento. As emoções são despersonalizadas e a sinceridade espontânea dá lugar à sinceridade intelectual.

A Dor de Pensar

[ ]

Gato que brincas na rua

Como se fosse na cama,

Invejo a sorte que é tua

Porque nem sorte se chama.

.

Bom servo das leis fatais

Que regem pedras e gentes,

Que tens instintos gerais

E sentes só o que sentes.

.

És feliz porque és assim,

Todo o nada que és é teu.

Eu vejo-me e estou sem mim,

Conheço-me e não sou eu.

.

Fernando Pessoa, 1931

Fernando Pessoa vive em constante conflito interior. Tendo consciência de que é um homem racional de mais, ele deseja arduamente pensar menos, ser mais inconsciente, aproveitar a vida sem questionar. Mas, como na realidade tem uma necessidade permanente de se questionar, de pensar, de intelectualizar toda e qualquer situação, ele sente-se frustrado.

Podemos, então, falar de uma dualidade insconsciência/consciência e sentir/pensar.

Pessoa inveja o gato porque o gato é feliz na sua ingenuidade, respondendo simplesmente a instintos. Pessoa inveja uma ceifeira simples porque ela canta só porque lhe apetece, alegremente.

Ele nunca conseguirá ter estas reacções de abstracção para com o pensamento porque insatistafação e a dúvida acerca da importância da racionalidade são constantes. O que ele deseja é ser inconsciente, tendo consciência disso. Como isso é muito inconcebível, cada vez a dor de pensar é maior.

 

A Nostalgia da Infância

[ ]

Quando as crianças brincam

E eu as oiço brincar,

Qualquer coisa em minha alma

Começa a se alegrar

.

E toda aquela infância

Que não tive me vem,

Numa onda de alegria

Que não foi de ninguém.

.

Se quem fui é enigma,

E quem serei visão,

Quem sou ao menos sinta

Isto no me coração.

.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

O poema fala-nos da infância. O sujeito poético remete-nos para a alegria que rodeia as crianças durante as suas constantes brincadeiras. Ele próprio, ao observar tamanha simplicidade e magia, se deixa invadir por sentimentos agradáveis “Qualquer coisa em minha alma/Começa a se alegrar”.

No entanto, esta alegria que o sujeito lírico sente, fá-lo lembrar-se da sua própria infância que, por ter sido tão apagada de alegrias e brincadeiras, passa por nunca ter existido, algo que ele frisa bem: “E toda aquela infância/ que não tive...

Com uma pontinha de nostalgia, o eu poético termina com uma quadra mais complexa, mas que se traduz simplesmente. Já que ele não sabe bem o que chamar à sua infância pobre em afecto, se não se reconhece no próprio passado, nem sabe quem virá a ser no futuro – tudo o que ele pode fazer é imaginar, adivinhar, ter uma visão, então, resta-lhe sentir a alegria e a felicidade que lhe invadem o coração quando, no presente, observa as crianças contentes.

Quando era criança

Quando era criança

Vivi, sem saber,

Só para hoje ter

Aquela lembrança.

.

E hoje sinto

Aquilo que fui.

Minha vida flui,

Feita do que minto.

.

Mas nesta prisão,

Livro único, leio

O sorriso alheio

De quem fui então.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

Mais uma vez, o poema aborda o tema da nostalgia da infância. O sujeito poético, na infância, não tinha, como qualquer outra criança, consciência da realidade – “Vivi, sem saber,”. No entanto, agora tem-na. E mesmo que teime em relembrar esses tempos, ele sabe que nunca irão regressar, ele agora pensa. Por isso, é “Só para hoje ter/ Aquela lembrança.”

Depois, vemos que o eu poético sabe que apenas agora, que pensa, consegue perceber e sentir o que foi e o que viveu na infância: “E hoje sinto/ Aquilo que fui”. Mas, no entanto, a vida dele, neste presente, passa-se numa mentira “Minha vida flui,/Feita do que minto.” Ele não mente, efectivamente, mas acha que não está a viver realmente, o que acaba por tornar a sua vida numa constante dúvida e conflito existencial.

Por fim, no última quadra, ele conclui simplesmente. Como não se pode esquivar da vida que tem, da mentira que supostamente vive (“Mas nesta prisão”), então restam-lhe unicamente as memórias dos tempos que já passaram (“Livro único, leio”) e que, apesar de felizes, já não lhe pertencem porque ele já não é assim (“O sorriso alheio/De quem fui então”).

Para atenuar a dor de pensar, Pessoa revive a infância, utilizando o fingimento artístico. No entanto, F. Pessoa não fala da infância dele, fala da infância em geral, como sinónimo de felicidade, calma, tranquilidade. A criança deixa-lhe saudades e ele sente-se cada vez mais longe dela, mais velho. No fim, quando regressa do devaneio, choca com o presente e ainda se sente pior, com a dor mais agravada pela saudade.

2. Alberto Caeiro – O Mestre

Sou um guardador de rebanhos

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto.

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz.

         Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos

Características de Caeiro:

  • Sensacionista (maior importância para a visão)
  • Naturista (religião: panteísta)
  • Apolíneo (positivo)
  • Objectivo, concreto (usa comparações)
  • Deambulatório
  • Calmo (paz de espírito)
  • Anti-metafísico (contra o pensamento)

Estilo/Linguagem:

  • Linguagem simples - Tom coloquial/oralizante
  • Verso livre, métrica e estrofes díspares
  • Uso de comparações e metáforas simples

O tempo: Sucessão de instantes (Só o presente existe).

A morte: Natural; Inerente ao Homem e à Natureza

Alberto Caeiro é o poeta mais simples, mais claro e mais natural. Apresentando-se como ‘guardador de rebanhos’, preocupa-se com a observação da realidade tal e qual como ela é.

É absolutamente anti-metafísico, na medida em que, por palavras suas, «pensar é estar doente dos olhos». Descreve, aprecia a realidade, vive o presente sem pensar, analisar e sofrer. Tudo é uma grande e constante novidade porque tudo é diferente entre si. Só quando pensamos é que uniformizamos as coisas. Assim, é, na perspectiva pessoana, o Mestre quer do ortónimo, quer dos restantes heterónimos.

Valorizando exclusivamente os sentidos, a visão assume um papel crucial, uma vez que é considerado o sentido mais importante e verdadeiro. Ele escreve o que sente e, por isso, escreve de uma forma simples, parecendo que as palavras saem naturalmente, ingenuamente, num estilo coloquial e muito espontâneo.

Segundo O Mestre, é preciso fazer uma «aprendizagem de desaprender», ou seja, pensar menos, libertar-se de tudo o que possa alterar a captação da realidade.

‘O Poeta da Natureza’

Chamamos-lhe ‘poeta da natureza’ porque, efectivamente, ele a idolatra. A natureza é perfeita nas suas próprias imperfeições. Adoptando uma posição panteísta, a natureza é Deus porque, se Deus criou as árvores e a água, então Deus é as árvores e a água.

Não define natureza, mas ama-a como mais ninguém o faz. Caeiro tem uma paz interior constante, estando em plena harmonia com o universo.

‘A visão’

Ver é conhecer e compreender o mundo. O conhecimento assenta nas sensações, para que a nossa realidade seja, simplesmente aquilo que está ao nosso alcance. «Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la», nada mais. Alberto Caeiro tem uma concepção da vida ao estilo do realismo sensorial.

‘A Morte’

Caeiro vê a morte chegar todos os dias a flores, plantas e animais. Sabendo-se parte da natureza como qualquer outro animal ou planta, ele sabe que, um dia, também vai morrer. Contudo, aceita-o naturalmente porque é o normal decurso da vida. É o que acontece com cada pedacinho de natureza, portanto também há-de acontecer com ele. Não há drama: «Um dia, deu-me um sono/ E adormeci como uma criança.»

‘O Tempo’

O tempo é uma sucessão de instantes. O presente existe agora, logo ele vive e sente o presente. Então, a sua única realidade é o presente, o agora. Como Caeiro aceita a sua realidade, está bem consigo mesmo e com o mundo, logo é feliz. Sendo feliz, não precisa de relembrar o passado ou premeditar o futuro. O que passou, já passou; o que ainda não passou, há-de passar.

3. Ricardo Reis – ‘O epicurista triste’

Prefiro rosas, meu amor, à pátria,

E antes magnólias amo

Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo

Que a vida por mim passe

Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa

Que um perca e outro vença,

Se a aurora raia sempre,

Se cada ano com a Primavera

As folhas aparecem

E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos

Acrescentam à vida,

Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indiferença

E a confiança mole

Na hora fugitiva.

Ricardo Reis, 01/06/1916

Características de Ricardo Reis:

  • é médico
  • expatriado para o Brasil por ser monárquico
  • frequentou um colégio de Jesuítas
  • Latinista e Semi-helenista à Antiguidade Clássica
  • é inteligente

É influenciado por:

Epicurismo: Defendia o prazer como meio da felicidade, sendo necessário um estado de ataraxia para o alcançar. Para isso, não se apega a nada. «Não se dá as mãos» para não se criarem laços de ligação que tornam mais difícil a morte e mais provável a dor.

         ‘Carpe Diem’ – Vive o momento, sem dor.

         ‘Ataraxia’ – estado de tranquilidade total, paz.

Estoicismo: Defendia que o Destino é superior a tudo, aos Deuses e aos Homens. Então, já nada podemos fazer. O melhor é ficar à espera do que ele nos trará e assim evitamos sermos surpreendidos.

Antecipação da morte – pré sofrimento – tristeza constante

O conhecimento só se alcança com disciplina e previsão porque a vida é muito curta. Assim, devemo-nos manter impávidos e serenos em relação a ela.

Linha de pensamento:

  • Efemeridade da vida: ‘Aprendamos que a vida passa’
  • Carpe Diem: ‘Enlacemos as mãos’ – vivamos a vida em pleno
  • Depois começa a pensar e estraga o momento. ( Ponto de contacto com F. Pessoa)
  • Para não estragar ou modificar a paz interior, não se pode gozar a vida com os prazeres terrenos e paixões.
  • Como Caeiro, também Ricardo Reis tenta encontrar a felicidade na natureza, mas não consegue porque pensa demais. quer prever tudo e não se deixa levar.
  • Vive o presente: o passado já passou e o futuro só ao destino pertence.
  • Isola-se do Mundo para não se apegar e sofrer.

Estilo e Linguagem:

verbos: imperativo e conjuntivo

Influência clássica: Lídia (nome romano) e ‘óbulo ao barqueiro’ (mitologia grega)

Uso de metáforas

4. Álvaro de Campos – ‘O filho indisciplinado da razão’

Fase 1: Decadentista

  • Exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações. É como um jovem com a ânsia de viver, de experimentar, de quebrar barreiras.
  • Faz uma viagem ao Oriente para encontrar a felicidade.
  • Busca nos estupefacientes (ópio) o refúgio para esquecer a sociedade, apagar o tédio e saborear tentações.

No entanto, nunca chega a alcançar o que pretende. A procura pelo bem-estar não passa pela mudança de lugar ou ambiente. A viagem não lhe trouxe a paz interior. O ópio esconde os problemas existências, mas não os resolve e quando o sujeito poético regressa do estado de alienação ainda piora o seu estado de espírito. Então, acaba por desistir de procurar o equilíbrio: ‘Deixe-me estar aqui, nesta cadeira / At

E virem meter-me no caixão’.

Fase 2: Futurista/Sensacionista

  • Dá-se a explosão das emoções.
  • Neste momento, Álvaro de Campos é apologista do progresso, observa o desenvolvimento da civilização e regozija-se por isso.
  • Modernismo: acaba-se a concepção aristotélica da poesia:
    • Não há rima.
    • Não há escansão métrica.
    • Não há temas tradicionais de poesia (mulher, amor e saudade).
  • Anti-estética: Os conceitos de beleza tradicional são substituídos pela beleza da máquina e do progresso.
  • Sensacionismo: Campos é um sensacionista, isto é, atribui grande ênfase às sensações – ponto de contacto com Caeiro. No entanto, ambos têm concepções de sensacionismo muito diferentes. Álvaro de Campos quer que todos os sentidos estejam alerta, no seu máximo, ao mesmo tempo, a todo o momento. É o uso bruto das sensações, selvagem: ‘ Eu quero sentir tudo, de todas as maneiras, em mim’, ‘Tenho febre e escrevo’, ‘Rangendo os dentes’. Este sensacionismo compara-se ao movimento de unanimismo que se formou na mesma altura. Quer-se totalizar todas as possibilidades sensoriais e afectivas da humanidade, em todo o espaço, tempo ou circunstâncias, num mesmo processo psíquico individual.
  • Obsessão pelo desenvolvimento:
    • Extrema adulação ao progresso e ao mundo mecânico.
    • Conta o triunfo da máquina, do desenvolvimento da civilização.
    • Delira com os ruídos das fábricas, os cheiros nauseabundos, as cores sujas das fábricas. Tudo se torna belo, ideal, fantástico.
  • Perfeição: ‘Ah, não ser eu toda a gente e toda a parte’. Reflecte-se o desejo do sujeito lírico em ser perfeito, omnipotente, omnipresente. Quer ser Deus, absorver tudo, poder tudo. Vê a máquina como perfeita. Se ele quer alcançar a perfeição, quer ser uma máquina. Seria perfeito, automático, autónoma, infalível. MAS não é possível, por isso há uma ponta de insatisfação, desilusão, frustração. Este tédio dá origem à 3ª fase de Campos.
  • Estilo e linguagem:
    • Uso de interjeições e invocações
    • Uso de onomatopeias
    • Frisam o estado de êxtase em que ele se encontra - Uso de sinestesias

Fase 3: Intimista

  • Perante a incapacidade de realizar o sei desejo de omnipotência, retorna ao estado de abulia, intimidade, cansaço.‘Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser / Ou até se não puder ser …
  • É o interior, a sua própria falibilidade que provoca nele o descontentamento. Sente-se desapontado porque deseja tudo e não alcança nada. Cansa-se de ambicionar, de amar, de se extasiar.
  • Repara que não vale a pena, nunca conseguirá atingir a perfeição.
  • Deixa-se levar por um imenso cansaço psicológico.

A exaustão completa, o desmaiar de emoções.

Isolamento: Isola-se dos outros porque compara-se a eles e acha-se muito diferente. Ele já não tem ideais, não acredita. Está sem forças, sem garra, sem vontade, logo não consegue atingir nada, nem o possível, nem o impossível. Os outros acreditam nalgo, mesmo que o saibam impossível, têm onde se agarrar e, assim, conseguem evoluir, mesmo que não atinjam o seu propósito. São os ‘idealistas’ que, apesar de nunca conseguirem chegar à utopia do seu objectivo, lutam e fazem alguma coisa nesse sentido. Já ele não produz, anda à deriva, sem saber o que quer e em que acreditar. Não tem força.



3043 Visualizações 08/09/2019


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