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Trabalho de comparação entre Os Lusíadas e A Mensagem, em relação à estrutura, e onde se insere a História, os descobrimentos e os pensamentos dos autores.
Este trabalho consiste numa comparação parcial entre Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, e A Mensagem, de Fernando Pessoa.
Pretendemos mostrar a estrutura de cada obra e encontrar a História de Portugal, bem como os Descobrimentos dos Valentes Lusitanos, em cada verso e palavra que os estes grandes autores escreveram, exprimiram, pensaram e sentiram, sobre o excepcional povo que é o povo Português.
Existem semelhanças entre A Mensagem e Os Lusíadas. É simples dizer que são ambas semelhantes em intenção, como obras de glorificação nacional, mas essa simplicidade camufla uma complexidade enorme.
António Quadros, um estudioso de Pessoa, diz que A Mensagem é um “poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos Lusíadas”. Será realmente? Esperamos responder a essa pergunta, com este trabalho.
Os Lusíadas é uma obra escrita por Luís Vaz de Camões, que está dividida em dez Cantos, cada estrofe tem oito versos e cada verso tem dez sílabas métricas, tendo, assim, versos decassílabos. Esta grande epopeia, internamente está dividida em cinco partes: Proposição (I, 1-3), Invocação (I, 4-5), Dedicatória (I, 6-18), Narração (I, 19; X, 144) e Epílogo (X, 145-156).
Os Lusíadas, podemos encontrar quatro planos de acção: o plano da viagem, o plano da mitologia, o plano da história de Portugal e o plano das considerações do poeta. Em relação ao plano da viagem, a acção central é a viagem de Vasco da Gama, “As armas e os Barões assinalados/ Que da Ocidental praia Lusitana/ Por mares nunca de antes navegados/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram;”(I,1). Escrevendo mais de meio século depois, Luís de Camões tinha já o distanciamento suficiente para perceber a importância histórica desse acontecimento, devido às alterações que provocou, tanto em Portugal, como na Europa. Por essa razão considerou a primeira viagem marítima à Índia como o episódio mais significativo da história de Portugal. No entanto, tratava-se de um acontecimento relativamente recente e historicamente documentado. Para manter a ferocidade, o poeta estava obrigado a fazer um relato relativamente objectivo e potencialmente monótono, o que constituía um perigo fatal para o seu projecto épico. Daí que Camões tenha sentido a necessidade de introduzir um segundo nível narrativo.
No plano mitológico (conflito entre os deuses pagãos), Camões imaginou um conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada dos portugueses à Índia, pois receia que o seu prestígio seja colocado em segundo plano pela glória dos portugueses, enquanto Vénus, apoiada por Marte, os protege, “Quando os Deuses no Olimpo luminoso,/ Onde o governo está da humana gente,/ Se ajuntam em consílio glorioso,/ Sobre as cousas futuras do Oriente.”(I,20), “O padre Baco ali não consentia/ No que Júpiter disse, conhecendo/ Que esquecerão seus feitos no Oriente/ Se lá passar a Lusitana gente.”(I.30), “Os fortes Portugueses que navegam./ Sustentava contra ele Vénus bela,/ Afeiçoada à gente Lusitana/ Por quantas qualidades via nela/ Da antiga, tão amada, sua Romana; / Nos fortes corações, na grande estrela/ Que mostraram na terra Tingitana, / E na língua, na qual quando imagina,”(I,32-33), “Mas Marte, que da Deusa sustentava/ Entre todos as partes em porfia, / Ou porque o amor antigo o obrigava, / Ou porque a gente forte o merecia,”(I,36).
No plano da história de Portugal, o objectivo de Camões era enaltecer o povo português e não apenas um, ou alguns, dos seus representantes mais ilustres. Não podia por isso limitar a matéria épica à viagem de Vasco da Gama. Tinha que introduzir na narrativa todas aquelas figuras e acontecimentos que, no seu conjunto, afirmavam o valor dos portugueses ao longo dos tempos. E fê-lo, recorrendo a duas narrativas secundárias, inseridas na narrativa da viagem, cujo narrador é o poeta. E para isso fê-lo de três maneiras, primeiro a narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde, ao chegar a este porto indiano, o rei recebe-o e procura saber quem é ele e donde vem. Para lhe responder, Vasco da Gama localiza o reino de Portugal na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao reinado de D. Manuel, “E também as memórias gloriosas/ Daqueles Reis que foram dilatando/ A Fé, o Império, e as terras viciosas/ De África e de Ásia andaram devastando,/ E aqueles que por obras valerosas/ Se vão da lei da Morte libertando,/ Cantando espalharei por toda parte,/ Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”(I,2). Ao chegar a este ponto, conta inclusivamente a sua própria viagem desde a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a narrativa principal iniciara-se "in media res", isto é quando a armada já se encontrava em frente às costas de Moçambique, “Já no largo Oceano navegavam,”(I,19). Em segundo, a narrativa de Paulo da Gama ao Catual. Em Calecut, uma personalidade hindu (Catual) visita o navio de Paulo da Gama, “O Gama e o Catual iam falando” (VII,46), que se encontra enfeitado com bandeiras alusivas a figuras históricas portuguesas. O visitante pergunta-lhe o significado daquelas bandeiras, o que dá a Paulo da Gama o pretexto para narrar vários episódios da História de Portugal. E por ultimo, as profecias – Os acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam ser introduzidos na narrativa como factos históricos. Para isso, Camões recorreu a profecias colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Thétis, principalmente.
Para finalizar, temos o quarto plano, o plano das considerações do poeta, normalmente em final de canto, a narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões de carácter pessoal sobre assuntos diversos, a propósito dos factos narrados, “São os deuses, são as gotas,/ é a nuvem a chorar / passos perdidos das rotas / que só eu sei encontrar.”.
Em suma, podemos dizer que os Lusíadas pretendem enaltecer os feitos do povo português, e para isso, Luís de Camões escreveu esta obra onde relata toda a História de Portugal, com principal destaque, a Viagem de Vasco da Gama a Índia, que ocorreu mais de meio século primeiramente ao autor escrever esta obra. Assim com esta obra Luís Vaz de Camões conseguiu engrandecer os feitos heróicos dos portugueses.
Fonte:
A Mensagem é uma obra composta por três partes, Brasão, Mar Português e Encoberto, cada uma destas partes subdivididas em noutras: Brasão – 5 partes; Mar Português – 1 parte com 12 poemas e o Encoberto – 3 partes. Esta divisão tem um simbolismo e tem como base o facto das profecias se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e em tempos distintos. Corresponde à evolução do império português que tal como o ciclo da vida, passa por três fases: Brasão – nascimento/fundadores; Mar Português – vida/realização e O Encoberto – morte/ressurreição.
Na primeira parte, o Brasão: o princípio da nacionalidade em que fundadores e antepassados criaram a pátria. Em o “Ulisses”, o símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida mundana insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica, “Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”. O que importa é o que elas representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português. Em “D. Dinis”, símbolo da importância da poesia na construção do Mundo. Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções. Ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade. Em “D. Sebastião, rei de Portugal”, símbolo da loucura audaciosa e aventureira, “Sem a loucura que é o homem/ Mais que a besta sadia,/ Cadáver adiado que procria?”. Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, foi em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua morte, “Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”.
Na segunda parte, o Mar Português a realização através do mar em que heróis com uma grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação. Em “O Infante”, símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus, “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”. Em “Mar Português”, símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma “supra-nação”, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo, “Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”. Em “O Mostrengo”, símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino, “Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo, /Meus tectos negros do fim do mundo?”.
Na terceira parte, O Encoberto, a morte ou fim das energias latentes é o novo ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo. Em “O Quinto Império”, símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é, “Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”. O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o «Portugal-espírito», vivente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula. Em “Nevoeiro”, símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto espiritual e emocional como mentalmente: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos, “(Que ânsia distante perto chora?)”, mas não temos os meios, “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”.
Com a Mensagem, Fernando Pessoa pretende dar a conhecer aos portugueses os feitos dos seus antepassados e a conquista do Quinto império.
1.ª Parte – Brasão – 19 poemas
Nascimento
Origem da nossa nacionalidade, destacando-se figuras míticas (“Ulisses” ) e históricas (“ D. Dinis” , “D. Sebastião, Rei de Portugal”, o sonhador, o lutador)
I – Os campos
1. O dos Castelos
2. O das Quinas
II – Os Castelos
1. Ulisses
2. Viriato
3. O Conde D. Henrique
4. D. Tareja
5. D. Afonso Henriques
6. D. Dinis
7(I). D. João o Primeiro
7(II). D. Filipa de Lencastre
III – Quinas
1. D. Duarte, Rei de Portugal
2. D. Fernando, Inf. de Portugal
3. D. Pedro, Reg. de Portugal
4. D. João, Infante de Portugal
5. D. Sebastião, Rei de Portugal
IV – A Coroa
Nuno Álvares Pereira
V – O Timbre
A Cabeça do grifo: O Infante D. Henrique
Uma Asa do Grifo: D. João o Segundo
A Outra Asa do Grifo: Afonso de Albuquerque
2.ª parte – Mar Português – 12 poemas
Apogeu dos Portugueses conseguido pelas descobertas:
– “ O Infante ” – “ O Mostrengo ” – “ Mar Português ” –
Vida
I – O Infante
II – Horizonte
III – Padrão
IV – O Mostrengo
V – Epitafio de Bartolomeu Dias
VI – Os Colombos
VII – Ocidente
VIII – Fernão de Magalhães
IX – Ascensão de Vasco da Gama
X – Mar Português
XI - A Ultima Nau
XII: Prece
3.ª Parte – O Encoberto – 13 poemas
Morte - Ressurreição
Fim das energias, simbolizado pelo nevoeiro que envolve Portugal. Vinca-se o mito sebastianista com a figura do Encoberto. Esperança e impaciência do poeta na vinda do Messias, para a construção do Quinto Império (“Quando é o Rei? Quando é a Hora?” – “Screvo meu libro à beira-mágoa” )
I – Os Símbolos
1. D. Sebastião
2. O Quinto Império
3. O Desejado
4. As Ilhas Afortunadas
5. O Encoberto
II – Os Avisos
1. O Bandarra
2. António Vieira
3. 'Screvo meu livro à beira-mágoa.
III – Os Tempos
1. Noite
2. Tormenta
3. Calma
4. Antemanhã
5. Nevoeiro
Fontes:
A narração d' Os Lusíadas desenvolve-se em quatro planos, um dele é o Plano da História de Portugal, constituído pelos discurso de Vasco da Gama a Rei de Melinde, e de Paulo da Gama a Catual, bem como, pelas profecias de Júpiter, do Adamastor e de Thétis.
No Primeiro Canto, no Concílio dos Deuses (I, 19 a 46), Júpiter afirma, acerca dos Lusos, que eles são antecedentes aos próprios deuses e melhores que os grandes heróis do passado histórico conhecido, porque filhos do Fado e do Destino, a que a mitologia está submetida, “Eternos moradores do luzente,/Estelífero pólo e claro assento,/Se do grande valor da forte gente/De Luso não perdeis o pensamento/Deveis de ter sabido claramente/Como é dos Fados grandes certos intento/Que por ela se esqueçam os humanos/De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.” (I, 24).
Vasco da Gama é o narrador dos Cantos III, IV e V. No Canto III, após a invocação de Camões a Calíope, “Agora tu, Calíope, me ensina/O que contou ao rei o ilustre Gama;”(III,1), Vasco da Gama começa a sua narrativa da História de Portugal ao Rei de Melinde. Começa pela situação de Portugal na Espanha e pela Lendária história de Luso a Viriato (chefe da resistência dos lusitanos por ocasião da conquista romana da Espanha), “Esta foi Lusitânia, derivada/De Luso ou Lisa…”(III,21), “Desta o Pastor nasceu, que no seu nome/Se vê que de homem forte os feitos teve,/Cuja fama ninguém virá que dome,/Pois a grande de Roma não se atreve…”(III,22). Segue-se a formação da nacionalidade, história de D. Henrique que se tornou conde de Portugal em 1095 pelo casamento com a princesa de Leão, “Quis o rei castelhano que casado/Com Teresa, sua filha, o conde fosse;/E com ela das terras tomou posse.”(III,25), e enumeração dos grandes feitos guerreiros dos Reis da 1ªDinastia: D. Afonso Henriques, notável por suas conquistas, “Um rei, por nome Afonso, foi na Espanha/…muitos fez perder a vida e a terra”(III,23), “Quis o famoso Afonso que obras tais/Levassem prémio digno e dons iguais”(III,24), onde se destaca também episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique; D. Sancho I; D. Afonso II; D. Sancho II; D. Afonso III; D. Dinis, o Rei humanista, trovador, lavrador, criador da Universidade, plantou pinhal de Leiria, “Eis de pois vem Dinis…/...Com este o Reino próspero florece”(III,96) “Fez primeiro Coimbra exercitar-se”(III,97), “Nobres vilas de novo edificou/ Fortalezas, castelos mui seguros”(III,98); D. Afonso IV, onde se destaca episódio da Formosa Maria, “Não de outra sorte a tímida Maria/Falando está…”(III,106), e de Inês de Castro, “Tu, só tu, puro amor, com força crua,/Que os corações humanos tanto obriga”(III,119), “Estavas, linda Inês, posta em sossego/De teus anos colhendo o doce fruto,/Daquele engano da alma, ledo e cego;”(III,120); D. Pedro I, o cruel, o justiceiro, “Tirar Inês ao mundo determina”(III,123), “Não correu muito tempo que a vingança,/Não visse Pedro das mortais feridas,/Que, em tomando do Reino a governança,/A tomou dos fugidos homicidas;/Do outro Pedro cruíssimo os alcança”(III,136); D. Fernando, “Do justo e duro Pedro nasce o brando…Fernando/Que todo o Reino pôs em muito aperto”.
No Canto IV a narrativa de Vasco da Gama prossegue, agora com a Revolução de 1383-85 (Batalha de Aljubarrota e Nuno Álvares Pereira, “Mas nunca foi que este erro se sentisse/No forte Dom Nuno Álvares…”(IV,14), “Começa-se a travar a incerta guerra:/De ambas as partes se move a primeira ala;/Uns leva a defensão da própria terra,/Outros a esperança de ganhá-la./Logo o grande Pereira, em quem se encerra/Todo o valor, primeiro se assinala:/Derriba e encontra, e a terra, enfim, semeia/Dos que a tanto desejam, sendo alheia.”(IV,30)) e a 2ªDinastia: D. João I, Fundador da dinastia de Avis e vencedor de Aljubarrota, “ – «Portugal, Portugal, (alçando a mão,/Disse) pelo Rei novo, Dom João!»”(IV,3), D. Duarte; D. Afonso V; D. João II e, para finalizar, o reinado de D. Manuel I, reinado em que a Armada de Vasco da Gama parte para a Índia, sob o olhar e palavras profeticamente pessimistas do Velho do Restelo na praia lusitana, “Mas um velho, de aspeito venerando/Que ficava nas praias, entre a gente,/Postos em nós os olhos, meneando/Três vezes a cabeça, descontente,/A voz pesada um pouco alevantando,/Que nós no mar ouvimos claramente/Cum saber só de experiências feito,/Tais palavras tirou do experto peito:/ "-Ó glória de mandar, ó vã cobiça/Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/Ó fraudulento gosto, que se atiça/Cúa aura popular, que honra se chama!/Que castigo tamanho e que justiça/Fazes no peito vão que muito te ama!/Que mortes, que perigos, que/tormentas,/Que crueldades neles experimentas!”(IV,94 e 95).
No Canto V, Vasco da Gama prossegue a sua narrativa contando ao rei de Melinde a grande, perigosíssima e gloriosa aventura marítima em que eles, lusos, se encontram em busca da Índia, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante Adamastor e as mortes provocadas pelo escorbuto, “«Já a vista, pouco e pouco, se desterra/Daqueles pátrios montes, que ficavam;/Ficava o caro Tejo e a fresca serra/De Sintra, e nela os olhos se alongavam;/Ficava-nos também na amada terra/O coração, que as mágoas lá deixavam;/E, já despois que toda se escondeu, /Não vimos mais, enfim, que mar e céu./«Assi fomos abrindo aqueles mares,/Que geração algüa não abriu,/As novas Ilhas vendo e os novos ares.”(V, 3 e 4), “«Não acabava, quando üa figura/Se nos mostra no ar, robusta e válida,/De disforme e grandíssima estatura;/O rosto carregado, a barba esquálida,/Os olhos encovados, e a postura/Medonha e má e a cor terrena e pálida;/…/Que pareceu sair do mar profundo./Arrepiam-se as carnes e o cabelo,/A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!/«E disse: - «Ó gente ousada, mais que quantas/No mundo cometeram grandes cousas,/Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,/E por trabalhos vãos nunca repousas,/Pois os vedados términos quebrantas/E navegar meus longos mares ousas,/Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,”(V, 39 a 41).
No Canto VII e VIII, quando portugueses chegam a Calecut, são recebidos calorosamente pelo Catual, que visita a Armada e impressionado com as bandeiras das naus, pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado das figuras das bandeiras portuguesas, ao qual, Paulo da Gama refere com alguns episódios da História portuguesa, “Na primeira figura se detinha/O Catual que vira estar pintada,/Que por divisa um ramo na mão tinha,/A barba branca, longa e penteada:/"Quem era, e por que causa lhe convinha/A divisa, que tem na mão tomada?"/Paulo responde, cuja voz discreta/O Mauritano sábio lhe interpreta. "Estas figuras todas que aparecem,/Bravos em vista e feros nos aspectos/,Mais bravos e mais feros se conhecem,/Pela fama, nas obras e nos feitos:/Antigos são, mas ainda resplandecem/Colo nome, entre os engenhos mais perfeitos./Este que vês é Luso, donde a fama/O nosso Reino Lusitânia chama.” (VIII, 1 e 2), Ulisses é o que faz a santa casa/Á deusa que lhe dá língua fecunda,/Que, se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,/Cá na Europa Lisboa ingente funda (VII, 5).
No Canto X, o poeta termina, lamentando-se pelo seu destino desafortunado de poeta incompreendido por aqueles a quem canta, “Vão os anos descendo, e já do Estio/Há pouco que passar até o Outono;/A Fortuna me faz o engenho frio,/Do qual já não me jacto nem me abono;/Os desgostos me vão levando ao rio /Do negro esquecimento e eterno sono./Mas tu me dá que cumpra, ó grão rainha/Das Musas, co que quero à nação minha!”(X,9), “Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,/De vós não conhecido nem sonhado?/Da boca dos pequenos sei, contudo,/Que o louvor sai às vezes acabado./Tem me falta na vida honesto estudo,/Com longa experiência misturado,/Nem engenho, que aqui vereis presente,/Cousas que juntas se acham raramente.”(X,154), referindo episódios da nossa História Lusa, como os de Duarte Pacheco e Ulisses, “«Isto fazem os Reis quando embebidos/Nüa aparência branda que os contenta/Dão os prémios, de Aiace merecidos/À língua vã de Ulisses, fraudulenta./Mas vingo-me: que os bens mal repartidos/Por quem só doces sombras apresenta,/Se não os dão a sábios cavaleiros,/Dão-os logo a avarentos lisonjeiros. ”(X,24), D. Manuel, “«Mas tu, de quem ficou tão mal pagado/Um tal vassalo, ó Rei, só nisto inico/Se não és pera dar-lhe honroso estado,/É ele pera dar-te um Reino rico./Enquanto for o mundo rodeado/Dos Apolíneos raios, eu te fico/Que ele seja entre a gente ilustre e claro,/E tu nisto culpado por avaro. ”(X,25),, Ulisses e a morte de Vasco da Gama, “«Mas aquela fatal necessidade/De quem ninguém se exime dos humanos,/Ilustrado co a Régia dignidade,/Te tirará do mundo e seus enganos./Outro Meneses logo, cuja idade/É maior na prudência que nos anos,/Governará; e fará o ditoso Henrique/Que perpétua memória dele fique. ”(X,54), e incitando o Rei D. Sebastião a continuar o Brasão e a glória dos Portugueses, “E não sei por que influxo de Destino/Não tem um ledo orgulho e geral gosto,/Que os ânimos levanta de contino/A ter pera trabalhos ledo o rosto./Por isso vós, ó Rei, que por divino/Conselho estais no régio sólio posto,/Olhai que sois (e vede as outras gentes)/Senhor só de vassalos excelentes.”(X, 56).
Fontes:
Na obra A Mensagem, Fernando Pessoa escreve História de um povo português heróico e um Rei, que apesar de Mito, constitui o Quinto Império, o Império Espiritual emergente.
A primeira parte da obra, designada por BRASÃO, expõe a situação e Localização de Portugal na Europa na época dos Descobrimentos (construção do Império português) “A Europa jaz, posta nos cotovelos:/De Oriente a Ocidente jaz, fitando,/E toldam-lhe românticos cabelos/Olhos gregos, lembrando. /O cotovelo esquerdo é recuado;/O direito é em ângulo disposto./Aquele diz Itália onde é pousado;/Este diz Inglaterra onde, afastado,/A mão sustenta, em que se apoia o rosto./Fita, com olhar esfíngico e fatal,/O Ocidente, futuro do passado./O rosto com que fita é Portugal.” (Os Castelos – Os Campos), há uma comparação entre o mapa físico da Europa com figura feminina humana, conta a situação de apoio de Inglaterra para com Portugal e, revela a importância de Portugal, como sendo rosto da Europa – símbolo de humanidade, sonho e mistério.
Nesta Parte I, há referência ao mito de Ulisses, ligado a nossa capital Lisboa, pois apesar de ele ser um mito, tornou-se um símbolo de incentivo para lusitanos. Pessoa foi ao mítico Ulisses pois não o quis apagar, ao contrário do que fez Camões aos deuses clássicos e às suas lendas; pelo contrário, apesar de lenda, deu-lhe o nome de fundador de Portugal e da Europa, “O mito é o nada que é tudo./O mesmo sol que abre os céus/É um mito brilhante e mudo/O corpo morto de Deus,/Vivo e desnudo./Este, que aqui aportou,/Foi por não ser existindo./Sem existir nos bastou./Por não ter vindo foi vindo/E nos criou./Assim a lenda se escorre/A entrar na realidade,/E a fecundá-la decorre./Em baixo, a vida, metade/De nada, morre.” (Ulisses – Os Castelos).
Tal como em Os Lusíadas, Pessoa refere, também, a história do bravo Viriato. No poema de Pessoa, este descreve-o como “destro” guerreiro, sofrendo na pele e no coração as injúrias da Roma famosa, “vencedor invencível” não sujeito à humilhação que Roma atormentara ao comandante Pirro, o que atacou Roma com um exército de elefantes, atravessando os Alpes (nota-se a ironia do termo “primor”), “Se a alma que sente e faz conhece/Só porque lembra o que esqueceu,/Vivemos, raça, porque houvesse/Memória em nós do instinto teu./Nação porque reencarnaste,/Povo porque ressuscitou/Ou tu, ou o de que eras a haste –/Assim se Portugal formou. /Teu ser é como aquela fria/Luz que precede a madrugada,/E é já o ir a haver o dia/Na antemanhã, confuso nada.” (Viriato – Os Castelos).
Fernando Pessoa também escreve sobre Conde D. Henrique, fala do facto de este se ter visto desorientado perante o enorme problema que era consolidar Condado Portucalense perante os Mouros (e por ter sido o primeiro a principiar os Descobrimentos), bem como de D. Afonso Henriques, como sendo a Força, o Exemplo e a nossa bênção, “Todo começo é involuntário./Deus é o agente,/O herói a si assiste, vário/E inconsciente./À espada em tuas mãos achada/Teu olhar desce./«Que farei eu com esta espada?»”(O Conde D. Henrique – Os Castelos), “Pai, foste cavaleiro./Hoje a vigília é nossa./Dá-nos o exemplo inteiro/E a tua inteira força!/Dá, contra a hora em que, errada,/Novos infiéis vençam,/A bênção como espada,/A espada como bênção! (D. Afonso Henriques – Os Castelos).
Em A Mensagem, D. Dinis é salientado como O Poeta, O Lavrador, O Rei, O Elogio à cultura como sendo o caminho para o tão ambicionado Quinto Império. O poema D. Dinis é um Cantar de Amigo e profetiza a epopeia marítima, “Na noite escreve um seu Cantar de Amigo/O plantador de naus a haver,/E ouve um silêncio múrmuro consigo:/É o rumor dos pinhais que, como um trigo/De Império, ondulam sem se poder ver./Arroio, esse cantar, jovem e puro,/Busca o oceano por achar;/E a fala dos pinhais, marulho obscuro,/É o som presente desse mar futuro,/É a voz da terra ansiando pelo mar.” (D. Dinis – Os Castelos).
Em D. João, o primeiro, Pessoa mostra que D. João e sua esposa D. Filipa de Lencastre foram a origem da geração de Avis (infantes) e D. João foi Mestre sem saber, defensor do Templo sagrado da Pátria e a eterna chama de Portugal, “O homem e a hora são um só/Quando Deus faz e a história é feita./O mais é carne, cujo pó/A terra espreita./Mestre, sem o saber, do Templo/Que Portugal foi feito ser,/Que houveste a glória e deste o exemplo/De o defender, /Teu nome, eleito em sua fama,/É, na ara da nossa alma interna,/A que repele, eterna chama,/A sombra eterna.” (D. João, o primeiro – Os Castelos), “Que enigma havia em teu seio/Que só génios concebia?/Que arcanjo teus sonhos veio/Velar, maternos, um dia? /Volve a nós teu rosto sério,/Princesa do Santo Gral,/Humano ventre do Império, /Madrinha de Portugal!” (D. Filipa de Lencastre – Os Castelos).
Há uma referencia a D. Duarte, O Eloquente, homem de letras, deixou de lado guerra e dedicou-se à cultura e cumpriu de corpo e alma o destino da governação, “Meu dever fez-me, como Deus ao mundo./A regra de ser Rei almou meu ser,/Em dia e letra escrupuloso e fundo. /Firme em minha tristeza, tal vivi./Cumpri contra o Destino o meu dever./Inutilmente? Não, porque o cumpri.” (D. Duarte, rei de Portugal – As Quinas).
No poema D. Fernando, o infante de Portugal, o tema é a honra/dever, desgraça/prisão, aceitação do martírio e fé, “Deu-me Deus o seu gládio porque eu faça/A sua santa guerra./Sagrou-me seu em honra e em desgraça,/Às horas em que um frio vento passa/Por sobre a fria terra. /Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me/A fronte com o olhar;/E esta febre de Além, que me consome,/E este querer grandeza são seu nome/Dentro em mim a vibrar. /E eu vou, e a luz do gládio erguido dá/Em minha face calma./Cheio de Deus, não temo o que virá,/Pois, venha o que vier, nunca será/Maior do que a minha alma.” (D. Fernando, o infante de Portugal – As Quinas).
Pessoa, nesta primeira parte, fala de D. Sebastião, fazendo um elogio à loucura, como sendo esse o único caminho para o Quinto Império. D. Sebastião representa o mito que é esperança, que é a ambição, que é loucura, pois sem loucura/sonho/paixão, não valeria viver,”Louco, sim, louco, porque quis grandeza/Qual a Sorte a não dá./Não coube em mim minha certeza;/Por isso onde o areal está/Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que me a tomem/Com o que nela ia./Sem a loucura que é o homem/Mais que a besta sadia,/Cadáver adiado que procria?” (D. Sebastião, rei de Portugal – As Quinas).
Ao terminar a Parte I, Pessoa mostra que Portugal tinha uma marca nobre, um Brasão, uma História, um mito, uma cultura e um sonho, logo, estavam prontos para ir para o “Mar Português”.
Na Parte II, MAR PORTUGUÊS, no poema Ascensão de Vasco da Gama, há um louvor ao povo português, nomeadamente a Vasco da Gama, personalidade tão distinta na nossa História, ”Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra/Suspendem de repente o ódio da sua guerra/E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus/Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus/Primeiro um movimento e depois um assombro/Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,/E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões./ Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta/Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,/O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.” (Ascensão de Vasco da Gama).
Nesta segunda parte, o poema mais célebre, o que condensa a (futura) glória dos Lusitanos que marcará para sempre a História dos portugueses: ao sangue, as lágrimas das mães e mulheres, o medo, a esperança, o mar salgado e a coragem, aqui não há glória nem derrota, apenas o inicio do caminho doloroso, “Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!/Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/Quantos filhos em vão rezaram!/Quantas noivas ficaram por casar/Para que fosses nosso, ó mar!/Valeu a pena? Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena./Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor./Deus ao mar o perigo e o abismo deu,/Mas nele é que espelhou o céu.” (Mar Português).
Na Parte III, O ENCOBERTO, Fernando Pessoa mostra a situação de um Portugal bem diferente do do início da obra, revela-se uma nação mais imperfeita, em crise política, em crise de idade, em crises de valores.
O poema Nevoeiro, é um “cumprimento” com dois conteúdos/sentidos: escuridão e noite, esperança e sonho (ligados à lenda do regresso de D. Sebastião numa manhã de Nevoeiro). O país está mal, mas há esperança, e esta “É a Hora!” para voltar ao inicio, ao Brasão, à glória, começando o Quinto Império, “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,/Define com perfil e ser/Este fulgor baço da terra/Que é Portugal a entristecer/Brilho sem luz e sem arder,/Como o que o fogo-fátuo encerra./ Ninguém sabe que coisa quer./Ninguém conhece que alma tem,/Numa o que é mal numa o que é bem/.(Que ânsia distante perto chora?)/Tudo é incerto e derradeiro./Tudo é disperso, nada é inteiro./Ó Portugal, hoje és nevoeiro... /É a hora!/ Valete, Fratres.” (Nevoeiro).
Fontes:
Os Descobrimentos constituíram, simultaneamente, uma das causas e consequências do Renascimento, dada a ânsia do Homem de conhecer o mundo e por este proclamar o seu conhecimento.
As grandes descobertas marítimas obrigaram a novos métodos de investigação científica, fundamentados na observação directa e na experimentação. Os avanços da técnica, com a construção de embarcações e o aperfeiçoamento de instrumentos náuticos permitem ao homem, crer que pode dominar a natureza e o mundo. A descoberta do caminho marítimo para a Índia proporcionou o proximidade com outros povos (seus costumes e saberes), faunas e floras, até então desconhecidos.
Portugal, nesta época, tornou-se um dos países mais relevantes da Europa, sendo vários os seus contributos para o crescimento científico da humanidade, nomeadamente na botânica / medicina, astronomia; cartografia; matemática; geografia e antropologia
Fonte:
Na obra Os Lusíadas, relatam-se vários episódios da História de Portugal, a Viagem da Armada de Vasco da Gama, bem como as conquistas deste grande povo, que são relatadas em diversos momentos da obra.
No Canto I há um louvor do próprio poeta ao povo português e suas conquistas muito antigas, “E também as memórias gloriosas/Daqueles Reis, que foram dilatando/A Fé, o Império, e as terras viciosas/De África e de Ásia andaram devastando;/E aqueles, que por obras valerosas/Se vão da lei da morte libertando;/Cantando espalharei por toda parte,/Se a tanto me ajudar o engenho e arte.”(I,2 – império Português na Ásia), “Cessem do sábio Grego e do Troiano/As navegações grandes que fizeram;/Cale-se de Alexandro e de Trajano/A fama das vitórias que tiveram;/Que eu canto o peito ilustre Lusitano”(I,3), “Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,/Fantásticas, fingidas, mentirosas,/Louvar os vossos, como nas estranhas/Musas, de engrandecer-se desejosas:/As verdadeiras vossas são tamanhas,/Que excedem as sonhadas, fabulosas;/Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro,/E Orlando, inda que fora verdadeiro,”(I,11), "Já lhe foi (bem o vistes) concedido/C’um poder tão singelo e tão pequeno,/Tomar ao Mouro forte e guarnecido/Toda a terra, que rega o Tejo ameno:/Pois contra o Castelhano tão temido,/Sempre alcançou favor do Céu sereno./Assim que sempre, enfim, com fama e glória,/Teve os troféus pendentes da vitória.”(I,25 – Mouros e Castelhanos).
Na narração de Vasco da Gama sobre História de Portugal, aparecem algumas conquistas. A conquista de Viriato desta pequena terra que no futuro seria Portugal, “Eis aqui, quase cume da cabeça/De Europa toda, o Reino Lusitano,/Onde a terra se acaba e o mar começa,/E onde Febo repousa no Oceano./Este quis o Céu justo que floresça/Nas armas contra o torpe Mauritano,/Deitando-o de si fora, e lá na ardente/África estar quieto o não consente.”(III,20), “Esta é a ditosa pátria minha amada,/A qual se o Céu me dá que eu sem perigo/Torne, com esta empresa já acabada,/Acabe-se esta luz ali comigo./Esta foi Lusitânia, derivada/De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo/Filhos foram, parece, ou companheiros,/E nela então os Íncolas primeiros.(III,21), “Desta o pastor nasceu, que no seu nome,/Se vê que de homem forte os feitos teve;/Cuja fama ninguém virá que dome,/Pois a grande de Roma não se atreve./Esta, o velho que os filhos próprios come/Por decreto do Céu, ligeiro e leve,/Veio a fazer no mundo tanta parte,/Criando-a Reino ilustre; e foi desta arte:”(III,22), “Assim o Gentio diz. Responde o Gama:/— "Este que vês, pastor já foi de gado;/Viriato sabemos que se chama,/Destro na lança mais que no cajado;/Injuriada tem de Roma a fama,/Vencedor invencível afamado;/Não tem com ele, não, nem ter puderam/O primor que com Pirro já tiveram.(VIII,6 – narração de Paulo Gama a Catual).
Ainda no canto III e IV, Gama narra episódios dos nossos Reis da 1ª Dinastia, nomeadamente, a conquista de Ceuta, considerada como o início da expansão portuguesa, início de Os Descobrimentos, (conquista relativamente fácil, organizada por D. João I, em 1415) a aventura ultramarina ganharia grande impulso através da acção do Infante D. Henrique, o seu grande impulsionador, "Este, depois que contra os descendentes/Da escrava Agar vitórias grandes teve,/Ganhando muitas terras adjacentes”(III,26), “Não sofre o peito forte, usado à guerra,/Não ter amigo já a quem faça dano;/E assim não tendo a quem vencer na terra,/Vai cometer as ondas do Oceano./Este é o primeiro Rei que se desterra/Da Pátria, por fazer que o Africano/Conheça, pelas armas, quanto excede/A lei de Cristo à lei de Mafamede.”, “Eis mil nadantes aves pelo argento/Da furiosa Tethys inquieta/Abrindo as pandas asas vão ao vento,/Para onde Alcides pôs a extrema meta./O monte Abila e o nobre fundamento/De Ceita toma, e o torpe Mahometa/Deita fora, e segura toda Espanha/Da Juliana, má, e desleal manha.”(IV, 48 e 49); as batalhas de D. Afonso Henriques contra os Mouros na conquista do território Luso, “Mas já o Príncipe Afonso aparelhava/O Lusitano exército ditoso,/Contra o Mouro que as terras habitava/D’além do claro Tejo deleitoso;/Já no campo de Ourique se assentava/O arraial soberbo e belicoso,/Defronte do inimigo Sarraceno,/Posto que em força e gente tão pequeno.”(III,42); a tomada de Lisboa, "E tu, nobre Lisboa, que no Mundo/Facilmente das outras és princesa,/Que edificada foste do facundo,/Por cujo engano foi Dardânia acesa;/Tu, a quem obedece o mar profundo,/Obedeceste à força Portuguesa,/Ajudada também da forte armada,/Que das Boreais partes foi mandada”,"Cinco vezes a Lua se escondera,/E outras tantas mostrara cheio o rosto,/Quando a cidade entrada se rendera/Ao duro cerco, que lhe estava posto./Foi a batalha tão sanguina e fera,/Quanto obrigava o firme pressuposto/De vencedores ásperos e ousados,/E de vencidos já desesperados.” (III, 57 e 59), "Ulisses é o que faz a santa casa/A Deusa, que lhe dá língua facunda;/Que, se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,/Cá na Europa Lisboa ingente funda."/— "Quem será estoutro cá, que o campo arrasa/De mortos, com presença furibunda?/Grandes batalhas tem desbaratadas,/Que as águias nas bandeiras tem pintadas."(VIII,5 – narração de Paulo Gama Catual); a exploração de África (Alcácer Ceguer, entre Tânger e Ceuta, foi ocupada em 1458; Tânger, cidade no norte de África, pertencente a Marrocos, em 1471 com a tomada de Arzila, os habitantes de Tânger compreendendo que o objectivo final dos lusos era a tomada da sua cidade, abandonaram-na; Senegal e Cabo Verde, Serra Leoa. Cabo das Palmas. Ilha de São Tomé; Congo, Rio Zaire, Equador) “Este pôde colher as maçãs de ouro,/Que somente o Tiríntio colher pôde:/Do jugo que lhe pôs, o bravo Mouro/A cerviz inda agora não sacode./Na fronte a palma leva e o verde louro/Das vitórias do Bárbaro, que acode/A defender Alcácer, forte vila,/Tângere populoso e a dura Arzila.”(IV, 55), "Passamos o limite aonde chega/O Sol, que para o Norte os carros guia,/Onde jazem os povos a quem nega/O filho de Climene a cor do dia./Aqui gentes estranhas lava e rega/Do negro Sanagá a corrente fria,/Onde o Cabo Arsinário o nome perde,/Chamando-se dos nossos Cabo Verde.”(V,7), “Sempre enfim para o Austro a aguda proa/No grandíssimo gólfão nos metemos,/Deixando a serra aspérrima Leoa,/Co'o cabo a quem das Palmas nome demos./O grande rio, onde batendo soa/O mar nas praias notas que ali temos,/Ficou, com a Ilha ilustre que tomou/O nome dum que o lado a Deus tocou.”(V,12), "Ali o mui grande reino está de Congo,/Por nós já convertido à fé de Cristo,/Por onde o Zaire passa, claro e longo,/Rio pelos antigos nunca visto./Por este largo mar enfim me alongo/Do conhecido pólo de Calisto,/Tendo o término ardente já passado,/Onde o meio do mundo é limitado.” (V,13).
No episódio das profecias do Velho do Restelo, este repreende os portugueses pela sua ambição e ganância por conquistas e novas descobertas quando já têm tantas, “— "Não tens junto contigo o Ismaelita,/Com quem sempre terás guerras sobejas?/Não segue ele do Arábio a lei maldita,/Se tu pela de Cristo só pelejas?/Não tem cidades mil, terra infinita,/Se terras e riqueza mais desejas?/Não é ele por armas esforçado,/Se queres por vitórias ser louvado?”, “— "Deixas criar às portas o inimigo,/Por ires buscar outro de tão longe,/Por quem se despovoe o Reino antigo,/Se enfraqueça e se vá deitando a longe?/Buscas o incerto e incógnito perigo/Por que a fama te exalte e te lisonge,/Chamando-te senhor, com larga cópia,/Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?”, “— "Ó maldito o primeiro que no mundo/Nas ondas velas pôs em seco lenho,/Dino da eterna pena do profundo,/Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!/Nunca juízo algum alto e profundo,/Nem cítara sonora, ou vivo engenho,/Te dê por isso fama nem memória,/Mas contigo se acabe o nome e glória.”(IV, 100 a 102).
No plano da viagem dos portugueses, Armada de Vasco da Gama passa por terras Lusas e relembra conquistas passadas (Madeira, Ilhas Canárias),"Passamos a grande Ilha da Madeira,/Que do muito arvoredo assim se chama,/Das que nós povoamos, a primeira,/Mais célebre por nome que por fama:/Mas nem por ser do mundo a derradeira/Se lhe aventajam quantas Vênus ama,/Antes, sendo esta sua, se esquecera/De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.” (V,5). “Passadas tendo já as Canárias ilhas,/Que tiveram por nome Fortunadas,/Entramos, navegando, pelas filhas/Do velho Hespério, Hespérides chamadas;/Terras por onde novas maravilhas/Andaram vendo já nossas armadas./Ali tomamos porto com bom vento,/Por tomarmos da terra mantimento.”(V,8).
Ainda no Canto V, a tão temerosa e ansiosa aventura: o Cabo das Tormentas, que depois de ultrapassado pelos portugueses, tornou-se o Cabo da Boa Esperança (por chegarem à Índia), "Tão temerosa vinha e carregada,/Que pôs nos corações um grande medo;/Bramindo o negro mar, de longe brada/Como se desse em vão nalgum rochedo./— "Ó Potestade, disse, sublimada!/Que ameaço divino, ou que segredo/Este clima e este mar nos apresenta,/Que mor cousa parece que tormenta?"(V,38), “"E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas/No mundo cometeram grandes cousas,/Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,/E por trabalhos vãos nunca repousas,/Pois os vedados términos quebrantas,/E navegar meus longos mares ousas,/Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,/Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:”(V,41). “— Eu sou aquele oculto e grande Cabo,/A quem chamais vós outros Tormentório,/Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,/Plínio, e quantos passaram, fui notório./Aqui toda a Africana costa acabo/Neste meu nunca visto Promontório,/Que para o Pólo Antarctico se estende,/A quem vossa ousadia tanto ofende.”(V,50), "Assim contava, e com um medonho choro/Súbito diante os olhos se apartou;/Desfez-se a nuvem negra, e com um sonoro/Bramido muito longe o mar soou./Eu, levantando as mãos ao santo coro/Dos anjos, que tão longe nos guiou,/A Deus pedi que removesse os duros/Casos, que Adamastor contou futuros.”(V,60).
No Canto VII, na primeira estrofe, a frota portuguesa chega finalmente a Calecute, à tão desejada Índia, a 20 de Maio de 1498, estabelecendo assim o Caminho Marítimo para a Índia, “Já se viam chegados junto à terra,/Que desejada já de tantos fora,/Que entre as correntes Indicas se encerra,/E o Ganges, que no céu terreno mora./Ora, sus, gente forte, que na guerra/Quereis levar a palma vencedora,/Já sois chegados, já tendes diante/A terra de riquezas abundante.”, "Deus por certo vos traz, porque pretende/Algum serviço seu por vós obrado;/Por isso só vos guia, e vos defende/Dos inimigos, do mar, do vento irado./Sabei que estais na Índia, onde se estende/Diverso povo, rico e prosperado/De ouro luzente e fina pedraria,/Cheiro suave, ardente especiaria.”(VII,31), “Cantava a bela Deusa que viriam/Do Tejo, pelo mar que o Gama abrira,/Armadas que as ribeiras venceriam/Por onde o Oceano Índico suspira;/E que os Gentios Reis que não dariam/A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira/Provariam do braço duro e forte,/Até render-se a ele ou logo à morte.” (X, 10 – Camões valoriza grandes feitos dos portugueses).
Fontes:
Na obra A Mensagem, além dos mitos, lendas e sonhos, Pessoa também descreve episódios essenciais da nossa História, nomeadamente algumas conquistas e descobertas dos lusitanos, que contribuíram para formação do Império Português e o tão desejado Quinto Império.
No Poema, Nuno Álvares Pereira, Pessoa associa fama de D. João à «auréola» que era Nuno Álvares Pereira para Portugal, este era o Messias, o herói, a figura da Batalha de Aljubarrota, o santo singular, onde se revê a Pátria; este poema pode ser interpretado como uma glorificação terminada em prece (“Ergue a luz da tua espada/Para a estrada se ver!”), para que os portugueses sejam guiados por Nuno Pereira e sigam o seu Destino, para que sejam tão vitoriosos quanto o Rei Artur e a sua espada sagrada, “Que auréola te cerca?/É a espada que, volteando,/Faz que o ar alto perca/Seu azul negro e brando./Mas que espada é que, erguida,/Faz esse halo no céu?/É Excalibur, a ungida,/Que o Rei Artur te deu./‘Sperança consumada,/S. Portugal em ser,/Ergue a luz da tua espada/Para a estrada se ver!”.
Fernando Pessoa abre a segunda parte da obra com uma viagem iniciática que permite a realização do sonho (espiritual, cultural e físico), com uma perspectiva de algo desconhecido, longe, nublado, fantasmagórico (Nevoeiro), mas que o sonho, o desejo, a esperança, a vontade faz com que lutemos contra a neblina e sigamos em frente, com fé, alma e sonho de realização, como Diogo Cão fez (Padrão). Este é lembrado por ter dado o primeiro passo para abrir o horizonte do sul e, assim, dobrar o Cabo Bojador, tornando-se um momento de descoberta de um caminho marítimo, de júbilo, de conhecimento do diferente, desconhecido, “Ó mar anterior a nós, teus medos/Tinham coral e praias e arvoredos./Desvendadas a noite e a cerração,/As tormentas passadas e o mistério,/Abria em flor o Longe, e o Sul sidério/‘Splendia sobre as naus da iniciação./Linha severa da longínqua costa –/Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta/Em árvores onde o Longe nada tinha;/Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:/E, no desembarcar, há aves, flores,/Onde era só, de longe a abstracta linha. /O sonho é ver as formas invisíveis/Da distância imprecisa, e, com sensíveis/Movimentos da esp’rança e da vontade,/Buscar na linha fria do horizonte/A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte/Os beijos merecidos da Verdade.” (Horizonte); “O esforço é grande e o homem é pequeno./Eu, Diogo Cão, navegador, deixei/Este padrão ao pé do areal moreno/E para diante naveguei./A alma é divina e a obra é imperfeita./Este padrão sinala ao vento e aos céus/Que, da obra ousada, é minha a parte feita:/O por-fazer é só com Deus./E ao imenso e possível oceano/Ensinam estas Quinas, que aqui vês,/Que o mar com fim será grego ou romano:/O mar sem fim é português./E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma/E faz a febre em mim de navegar/Só encontrará de Deus na eterna calma/O porto sempre por achar.” (Padrão).
Bartolomeu Dias é o símbolo da passagem do Cabo das Tormentas (posterior Cabo da Boa Esperança), enfrentou o desconhecido e elaborou o novo atlas, uma vez que foi ele que dobrou o tão pavoroso cabo, que nos deu acesso a um novo caminho, mais fácil, para um novo mundo. Assim, o assombrado Cabo foi desvendado e já ninguém o temeu, ”Jaz aqui, na pequena praia extrema,O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,O mar é o mesmo: Já ninguém o tema!Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.”( Epitáfio de Bartolomeu Dias). Este cabo está ligado ao Mostrengo, o símbolo do poder de realização e luta dos portugueses, “O mostrengo que está no fim do mar/Na noite de breu ergueu-se a voar;/À roda da nau voou três vezes,/Voou três vezes a chiar,/E disse: «Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo,/Meus tectos negros do fim do mundo?»/E o homem do leme disse, tremendo:/«EI-Rei D. João Segundo!»/ «De quem são as velas onde me roço?/De quem as quilhas que vejo e ouço?»/Disse o mostrengo, e rodou três vezes,/Três vezes rodou imundo e grosso,/«Quem vem poder o que só eu posso,/Que moro onde nunca ninguém me visse/E escorro os medos do mar sem fundo?»/E o homem do leme tremeu, e disse:/«EI-Rei D. João Segundo!» Três vezes do leme as mãos ergueu,/Três vezes ao leme as reprendeu,/E disse no fim de tremer três vezes:/«Aqui ao leme sou mais do que eu:/Sou um Povo que quer o mar que é teu;/E mais que o mostrengo, que me a alma teme/E roda nas trevas do fim do mundo,/Manda a vontade que me ata ao leme,/De El-Rei D. João Segundo!»” (O Mostrengo).
A obra de Fernando Pessoa existe uma ligação entre o Acto e o Destino, o Acaso e a Vontade, uma vez que Portugal teve a ousadia e o conhecimento, a alma divina e o meio para enfrentar horizontes. Esta “alma divina” originou a ousadia para descobrir o “mar sem fim” em contraste com o mar limitado (Mediterrâneo dos Gregos e Romanos), “Com duas mãos — o Ato e o Destino —/Desvendamos. No mesmo gesto, ao céu/Uma ergue o facho trêmulo e divino/E a outra afasta o véu./Fosse a honra que haver ou a que havia/A mão que ao Ocidente o véu rasgou,/Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia/Da mão que desvendou./Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal/A mão que ergueu o facho que luziu,/Foi Deus a alma e o corpo Portuga/lDa mão que o conduziu.” (O Ocidente).
Como não podia deixar de ser, o Sebastianismo é dos tema centrais. A partida de El.Rei D. Sebastião provoca uma grande variedade de emoções e arca com o mistério e o desejo de realização do sonho/missão impossível em prol do Império, bem como a consciência dos perigos e das possíveis ilusões e incertezas. A conquista mais desejada será o regressos deste Rei, que representa toda liberdade, fé, união, força e certezas de que o povo precisa, ou seja, o Quinto Império, “Levando a bordo El-Rei DE. Sebastião,/E erguendo, como um nome, alto o pendão/Do Império,/Foi-se a última nau, ao sol aziago/Erma, e entre choros de ânsia e de pressago/Mistério./ Não voltou mais. A que ilha indescoberta/Aportou? Voltará da sorte incerta/Que teve?/Deus guarda o corpo e a forma do futuro,/Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro/E breve. Ah, quanto mais ao povo a alma falta,/Mais a minha alma atlântica se exalta/E entorna,/E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço/,Vejo entre a serração teu vulto baço/Que torna. Não sei a hora, mas sei que há a hora,/Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora/Mistério./Surges ao sol em mim, e a névoa finda:/A mesma, e trazes o pendão ainda/Do Império.” (A Última Nau).
Fontes:
No Canto I “Quem lá vem traz escuridão/Ventre de nuvem de chuva;/Monstro morto, podridão,/O mistério em cada curva.” Quem navega assim, à mercê dos caprichos da Natureza, descobre que o homem, por mais que se queira fazer gigante, não passa de um pequeno grão de pó na imensidão deste planeta: ora o vento abrandava e as naus paravam; ora o vento enfurecia e as naus rangiam de dor quase a partirem-se; e vinham tempestades e doenças e todos os perigos que seguem como sombras quase sempre as aventuras. Pior do que tudo era não se saber ao certo para onde se ia.
A partir da estrofe quarta, o poeta dirige-se às ninfas que habitam o rio Tejo. A fim de lhes pedir inspiração; necessita do seu auxílio para fazer poesia épica, já que até aqui usou apenas a doçura e a sensibilidade para a poesia lírica.
Depois de o elogiar, o poeta pede a D. Sebastião que se digne a baixar os olhos para o seu poema. Não o escreve movido pelo desejo de dinheiro ou de honrarias; apenas pretender de ser conhecido como alguém que cantou os feitos dos heróis da sua terra. Porque os portugueses são de tal forma extraordinários e cheios de valor que é decerto mais importante ser rei de Portugal do que do mundo inteiro.
Este primeiro canto acaba com uma belíssima estrofe em que o poeta dá largas aos seus sentimentos acerca das falsidades da vida; tanta desgraça nos temporais terríveis do mar, tanta luta em terra, tanto engano e tanta mentira! Onde haverá segurança para o homem, pobre ser desamparado e fraco perante os perigos imensos que o cercam? “Queimou o sagrado templo de Diana, /Do sutil Tesifónio fabricado, /Heróstrato, por ser da gente humana/ Conhecido no mundo e nomeado. /Se também com tais obras nos engana/O desejo de um nome aventajado, /Mais razão há que queira eterna glória/Quem faz obras tão dinas de memória.”.
No Canto III, a narrativa leva-nos pelo conhecimento do povo que somos, das glórias que fomos, dos sonhos que nos levaram a partir para o Mundo.
Na primeira estrofe, Camões não pode deixar de tecer as suas próprias considerações sobre o drama: e o amor é expressamente identificado como único culpado do crime. Inês toma a figura de mártir vitimada em sacrifício de amor. Depois, e segundo a ordem da tragédia clássica, Camões faz a descrição da felicidade da jovem, vivendo em função do homem que ama, como o seu nome escrito no peito…, “Inspira imortal canto e voz divina/Neste peito mortal, que tanto te ama. /Assi o claro inventor da Medicina, /De quem Orfeu pariste, ó linda Dama, /Nunca por Dafne, Clície ou Leucotoe,/Te negue o amor devido, como soe.”. O que Camões aponta como mais chocante é a brutalidade, a ferocidade daqueles homens sem bondade perante a figura feminina doce, fraca, indefesa, que não esboça um gesto para fugir, que apenas conta com as lágrimas e as palavras para se defender e que se entrega, com a maior docilidade, aos carrascos.
No Canto IV, Nuno Álvares Pereira diz ao povo e aos soldados que descendem de grandes homens e que terão de ser grandes como os seus antecessores. Que lutem por aquilo em que acreditam.
No Canto V, o rei diz a Vasco da Gama que saudade é a melhor palavra para descrever o que sentiram quando saíram de Lisboa. Ficou para trás aquele Portugal que amam ainda mais quando se distanciam.
No Canto VI, é neste canto que Camões aplica os seus melhores dotes de oratória. Defende um ataque em forma aos portugueses: a manifestação da evidência do perigo, a perda das honras, dos títulos, o desespero das lágrimas, para convencer os deuses dos seus intentos.
No Canto VII, longa viagem, viagem longa. O que é, afinal, uma viagem? Um ir sem saber se o que imaginámos existe? Um ficar em quem nos ama e no que amamos?
A Índia estava próxima. Miragem? Não percas o ânimo. Vai. Segue o teu sonho. Acredita em ti e acredita depois no que poderás colher se fores tu a tua meta. Avança contigo, dentro de ti, a riqueza que te espera pode ser, será talvez, a imagem nova que de ti recolheres ao ser…, “Ora sus, gente forte, que na garra/Quereis levar a palma vencedora:/Já sois chegados, já tendes diante/A terra de riqueza abundante!”.
Se Deus existe não será um deus de mortos, um deus qualquer, mas aquele que descobre entre os vivos os que mais merecem a sua distinção. Os Portugueses não serão a prova de que Deus existe?
De acordo com a opinião de Camões, os portugueses estão acima de todos os outros: um povo valente e ilimitado.
A narrativa que os portugueses fazem a Monçaide, e a que este reproduz aos seus, dá-lhes uma dimensão de homens tocados pelos deuses e pelas graças divinas.
No Canto VIII, Catual e os seus estavam deveras admirados. Ouviam em respeito o que Paulo da Gama lhes dizia, e, mais do que o medo de enfrentarem homens tão valorosos, nutriam um sentimento maior, de admiração pelos portugueses.
Vasco da Gama pensou: combater a violência com mais violência só gera violência.
Por último, no Canto X, uma folia. Alias, deve ser sempre assim o amor: coisa de confiar, de brincar, de prazer dado e recebido, de sonhos, de fantasias, de jogos e danças, musicas, partilhas.
Mesmo espreitando por detrás da cortina indiscreta, não há nada para contar, não se vai dar pormenores, eles lá estiveram como quiseram, triste sorte a de não poder ficar, talvez assim para sempre, pois há sempre o dever primeiro e o prazer fica sempre na causa das tarefas, isso é sabido.
Talvez, Camões, que tanto se emocionou com encantos de damas, com amores, namoros e folguedos destes, ficou com uma pontinha de inveja.
É tempo de nova invocação, o poeta chama por Calíope, fonte inspiradora, roga-lhe ajuda em tempo tão difícil. “Aqui minha Calíope te invoco/Neste trabalho extremo por que em pago/Me tornes do que escrevo e vão pretendo/O gosto de escrever que vou perdendo.”.
Fontes:
No brasão II, em Os Castelos, no poema “Ulisses”, na última estrofe, a passagem do nada ao tudo: a lenda vem (escorre) de cima; ao entrar na realidade, fecunda-a – fazendo o “milagre” de tornar irrelevante a vida cá de baixo, dita do mundo real, objectivo: “Em baixo, a vida, metade/De nada, morre”. Só readquire vida aquilo que o mito/nada tudo fecunda – e o processo não é do passado, mas intemporal – de onde os tempos verbais de presente.
É irrelevante, parece dizer Pessoa desde este poema, que as figuras de que vai ocupar-se, os heróis fundadores, tenham tido ou não existência histórica – o que importa é que todos eles tenham funcionado com a força do mito, que, não existindo, é tudo.
Em “D. Dinis”, Pessoa vai ver D. Dinis como o rei capaz de antever futuros, justamente porque poeta visionário, em cujo cantar de amigo se fundem um rumor – a “fala dos pinhais” – e o mar futuro. Por isso ele é visto como “plantador de naus a haver”, as naus/cantar de amigo, que desvendarão, no futuro que ele sonha, “o oceano por achar” (que a Europa e Portugal fitam, “com olhar esfíngico e fatal”, como sabíamos já). No poema, os pinhais plantados pelo rei – poeta – visionário são “um trigo de império” e “ondulam sem se poder ver” (porque futuros – só acessíveis aos sonhadores); a “fala dos pinhais” é, assim, “o som presente desse mar futuro/é a voz da terra ansiando pelo mar”.
No Brasão parte III, em as Quinas, no poema “D. Fernando, Infante de Portugal”Uma vez recebida a marca divina – o seu gládio – num presente disfórico, definido como “horas em que um frio vento passa/Por sobre a fria terra –“, as consequências da acção divina sobre o Eu fazem-se sentir: “doirou-me a fronte” – e a inquietação: febre de Além, querer grandeza.
Em “ D. Sebastião, Rei de Portugal”, onde Fernando Pessoa diz: “Sem a loucura que é o homem/Mais que a besta sadia,/Cadáver adiado que procria?”,este final soberbo, que define a loucura, o sonho, como que distingue o homem da “besta sadia, cadáver adiado que procria”, dá o tom último à Mensagem pessoana: o louvor da loucura que distingue o homem do animal e o faz ir em frente, haja o que houver na busca da realização do sonho.
Na realidade, perante o poder mobilizador do sonho – loucura, a morte não passa de contingência física; tal “divina loucura” é fonte de energia que leva o homem a ser mais do que é, na sua contingência física, feita de fraqueza, de “bichos da terra” – e a morte é muito pouco e não é, de facto, o que pode impedir que o sonho prossiga noutras mãos. E a História, essa, resultará, vê-lo-emos mais adiante, da vontade de Deus e do sonho do Homem.
Em Mar Português, no poema “O Infante”, onde Pessoa nos diz: “Quem te sagrou criou-te português./Do mar e nós em ti nos deu sinal./Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez./Senhor, falta cumprir-se Portugal!“, esta quadra (terceira) representa, já, uma segunda parte, um momento de síntese e reflexão. “Quem (Deus) te (homem) sagrou, sagrou-te português” para reflectir o significado histórico: “Do mar e nós em ti nos deu sinal” – e aqui retoma-se a ideia do sinal, signo, bandeira – já presente no poema D. Fernando – “Cumpriu-se o mar” (resultado do sonho do Infante e da vontade divina). E, bruscamente, em corte repentino, a passagem para o presente – “e o Império se desfez” – é já a tristeza, o “nevoeiro” a ensombrar os nossos dias.
No “horizonte”, é o desvendar da noite, do mistério, o passar das tormentas, o descobrir, por detrás do Longe (metáfora do Desconhecido), quase invisível (só visível aos sonhadores, sagrados por Deus), a Natureza mais luxuriante, no aproximar das naus – lá, na mítica ilha de Vénus ou Ínsua divina – e aí receber “os beijos merecidos da Verdade”. Herói, afinal, é aquele que vê o invisível e o atinge, vencendo o desconhecido e os medos, e recebendo o prémio de uma ilha – toda ela de sonho, talvez, mas, a Verdade.
Em o “Mostrengo”, trata-se de retomar a alegoria presente no Adamastor (Camões) – o “Mostrengo” que assusta e ameaça os navegadores (neste poema o homem do leme ao serviço de D. João II) e que é vencido pelo frágil “bicho da terra tão pequeno”, que se diz “vontade” de um povo que quer o mar que o monstro diz ser seu.
No poema “Mar Português”, na primeira estrofe, este poema apresenta o que de sofrimento custou, a quem ficava em terra. A conquista do mar, cujas águas salgadas “são lágrimas de Portugal”.
Na segunda estrofe, o balanço: terá mesmo valido a pena? Pessoa responde que sim, porque “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Toda a vitória implica passar além da dor.
Em “A Última Nau”, este poema é mais um dos consagrados a D. Sebastião e ao sonho com que ele se foi, a bordo d’A última nau a que “não voltou mais”, a que ninguém sabe se atingiu uma ilha “indescoberta” ou se voltará algum dia. O sonho sonhado pelos seus marinheiros ficou interrompido, mas, diz o poeta, Deus, que “guarda o corpo e a forma do futuro”, pode projectá-lo, “sonho escuro/e breve”.
O poeta, capaz ainda de sonhar futuros, consegue ver, diz, entre a serração, o vulto baço do Rei que torna. Ele, poeta do presente, do séc. XX, sabe que há a hora (ainda que não saiba quando, exactamente) do regresso de D. Sebastião/ sonho por cumprir. Assim se repita o ciclo: Deus volte a querer e o homem volte a sonhar. É para aí que aponta o último poema de “Mar Português”.
No poema “Prece”, é um poema em que se reflecte sobre o presente à luz do passado. O passado foi a tormenta, a vontade, e deixou-nos, como herança, o mar universal e a saudade. O presente, esse, diz Pessoa, “Senhor, a noite veio e a alma é vil”, mas diz também na segunda estrofe, há lugar para alguma esperança: “mas a chama, que a vida em nós criou,/se ainda há vida, ainda não é finda”. Ela estará, porventura, oculta em cinzas, mas pode ser erguida pela mão do vento. Por isso, a prece: que Deus volte a querer dar o “sopro, a aragem – ou desgraça ou ânsia –“, capaz de nos reerguer, para que “outra vez conquistemos a Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!”.
Na terceira e última parte da mensagem O Encoberto I, na parte d’Os Símbolos, no poema “ O Quinto Império”, trata-se de um poema que afirma uma filosofia sobre o homem e o viver. Para o poeta, a única coisa que faz sentido na vida é o sonho – “Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem que um sonho, no erguer de asa,/Faça até mais rubra a brasa/Da lareira a abandonar”. Ou seja: sem o sonho, capaz de remover montanhas, a vida é triste, ainda que no conforto sensato do lar, “Eras sobre eras se somem/No tempo que em eras vem./Ser descontente é ser homem./Que as forças cegas se domem/Pela visão que a alma tem!”.
A história faz-se de descontentes, e ser descontente, como diz, é próprio do homem, capaz de ter como força condutora a visão que a alma tem.
Na terceira parte do O Encoberto, na parte de Os Tempos, no poema a “Noite”, Pessoa conta a história nos dois primeiros momentos do poema e extrai a conclusão no último: os dois irmãos (Gaspar e Miguel) são agora os irmãos-símbolos do nosso nome: o Poder e o Renome que são, já, passado. Compete-nos a nós ir buscá-los, libertando-nos “desta vil/Nossa prisão servil”. Só que, tal como outrora, o Rei não dera licença de partir ao terceiro dos irmãos, também agora “Deus não dá licença que partamos”.
No último poema d’A Mensagem, o “Nevoeiro”, o poema aponta para um tom geral de disforia, de tristeza e melancolia, marcado por palavras e expressões de negatividade, caracterizando uma situação de crise a vários níveis: político: “Nem rei nem lei, nem paz nem guerra”; crise de identidade, também: “este fulgor baço da terra/Que é Portugal e entristecer/Brilho sem luz e sem arder/Como o que o fogo-fátuo encerra”; crise de valores morais, da alma: “Ninguém sabe que coisa quer,/Ninguém conhece que alma tem,/Nem o que é mal, nem o que é bem”.
“É a Hora!”, mas de quê? Pessoa não o diz, mas todo o livro o significa: a Hora de partir, de novamente conquistarmos a “Distância/Do mar ou outra, mas que seja nossa!” (poema “Prece”), de assumirmos o sonho, cumprindo o nosso destino – assim a Obra nascerá de novo, como em “Mar Português” – e poderemos “viver a verdade/que morreu D. Sebastião”.
Fontes:
No final deste trabalho chegamos à conclusão que A Mensagem não é um “poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética dos Lusíadas”. O que seria uma exaltação de valores nacionais converteu-se numa exortação renovadora e corajosa a D. Sebastião (vivo – Lusíadas – ou como mito – Mensagem).
Os Lusíadas foram dedicados a um povo guerreiro e a um Rei aventureiro, em A Mensagem, esse mesmo Rei está humilhado e despido de coisas humanas, por isso, consideramos que toda a História, toda alegria, toda emoção, toda aventura e toda glória descrita, em Os Lusíadas constitui uma esperança e em A Mensagem, um sonho, uma utopia, “Sem a loucura que é o homem/mais que a besta sadia,/cadáver adiado que procria?”(Mensagem).
Como Prado Coelho afirmou, “Em contraste com o realismo d’Os Lusíadas (…) a Mensagem reage pela altiva rejeição a um «Real» oco, absurdo, intolerável, propondo-nos em seu lugar a única coisa que vale a pena: o imaginário”.