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Trabalho escolar muito completo sobre Os Maias - Espaço e Acção, realizado no âmbito da disciplina de Português (11º ano).
José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa de Varzim, a 25 de Novembro de 1845, e foi um dos mais importantes escritores da literatura portuguesa do século XIX.
No seu conjunto, as suas obras exibem formas e temas muito distintos. Isso não transmite apenas um sentido agudo de insatisfação estética (patente também no facto de o escritor ter submetido muitos dos seus textos a profundos trabalhos de reescrita), mas também uma grande capacidade para prever e até antecipar o sentido da evolução literária que no seu tempo Eça testemunhou e viveu.
Os Maias, após publicado, não foi muito bem aceite pela sociedade. No entanto, hoje em dia é uma das obras mais importantes da literatura portuguesa.
Pretendemos com este trabalho obter um conhecimento mais aprofundado sobre esta obra, mais especificamente sobre o espaço e a acção.
Neste trabalho, não só exploramos o espaço físico, social e psicológico, como também a acção principal, secundária, a tragicidade da acção, entre muitos outros aspectos d’Os Maias.
Nesta obra, as características do espaço físico são muito importantes uma vez que nos levam a concluir o modo de vida e as características das próprias personagens.
Os espaços físicos apresentados ao longo da obra são os seguintes:
Santa Olávia era o solar da família, na margem esquerda do Douro, simbolizando a vida e a regeneração dos dois varões da família, o clima ameno que lá se faz sentir representa a purificação de Afonso.
Esta é o símbolo de vida, ligada à água que contrasta com Lisboa, “a cidade degradada”.
“Carlos passava as férias grandes em Lisboa, às vezes em Paris ou Londres; mas por Natais e Páscoas vinha sempre a Santa Olávia”. (capitulo IV)
“ (…) que o prendera mais a Santa Olávia fora a sua grande riqueza de águas vivas, nascentes, repuxos, tranquilo espelhar de águas paradas, fresco murmuro de águas regantes… E a esta viva tonificação de água atribuía ele o ter vindo assim, desde o começo do século, sem uma dor e sem uma doença, mantendo a rica tradição de saúde da sua família, duro, resistente aos desgostos e anos – que passavam por ele, tão em vão, como passavam em vão, pelos seus robles de Santa Olávia, anos e vendavais”. (capitulo I)
Lisboa concentra a alma de Portugal, a sua degradação moral, a ociosidade crónica dos portugueses, simbolizando a decadência nacional, metaforicamente representada pela estátua de Camões. Por ser a capital, centraliza a vida económica, literária e politica do país. O retrato social que este meio físico proporciona é-nos dado pelos “Episódios da vida romântica”.
O Ramalhete localizava-se em Lisboa, Bairro das Janelas Verdes, Rua de S. Francisco de Paula
De todos os cenários, este é o que tem maior densidade e virtualidades significativas.
O Ramalhete acompanha o desenvolvimento da intriga e as catástrofes.
Fachada:
A fachada do Ramalhete foi a única secção da casa que ainda se manteve intacta depois das obras.
“Sombrio casarão de paredes severas; Com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação dos tempos da S. D. Maria I, com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de jesuítas”.
Jardim:
“Ao fundo de um terraço de tijolo, um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore (onde Monsenhor reconheceu logo Vénus litereira) enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens”
As obras:
As obras começaram sob o comando de um Esteves (amigo e compadre de Vilaça), a este artista vinham-lhe ideias como: O projecto de uma escada aparatosa, flanqueada por duas figuras simbolizando as conquistas da Guiné e da Índia; uma cascata de louça na sala de jantar.
Após a vinda de Carlos, e com ele a vinda de Jones Bules, um arquitecto – decorador londrino, os planos para o Ramalhete mudaram; as obras agora tinham o objectivo de ali criar um interior confortável, de luxo inteligente e sábio.
Após as obras
O pátio:
“com um pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral”.
Antecâmara:
“Revestida como uma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor de passos morria: e ornavam-na divãs cobertos de tapetes persas, largos pratos mouriscos com reflexos metálicos de cobre, uma harmonia de tons severos, onde destacava, na brancura imaculada do mármore, uma figura de rapariga friorenta, arrepiando-se, rindo, ao meter o pezinho na água”.
O Corredor:
“Da antecâmara surgia um amplo corredor ornado com as peças ricas de Benfica, arcas góticas, jarrões da Índia e antigos quadros devotos”.
O Salão Nobre:
“ (…) Todo em brocados de veludo cor de musgo de Outono, havia uma bela tela de Constable, o retrato da sogra de Afonso, a condessa de Runa, de tricorne de plumas e vestido escarlate de caçadora inglesa, sobre um fundo de paisagem enevoada”.
Numa sala mais pequena
“ (…) Tinha um ar de século XVIII com seus móveis enramalhetados de ouro, as suas sedas de ramagens brilhantes: duas tapeçarias de Gobelins desmaiadas, em tons cinzentos, cobriam as paredes de pastores e de arvoredos”.
“Defronte era o bilhar, forrado de um couro moderno trazido por Jones Bule, onde, por entre a desordem de ramagens verde-garrafa, esvoaçavam cegonhas prateadas”.
O “fumoir”:
“ (…) Cómoda do Ramalhete: as otomanas tinham a fofa vastidão de leitos; e o conchego quente e um pouco sombrio dos estofos escarlates e pretos era alegrado pelas cores cantantes de velhas faianças holandesas.
O escritório de Afonso:
“ (…) Revestido de damascos vermelhos com uma velha câmara de prelado. A maciça mesa de pau-preto, as estantes baixas de carvalho lavrado, o solene luxo das encadernações, tudo tinha ali uma feição austera de paz estudiosa — realçada ainda por um quadro atribuído a Rubens, antiga relíquia da casa, um Cristo na Cruz, destacando a sua nudez de atleta sobre um céu de poente revolto e rubro. Ao lado do fogão, Carlos arranjara um canto para o avô com um biombo japonês bordado a ouro, uma pele de urso branco, e uma venerável cadeira de braços, cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda”.
No segundo andar:
“No corredor do segundo andar guarnecido com retratos de família, estavam os quartos de Afonso. Carlos dispusera os seus, num ângulo da casa, com uma entrada particular, e janelas sobre o jardim: eram três gabinetes a seguir, sem portas, unidos pelo mesmo tapete: e os recostos acolchoados, a seda que forrava as paredes, faziam dizer ao Vilaça que aquilo não eram aposentos de médico — mas de dançarina!”
Outros Aspectos
O luxo:
“De resto, não desgostava do Ramalhete, apesar de Carlos, com o seu fervor pelo luxo dos climas frios, ter prodigalizado de mais as tapeçarias, os pesados reposteiros e os veludos”.
O Quintal:
“ (…) Tinha o ar simpático, com os seus girassóis perfilados ao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigos tristes, e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de parque, ter chegado de Versalhes, do fundo do Grande Século... E desde que a água abundava, a cascatazinha era deliciosa, dentro do nicho de conchas, com os seus três pedregulhos arranjados em despenhadeiro bucólico, melancolizando aquele fundo de quintal soalheiro com um pranto de náiade doméstica, esfiado gota a gota na bacia de mármore”.
A vista do terraço:
“ (…) Donde outrora, decerto, se abrangia até ao mar. Mas as casas edificadas em redor, nos últimos anos, tinham tapado esse horizonte esplêndido. Agora, uma estreita tira de água e monte que se avistava entre dois prédios de cinco andares, separados por um corte de rua, formava toda a paisagem defronte do Ramalhete”.
“E sempre ao fundo o pedaço de monte verde-negro, com um moinho parado no alto, e duas casas brancas ao rés da água, cheias de expressão — ora faiscantes e despedindo raios das vidraças acesas em brasa; ora tomando aos fins de tarde um ar pensativo, cobertas dos rosados tenros do poente, quase semelhantes a um rubor humano; e de uma tristeza arrepiada nos dias de chuva, tão sós, tão brancas, como nuas, sob o tempo agreste”. (capitulo I)
Simboliza a regeneração e purificação (tradição judaico-cristã). A água aparece num espaço físico preciso que metaforicamente se reporta à família Maia e à sua decadência.
O luxuoso consultório de Carlos revela o seu diletantismo e a predisposição para a sensualidade.
“Carlos não decidira fazer «exclusivamente» clínica: mas desejava decerto dar consultas, mesmo gratuitas, como caridade e como prática. Então Vilaça sugeriu que o consultório estivesse separado do laboratório”.
“E Vilaça bem depressa descobriu, para o laboratório, um antigo armazém, vasto e retirado, ao fundo de um pátio, junto ao Largo das Necessidades.
- E o consultório, meu senhor, não é aqui, nem acolá; é no Rossio, ali em pleno Rossio!”
“E tanto se agitou, que daí a dois dias tinha alugado um primeiro andar de esquina.
Carlos mobilou-o com luxo. Numa antecâmara, guarnecida de banquetas de marroquim, devia estacionar, à francesa, um criado de libré. A sala de espera dos doentes alegrava com o seu papel verde de ramagens prateadas, a plantas em vasos de Ruão, quadros de muita cor, e ricas poltronas cercando a jardineira coberta de colecções do Charivari, de vistas estereoscópicas, de álbuns de actrizes seminuas, para tirar inteiramente o ar triste de consultório, até um piano mostrava o seu teclado branco”.
“O gabinete de Carlos ao lado era mais simples, quase austero, todo em veludo verde-negro, com estantes de pau-preto. Alguns amigos que começavam a cercar Carlos, Taveira, seu contemporâneo e agora vizinho do Ramalhete, o Cruges, o marquês de Souselas, com quem percorrera a Itália — vieram ver estas maravilhas”.
“Ocupava-se então mais do laboratório, que decidira instalar no armazém, às Necessidades. (...) Entrava-se por um grande pátio, onde uma bela sombra cobria um poço, e uma trepadeira se mirrava nos ganchos de ferro que a prendiam ao muro. Carlos já decidira transformar aquele espaço em fresco jardinete inglês; e a porta do casarão encantava-o, ogival e nobre, resto de fachada de ermida, fazendo um acesso vulnerável para o seu santuário de ciência”. (capitulo IV)
A casa de Maria Eduarda ficava na rua de São Francisco e era propriedade da mãe de Cruges. Maria vivia no primeiro andar, alugado a ela e a Castro Gomes.
É a partir dos espaços onde Maria Eduarda esteve, nomeadamente nesta casa, que Carlos vai tentando adivinhar a personalidade que a caracteriza.
Na primeira vez que Carlos vai à casa de Maria, quando da visita a Rosa, este apreende neste espaço uma atmosfera de intimidade, sensualidade e luxo.
Na segunda vez, Carlos considera a casa acolhedora, que por sua vez lhe transmite várias sensações: o bom gosto e o requinte de algumas peças, onde se destacam o Manual de Interpretação de Sonhos e uma caixa de pó de arroz ornamentada como se fosse uma coccote. Estes são um presságio da dualidade de Maria, já que se ligam a Afrodite (deusa do amor e elemento perverso do ser feminino) e revelam o meio cultural distante do de Carlos, evidência a que este é sensível.
“O soalho fora esteirado de novo. Ao pé da porta havia um piano antigo de cauda, coberto com um pano alvadio; sobre uma estante ao lado, cheia de partituras, de músicas, de jornais ilustrados, pousava um vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos; todas as cadeiras eram forradas de repes vermelhos; e aos pés do sofá estirava-se uma velha pele de tigre. Como no Hotel Central, esta instalação sumária de casa alugada recebera retoques de conforto e de gosto: cortinas novas de cretone, combinando com o papel azul da parede, tinham substituído as clássicas bambinelas de cassa: um pequeno contador árabe, que Carlos se lembrava de ter visto havia dias no tio Abraão, viera encher um lado mais desguarnecido da parede: o tapete de pelúcia de uma mesa oval, colocada ao centro, desaparecia sob lindas encadernações de livros, álbuns, duas taças japonesas de bronze, um cesto para flores de porcelana de Dresda, objectos delicados de arte que não pertenciam decerto à mãe Cruges. E parecia errar ali, acariciando a ordem das coisas e marcando-as com um encanto particular, aquele indefinido perfume que Carlos já sentira nos quartos do Hotel Central, e em que dominava o jasmim.
Mas o que atraiu Carlos foi um bonito biombo de linho cru, com ramalhetes bordados, desdobrado ao pé da janela, fazendo um recanto mais resguardado e mais íntimo. Havia lá uma cadeirinha baixa de cetim escarlate, uma grande almofada para os pés, uma mesa de costura com todo o trabalho de mulher interrompido, números de jornais de modas, um bordado enrolado, molhos de lã de cores transbordando de um açafate. E, confortavelmente enroscada no macio da cadeira, achava-se aí, nesse momento, a famosa cadelinha escocesa, que tantas vezes passara nos sonhos de Carlos, trotando ligeiramente atrás de uma radiante figura pelo Aterro fora, ou aninhada e adormecida num doce regaço...” (capitulo XI)
Outra conclusão a que podemos chegar da relação de Maria Eduarda com os espaços é que estes simbolizam os altos e baixos da sua vida. Tudo isto é revelado quando Maria conta todo o seu passado a Carlos.
Os vários espaços onde Maria Eduarda viveu durante a sua vida estão relacionados com os altos e baixos da sua vida.
Após ter saído de Portugal com a sua mãe, Maria Monforte, foi para um convento onde adquiriu hábitos saudáveis. Este espaço também está relacionado com a pureza, religião e paz, que, no entanto, muda quando vai viver com a sua mãe no Parque Monceaux. Esta era uma casa de jogo, mas sofisticada e luxuosa. Agora, em vez de hábitos saudáveis exemplares que verificava e praticava no convento, de manhã deparava-se com paletós de homens por cima dos sofás, ou seja, algo completamente diferente.
Depois foram viver para o terceiro andar de Chaussée-d’Antin, outra casa de jogos, inferior à anterior. É aqui que conhecem Mc Gren, por que Maria Eduarda se apaixona, vai viver momentos de felicidade com ele num Cottage e tem uma filha.
Infelizmente, este morreu na guerra, e como nunca se casaram, Maria Eduarda, sua filha e sua mãe ficam na miséria numa casa no bairro de Soho em Londres. Viveram assim até encontrarem Castro Gomes, com quem voltaram para Portugal.
“Enfim a mamã metera-a num convento ao pé de Tours.”
“A casa da mamã, no Parque Monceaux, era na realidade uma casa de jogo - mas recoberta de um luxo sério e fino. (…) A pobre mamã caíra sob o jugo de um Mr. de Trevernnes, homem perigoso pela sua sedução pessoal e por uma desoladora falta de honra e de senso. A casa descaiu rapidamente numa boémia mal dourada e ruidosa. Quando ela madrugava, com os seus hábitos saudáveis do convento, encontrava paletós de homens por cima dos sofás: no mármore das consoles restavam pontas de charuto, entre nódoas de champanhe; e nalgum quarto mais retirado ainda tinha o dinheiro de um bacará talhado à claridade do sol”.
“Mudaram então para um terceiro andar da Chaussée-d’Antin. Aí começou a aparecer uma gente desconhecida e suspeita”.
“Mas quem veio foi Mac Gren.
E partira com ele, sem precipitação, como sua esposa, levando todas as suas malas”.
“Alugaram então, no bairro pobre de Soho, três quartos mal mobilados. Era o lodging de Londres em toda a sua suja, solitária tristeza; uma criadita única, enfarruscada como um trapo; alguns carvões húmidos fumegando mal na chaminé; e para jantar um pouco de carneiro frio e cerveja da esquina”. (capitulo XV)
A Vila Balsac, algures na Graça em Lisboa, é o retiro amoroso de João da Ega.
O nome escolhido leva-nos a duas características fundamentais do carácter da personagem: a tendência de Ega para a criação literária, geralmente adiada, mas sempre entusiasticamente planeada, e a sua personalidade contraditória, porque, escolhendo como “seu padroeiro” um escritor realista, Ega acaba agindo de acordo com o Romantismo.
Nesta casa, destacam-se o quarto e a sala.
Ega passa grande parte do seu tempo no quarto. Este tem cor vermelha relacionada com a vida e a morte; e um espelho que enfatiza o carácter narcisista e ocioso de Ega.
Na sala não existe qualquer tipo de decoração, é uma espécie de espaço de um “intelectual”, o que faz a oposição entre as ideias que manifesta e aquilo que é, uma vez que a sua sensualidade sobrepõe-se à sua faceta intelectual.
“Não havia um quadro, uma flor, um ornato, um livro — apenas sobre a jardineira uma estatueta de Napoleão I, de pé (…)”
“E quis imediatamente mostrar a Carlos o seu quarto de cama; aí reinava um cretone de ramagens alvadias, sobre fundo vermelho; e o leito enchia, esmagava tudo. Parecia ser o motivo, o centro da «Vila Balzac»; e nele se esgotara a imaginação artística do Ega. Era de madeira, baixo como um divã, com a barra alta, um rodapé de renda, e de ambos os lados um luxo de tapetes de felpo escarlate; um largo cortinado de seda da Índia avermelhada envolvia-o num aparato de tabernáculo; e dentro, à cabeceira, como num lupanar, reluzia um espelho”
“Na sala de jantar, quase nua, caiada de amarelo, um armário de pinho envidraçado abrigava melancolicamente um serviço barato de louça nova; e do fecho da janela pendia um vestuário vermelho, que parecia roupão de mulher”. (capitulo VI)
Toca é o nome dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o carácter canibalesco do relacionamento amoroso entre Carlos e Maria Eduarda.
Este é o recanto idílico, nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos partilham as curtas juras de Amor. Propriedade de Craft arrendada por Carlos para preservar a sua privacidade amorosa, representa simbolicamente o “território” de Carlos e Maria Eduarda.
A decoração permite-nos antever o desfecho desta relação. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam a tragicidade da relação, pois estão carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na trama lã, os amores de Vénus e Marte”, de igual modo o amor de Carlos e de Maria Eduarda estava condenado a desmaiar e desaparecer; “…a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profano…” misturando o sagrado com o profano para simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. Deste modo, a descrição do quarto tem traços próprios de um local dedicado ao culto: a porta de comunicação “em arco de capela”, de onde pendia “uma pesada lâmpada de Renascença” conferindo maior solenidade. Com o sol, o quarto “resplandecia como (…) um tabernáculo. Carlos mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante, mas Maria Eduarda impressionava-se ao ver a cabeça degolada de S. João Baptista, que foi degolado por tem denunciado a relação incestuosa de Herodes, e a enorme coruja a fitar, com ar sinistro, o sei leito de amor”, lembre-se que a coruja é considerada uma ave de mau agoiro, que surge aqui para vaticinar o futuro sinistro para este amor). O ídolo japonês que há na Toca remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação incestuosa. Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião, e os troféus agrícolas, o trabalho que teria existido na família Maia (e no Portugal). Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonística e desprezada de tudo e de todos. Na primeira noite de amor entre Carlos e Maria Eduarda, a qual se dá precisamente na Toca, dá-se uma grande trovoada como que a prever um mau ambiente que se criaria resultante deste incesto.
“Logo depois do portão, penetrava-se numa fresca rua de acácias, onde cheirava bem. A um lado, por entre a ramagem, aparecia o quiosque, com tecto de madeira, pintado de vermelho, que fora o capricho de Craft, e que ele mobilara à japonesa. E ao fundo era a casa, caiada de novo, com janelas de peitoril, persianas verdes, e a portinha ao centro sobre três degraus, flanqueados por vasos de louça azul cheios de cravos.”
“(...)Veio para o gabinete forrado de cretones, que abria sobre o corredor; e ficou ali, espreitando da porta, mas escondido, por causa do cocheiro da Companhia. (…) , pela rua de acácias, alta e bela, vestida de preto, e com um meio véu espesso como uma máscara. Os seus pezinhos subiram os três degraus de pedra. (…)”
“Maria Eduarda resvalara sobre uma cadeira, junto da porta, num cansaço delicioso, deixando calmar o alvoroço do seu coração.
- É muito confortável, é encantador tudo isto — dizia ela olhando lentamente em redor os cretones do gabinete, o divã turco coberto com um tapete de Brousse, a estante envidraçada cheia de livros.(…)”
“Começaram pelo segundo andar. A escada era escura e feia: mas os quartos em cima, alegres, esteirados de novo, forrados de papéis claros, abriam sobre o rio e sobre os campos.(...)”
“Desceram à sala de jantar. E aí, diante da famosa chaminé de carvalho lavrado, flanqueada, à maneira de cariátides, pelas duas negras figuras de núbios, com os olhos rutilantes de cristal, Maria Eduarda começou a achar o gosto do Craft excêntrico, quase exótico... Também Carlos não lhe dizia que Craft tivesse o gosto correcto de um ateniense. Era um saxónio batido de um raio de sol meridional: mas havia muito talento na sua excentricidade...”
“Junto do peitoril crescia um pé de margaridas, e ao lado outro de baunilha que perfumava o ar. Adiante estendia-se um tapete de relva, mal aparada, um pouco amarelada já pelo calor de Julho; e entre duas grandes árvores que lhe faziam sombra, havia ali, para os vagares da sesta, um largo banco de cortiça. Um renque de arbustos cerrados parecia fechar a quinta, daquele lado, como uma sebe. Depois a colina descia, com outras quintarolas, casas que se não viam, e uma chaminé de fábrica; e lá no fundo o rio rebrilhava, vidrado de azul, mudo e cheio de Sol, até às montanhas de além-Tejo, azuladas também, na faiscação clara do céu de Verão.
(…) O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós chamávamos-lhe a Toca.”
“A cozinha agradou-lhe muito, arranjada à inglesa, toda em azulejos. No corredor Maria Eduarda demorou-se diante de uma panóplia de tourada, com uma cabeça negra de touro, espadas e garrochas, mantos de seda vermelha, conservando nas suas pregas uma graça ligeira, e ao lado o cartaz amarelo de la corrida, com o nome de Lagartijo. (…) desagradou-lhe com o seu luxo estridente e sensual. Era uma alcova recebendo a claridade de uma sala forrada de tapeçarias, onde desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte: da porta de comunicação, arredondada em arco de capela, pendia uma pesada lâmpada da Renascença, de ferro forjado: e, àquela hora, batida por uma larga faixa de Sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho... Era toda forrada, paredes e tecto, de um brocado amarelo, cor de botão-de-oiro; um tapete de veludo, do mesmo tom rico, fazia um pavimento de oiro vivo sobre que poderiam correr nus os pés ardentes de uma deusa amorosa — e o leito de dossel, alçado sobre um estrado, coberto com uma colcha de cetim amarelo, bordada a flores de oiro, envolto em solenes cortinas também amarelas de velho brocatel, enchia a alcova, esplêndido e severo, e como erguido para as voluptuosidades grandiosas de uma paixão trágica do tempo de Lucrécia ou de Romeu. E era ali que o bom Craft, com um lenço de seda da Índia amarrado na cabeça, ressonava as suas sete horas, pacata e solitariamente.
Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depois impressionou-se, ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro — onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos... Maria Eduarda achava impossível ter ali sonhos suaves.
(…) Para desfazer essa impressão desconsolada levou-a ao salão nobre, onde Craft concentrara as suas preciosidades. Maria Eduarda, porém, ainda descontente, achou-lhe um ar atulhado e frio de museu.
(…) Enchendo quase a parede do fundo, o famoso armário, o «móvel divino» do Craft, obra de talha do tempo da Liga Hanseática, luxuoso e sombrio, tinha uma majestade arquitectural: na base quatro guerreiros, armados como Marte, flanqueavam as portas, mostrando cada um em baixo-relevo o assalto de uma cidade ou as tendas de um acampamento; a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas, João, Marcos, Lucas e Mateus, imagens rígidas, envolvidas nessas roupagens violentas que um vento de profecia parece agitar: depois, na cornija, erguia-se um troféu agrícola com molhos de espigas, foices, cachos de uvas e rabiças de arados; e, à sombra destas coisas de labor e fartura, dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos, tocavam, num desafio bucólico, a flauta de quatro tubos. (…) um luxo morto: finos móveis da Renascença italiana, exibindo os seus palácios de mármore, com embutidos de cornalina e ágata, que punham um brilho suave, de jóia, sobre a negrura dos ébanos ou o cetim das madeiras cor-de-rosa; cofres nupciais, longos como baús, onde se guardavam os presentes dos Papas e dos Príncipes, pintados a púrpura e oiro, com graças de miniatura; contadores espanhóis empertigados, revestidos de ferro brunido e de veludo vermelho, e com interiores misteriosos, em forma de capela, cheios de nichos, de claustros de tartaruga... Aqui e além, sobre a pintura verde-escura das paredes, resplandecia uma colcha de cetim, toda recamada de flores e de aves de oiro; ou sobre um bocado de tapete do Oriente, de tons severos, com versículos do Alcorão, desdobrava-se a pastoral gentil de um minuete em Citera sobre a seda de um leque aberto...
Era ao centro, sobre uma larga peanha, um ídolo japonês de bronze, um deus bestial, nu, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso, com o ventre ovante, distendido na indigestão de todo um universo — e as duas perninhas bambas, moles e flácidas como as peles mortas de um feto. E este monstro triunfava, enganchado sobre um animal fabuloso, de pés humanos, que dobra vapara a terra o pescoço submisso, mostrando no focinho e no olho oblíquo todo o surdo ressentimento da sua humilhação...
Sentaram-se ao pé da janela, num divã baixo e largo, cheio de almofadas, cercado por um biombo de seda branca, que fazia entre aquele luxo do passado um fofo recanto de conforto moderno: e como ela se queixava um pouco de calor, Carlos abriu a janela. Junto do peitoril crescia também um grande pé de margaridas; adiante, num velho vaso de pedra, pousado sobre a relva, vermelhejava a flor de um cacto; e dos ramos de uma nogueira caía uma fina frescura. (...)”
“Os banhos eram ao lado, com um pavimento de azulejo, avivado por um velho tapete vermelho da Caramânia”. (capitulo XIII)
Em Coimbra passam-se os estudos de Carlos e as suas primeiras aventuras amorosas. Este é um boémio fonte de diletantismo, marcado também pela estagnação. O seu relevo no romance deve-se à formação (ou deformação) de Carlos. Através de Coimbra e da sua vida de dispersão sugere-se que os indivíduos que estavam à frente dos destinos do país passaram forçosamente por este meio de sentimentalismo.
“Matriculou-se realmente com entusiasmo. Para esses longos anos de quieto estudo o avô preparara-lhe uma linda casa em Celas, isolada, com graças de cottage inglês, ornada de persianas verdes, toda fresca entre as árvores. Um amigo de Carlos (um certo João da Ega) pôs-lhe o nome de «Paços de Celas», por causa de luxos então raros na Academia, um tapete na sala, poltronas de marroquim, panóplias de armas, e um escudeiro de libré.
Ao princípio este esplendor tornou Carlos venerado dos fidalgotes, mas suspeito aos democratas; quando se soube, porém, que o dono destes confortos lia Proudhon, Augusto Comte, Herbert Spencer, e considerava também o país uma choldra ignóbil — os mais rígidos revolucionários começaram a vir aos Paços de Celas tão familiarmente como ao quarto do Trovão, o poeta boémio, o duro socialista, que tinha apenas por mobília uma enxerga e uma Bíblia.” (capitulo IV)
As idas para o estrangeiro eram a forma de resolver os problemas:
O espaço social comporta os ambientes, onde actuam as personagens que o narrador achou melhor representarem a sociedade portuguesa. Este está dividido em ambientes e figurantes.
O Jantar no Hotel Central:
O Hotel Central é o local onde se realiza um jantar oferecido por Ega, com o objectivo de homenagear Cohan, marido de Raquel sua amante. Em termos “funcionais” este jantar serve, no entanto, principalmente para “proporcionar” um primeiro contacto de Carlos com o meio social lisboeta, isto é, com o próprio Cohen, com Tomás de Alencar, Dâmaso Salcede, e outros.
É também neste momento que Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez, no entanto este não lhe presta a devida atenção, ficando apenas com uma ideia um pouco pormenorizada da figura dela.
É neste episódio que estão representados os temas mais proeminentes da vida político – cultural lisboeta, pois é neste episódio que se falam de temas como a Literatura, Finanças e a Politica.
Com este episódio da crónica de costumes, o autor demonstra a incoerência cultural do povo português e a decadência do país.
A crónica de costumes retrata uma Lisboa que se esforça para ser civilizada, mas que não resiste e acaba por mostrar a sua falta de cultura.
O “verniz” das aparências estala, quando Ega e Alencar, depois de terminarem a sua “lista” de argumentos possíveis, e partem para a agressão pessoal e física mostrando o tipo de educação das classes altas da sociedade portuguesa, que mesmo tentando parecer digna e requintada não deixa de ser uma sociedade grosseira e inculta.
Neste jantar, discute-se a Literatura e a crítica literária, em que Tomás de Alencar, opositor do realismo/naturalismo, revela incoerência condenando no presente, o que cantara no passado. Refugia-se na moral por não ter mais argumentos. Acha o realismo/naturalismo imoral. É um desfasado do seu tempo, defende a crítica literária de natureza académica. Este opõe-se a João da Ega, defensor da escola realista/naturalista. Ega exagera e defende o cientificismo na literatura. Não distingue ciência e literatura.
Nesta discussão entram também, Carlos e Craft, recusando simultaneamente o ultra-romantismo de Alencar e o exagero de Ega. Craft defende a arte como idealização do que de melhor há na natureza, defende a arte pela arte. O narrador concorda com ambos.
Este assunto espelha a crise financeira que o país passava nesta época (século XII). Eça descreve-o de forma irónica através de Cohen, o representante das Finanças ao afirmar que os “empréstimos em Portugal constituíam uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto”, aliás era «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo» a única ocupação dos ministérios.
Desta forma concordavam que assim o país iria “alegremente e lindamente para a bancarrota”. No entanto, Ega não aceitara baixar os braços e logo dera a solução revolucionária para o problema de finanças que o país atravessava – a invasão espanhola.
A história e a política foram outros temas abordados no jantar, em que João da Ega delira com a bancarrota como fundamental para agitação revolucionária, defende a invasão espanhola e o afastamento violento da Monarquia, “Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! Á bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por principio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas…”, aplaude a instalação da República e considera a raça portuguesa como sendo a mais covarde e miserável da Europa, “Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.”, Provocando Sousa Neto, Ega percebe que este nada sabe do socialismo, o tópico de Proudhon. E não é capaz de um diálogo consequente. Contudo, Tomás de Alencar teme a invasão espanhola, diz ser um perigo para a independência nacional, defende o romantismo político, a paz dos povos e esquece o adormecimento geral do país. Já Jacob Cohen diz que há gente séria nas camadas políticas dirigentes e afirma que Ega é um exagerado,
Primeira vez que Carlos vê Maria Eduarda:
“Entravam então no peristilo do Hotel Central — e nesse momento um coupé da Companhia, chegando a largo trote do lado da Rua do Arsenal, veio estacar à porta.
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à portinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pêlos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur, ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrezinho inglês, abria negligentemente um telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços.” (Capitulo VI)
Crónica de Costumes:
Literatura:
“O naturalismo; esses livros poderosos e vivazes, tirados em milhares de edições (…)”
“Ele, Alencar, seria o paladino da Moral (…)”
“ (…) Quando por outro lado Carlos declarou que o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos, a sua invocação de Claude Bernad, do experimentalismo, do positivismo, de Stuart Mill e de Darwin, a propósito de uma lavadeira, sem pitoresco e sem estilo…”
“Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser ainda pouco cientifico, inventar enredos, criar dramas, abandonar-se à fantasia literária! (…)”
“- E a obra de arte – acrescentou Craft – vive apenas da forma…”
Finanças:
“O Cohen (…), e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar «absolutamente». Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. (…)
Carlos não entendia as finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.”
“Ega gritou sofregamente pela «receita». Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionária constante (…)”
Política:
“Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! Á banca-rota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por principio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, dessa colecção grotesca de bestas…”
“Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.”
A Corrida de Cavalos:
A corrida de cavalos espelha-se no desejo de imitar o que se faz no estrangeiro e era considerado sinal de progresso, e ao provincianismo do acontecimento. Apreciamos de forma irónica e caricatural uma sociedade burguesa que vive de aparências. O comportamento da assistência feminina, “que nada faz de útil”. O traje escolhido pela maioria da assistência não se adequava à ocasião, daí alguns cavalheiros se sentirem embaraçados com o seu chique, e muitas senhoras traziam “vestidos sérios de missa”, acompanhados por grandes chapéus emplumados da última moda, mas que não se adequavam nem ao evento, nem à restante toillete.
O ambiente deveria ser requintado, mas também ligeiro como compete a um acontecimento desportivo.
Critica-se ainda a falta de à-vontade das senhoras da tribuna que não falavam umas com as outras e que para não desobedecerem às regras de etiqueta. A assistência não revela qualquer entusiasmo pelo acontecimento e comparecem somente por desejar aparecer no “High Life” dos jornais ou para mostrar a extravagância do vestuário. O recinto parece uma quintarola, as bancadas são improvisadas, besuntadas de tinta com palanques de arraial. O bufete fica debaixo da tribuna “sem sobrado”, sem um ornato”, onde os empregados sujos achatavam sanduíches com as mãos húmidas de cerveja. A própria tribuna real está enfeitada com um pano reles de mesa de repartição.
Os objectivos deste episódio são os seguintes: o contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o rei; uma visão panorâmica desta sociedade sobre o olhar crítico de Carlos; tentativa frustrada de igualar Lisboa às demais capitais europeias.
Ressaltam deste, o fracasso dos objectivos das corridas, o atraso da sociedade lisboeta e a sua falta de civismo.
“Em volta do recinto da tribuna, fechado por um tapume de madeira, havia mais soldados de infantaria, com as baionetas lumpejando ao sol. E no homem triste que estava à entrada, recebendo os bilhetes, metido dentro de um enorme colete branco, reteso de goma, e que lhe chegava até aos joelhos – Carlos reconheceu o servente do seu laboratório”.
“Defronte a pista estava deserta, com a relva pisada, guardada por soldados: e junto à corda, do outro lado, apinhava-se o magote de gente, com as carruagens pelo meio, sem um rumor, numa pasmaceira tristonha, sob o peso do Sol de Junho”.
“Debruçadas no rebordo, numa fila muda, olhando vagamente, como de uma janela em dia de procissão, estavam ali todas as senhoras que vêm no High Life dos jornais, (…) ” (capitulo X)
Episódio do Jantar em casa dos Gouvarinhos:
Acima de tudo, estes jantares pretendiam transmitir:
As duas personagens a ter em conta neste episódios são:
É de se referir também o adultério que fora praticado pela Condessa de Gouvarinho, pois esta, esteve envolvida com Carlos da Maia. (capitulo XII)
Episódio nos jornais:
Aqui dá-se a critica à decadência do jornalismo português que se deixava corromper.
- O episódio na Redacção do Jornal A Tarde: Retrata a parcialidade do jornalismo da época quando Neves aceita publicar a carta no qual Dâmaso diz-se bêbado quando falara da relação de Carlos da Maia e de Maria Eduarda, situação que inicialmente foi recusada por Neves, por confundir Dâmaso Salcede com o seu amigo de politica Dâmaso Guedes.
A escadaria do edifício era de pedra, não havia luz, apenas jornais e papeis em cima da mesa.
- O episódio na Redacção do Jornal A Corneta do Diabo: Retrata a corrupção e os interesses económicos. Palma Cavalão, director deste jornal, publica um artigo injurioso contra Carlos por dinheiro e volta a ganhar dinheiro ao vender a tiragem desse número do jornal.
Nas paredes das instalações, havia uma gravura de mulheres nuas à beira de água.
“Imediatamente Carlos tirou da algibeira das calças um punhado de libras, que começou a deixar cair em silencio uma a uma dentro de um prato. E Palma “Cavalão”, agitado com o tinir do ouro, desabotoou logo o jaquetão, sacou uma carteira onde reluzia um pesado manograma de prata sob uma enorme coroa de visconde. Os dedos tremiam-lhe; por fim, estendeu três papéis sobre a mesa. Ega, que esperava com o monóculo sôfrego, teve um brado de triunfo (…)
Então, ao apalpar o ouro, Palma “Cavalão” comoveu-se. Palavra, caramba, se soubesse que se tratava de um cavalheiro como o Sr. Maia, não tinha aceitado o artigo! Mas então!” (capitulo XV)
Sarau do Teatro da Trindade
A falta de educação, respeito e apreciação por parte dos espectadores da alta sociedade só demonstra o mísero desenvolvimento de Portugal na época.
“E, com efeito, quando pela escada ornada de plantas chegaram ao antessalão (…)”.
“De ambos os lados se cerravam filas de cabeças, embebidas, enlevadas, atulhando os bancos de palhinha até junto ao tablado, onde dominavam os chapéus de senhoras picados por manchas claras de plumas ou flores. Em volta, de pé, encostados aos pilares ligeiros que sustêm a galeria reflectidos pelos espelhos (…). Por cima, no parapeito de veludo da galeria, corria outra linha de senhoras (…)”
“O gás sufocava, vibrando cruamente naquela sala clara, de um tom desmaiado de canário, raiada de reflexos de espelhos (…). E na extremidade da galeria, num camarote feito de tabiques, com sanefas de veludo cor de cereja, duas cadeiras de espaldar dourado permaneciam vazias na solenidade real do seu damasco escarlate”.
“ (…) depois arremeteu para a borda do talhado, voltando-se para as cadeiras reais (…)”.
Eusebiozinho:
Representa nesta obra a educação à portuguesa, um tipo de educação retrógrada e deformante, em que sobressaem os valores morais atrofiantes e caducos, o não desenvolvimento da agilidade física e a destreza intelectual. Esta educação surge em contraste com a de Carlos.
“ (…) e o morgadinho, o Eusebiozinho, uma maravilha muito falada naqueles sítios.
Quase desde o berço este notável menino revelara um edificante amor por alfarrábios e por todas as coisas do saber. Ainda gatinhava e já a sua alegria era estar a um canto, sobre uma esteira, embrulhado num cobertor, folheando in-fólios com o craniozinho calvo de sábio curvado sobre as letras garrafais da boa doutrina; e depois de crescidinho tinha tal propósito que permanecia horas imóvel numa cadeira, de perninhas bambas, esfuracando o nariz: nunca apetecera um tambor ou uma arma: mas cosiam-lhe cadernos de papel, onde o precoce letrado, entre o pasmo da mamã e da titi, passava dias a traçar algarismos, com a linguazinha de fora”.
“Mas o menino, molengão e tristonho, não se descolava das saias da titi: teve ela de o pôr de pé, ampará-lo, para que o tenro prodígio não aluísse sobre as perninhas flácidas; e a mamã prometeu-lhe que, se dissesse os versinhos, dormia essa noite com ela...” (capitulo III)
Alencar
Tomás Alencar simboliza o Ultra-romantismo, em oposição ao Realismo e ao Naturalismo.
Com Alencar, é criticada a inércia intelectual portuguesa, fechada ao desenvolvimento estrangeiro, nomeadamente uma literatura sentimentalista e antiga.
Os adjectivos para descrever o seu comportamento, “longroso”, “plangente”, “turvo” e “fatal”, revelam o sentimentalismo e o pessimismo do Ultra-romantismo.
Apesar disso, é leal e generoso, para além de funcionar como elemento referencial do passado de Carlos, já que era amigo de Pedro da Maia.
Por fim, Alencar, confundindo arte com moral, cai na incoerência e confunde o privilégio do desonesto e transforma-se em “torre de pudicicia”.
“Todos os amigos de Pedro, naturalmente, a amavam. O Alencar, esse proclamava-se com alarido «seu cavaleiro e seu poeta». Estava sempre em Arroios, tinha lá o seu talher: por aquelas salas soltava as suas frases ressoantes, por esses sofás arrastava as suas poses de melancolia. Ia dedicar a Maria (e nada havia mais extraordinário que o tom langoroso e plangente, o olho turvo, fatal, com que ele pronunciava este nome — MARIA!), ia dedicar-lhe o seu poema, tão anunciado, tão esperado — FLOR DE MARTÍRIO! E citavam-se estrofes que lhe fizera ao gosto cantante do tempo:
Vi-te essa noite no esplendor das salas
Com as loiras tranças volteando louca...” (capitulo II)
Conde de Gouvarinho:
Representa o poder político.
É através desta personagem que se pode verificar a grande contradição entre o ser e o parecer, pois o conde Gouvarinho é um representante da alta politica e do poder instituído, por outro lado não tem qualquer visão histórica ou qualquer tipo de cultura relevante para a sua posição. O facto de se ter pessoas como ele à frente do país é também o motivo para o povo português se encontrar progressivamente decadente.
“O conde de Gouvarinho, além de muito maçador e muito pequinhento, não tinha nada de cavalheiro: dera um fato de cheviote claro ao Romão (o criado), mas tão tocado e tão cheiro de riscas de tinta, de limpar a pena à perna e ao ombro, que o Pimenta deitou o presente fora. (…)
- Sr. Tompson não tem querido ultimamente emprestar mais dinheiro ao genro: (…) o senhor conde, furioso, disse à senhora que ela e o pai se deviam lembrar que eram gente de comércio e que fora ele que fizera dela uma condessa; e com o perdão de Vossa Excelência, a senhora condessa ali mesmo à mesa mandou o condado à tábua…” (capitulo V)
Palma “Cavalão”
Palma representa a corrupção e os interesses políticos no jornalismo, nomeadamente quando publica um artigo contra Carlos por dinheiro e vende essa mesma tiragem, também por dinheiro.
Dâmaso:
Dâmaso Salcede simboliza os vícios e os defeitos da Lisboa da regeneração, nomeadamente a vaidade imbecil, o egoísmo, a cobardia, a degradação moral, o excessivo egocentrismo e a visão deformada da vida.
Este tem comportamentos contraditórios, mas sempre repreensíveis. Podemos ver isso na sua insistência em acompanhar Carlos constantemente, imitá-lo e traí-lo (publica um artigo contra a reputação de Carlos da Maia no jornal).
Dâmaso, apesar de pouco atraente, tem um carácter narcisista, passando por idiota visto que pensa que as mulheres sentem um fascínio por ele, mesmo desrespeitando-as.
“Dâmaso, no entanto, imitava o Maia com uma minuciosidade inquieta, desde a barba, que começava agora a deixar crescer, até à forma dos sapatos”.
“Dâmaso era interminável, torrencial, inundante a falar das «suas conquistas», naquela sólida satisfação em que vivia de que todas as mulheres, desgraçadas delas, sofriam a fascinação da sua pessoa e da sua toilette. E em Lisboa, realmente, era exacto. Rico, estimado na sociedade, com coupé e parelha, todas as meninas tinham para ele um olhar doce”. (capitulo VII)
Cruges:
Cruges simboliza o talento artístico nesta obra.
Este, para além do seu natural temperamento tímido e desinteressado dos hábitos mundanos, surge marcado pelo meio: música projectada e nunca composta, pois o pais não sabe escutar; e desinteresse da alta sociedade pela música.
“ (…) um Cruges, que o Ega não conhecia, um diabo adoidado, maestro, pianista, com uma pontinha de génio (…)” (capitulo IV)
Craft
É um personagem com pouca importância para o desenrolar da acção, mas que representa a formação britânica, o protótipo do que deve ser um homem.
Craft defende a arte pela arte, a arte com idealização do que há de melhor na natureza.
É culto e forte, de hábitos rígidos, “sentindo finamente, pensando com rectidão”. Inglês rico e boémio, coleccionador de brique-a-braque.
Com Craft assiste-se especialmente ao contraste entre aquilo a que Ega chama de originalidade forte e a modorra lisboeta.
“Ega teve um grande gesto. Era indispensável conhecer o Craft! O Craft era simplesmente a melhor coisa que havia em Portugal…
- É um inglês, uma espécie de doido? (…)” (capitulo IV)
“- Que tolice! – exclamou Carlos, com tédio, atirando o jornal para cima do bilhar.
- É mais que tolice – observou Craft; - é uma falta de senso mora”. (capitulo VII)
Sousa Neto:
Representante da administração pública, intelectualmente muito medíocre e não conseguia manter uma conversa à altura do seu cargo. Esta personagem vem acentuar a mediocridade mental que já fora identificada e referida no Conde Gouvarinho.
Outros Figurantes:
Steinbroken (Diplomacia); Sousa Neto (administração pública); Taveira (empregado no Tribunal de Contas) e a Condessa de Gouvarinho (adultério).
A representação do espaço psicológico, vá-se acentuando ao longo da obra, à medida que a intriga se complica e aproxima-se do desenlace.
Carlos da Maia, antes da face mais intensa da intriga, uma personagem totalmente esvaziada de profundidade psicológica, episodicamente privilegiado neste aspecto, é em função de Afonso da Maia que o neto começa a revelar-se uma personagem destacada em relação às restantes.
Isto aparece, principalmente, ligado ao sonho, á imaginação, á memoria, e as emoções e reflexões.
Carlos vê Maria Eduarda, pela primeira vez, em frente ao Hotel Central e a imagem desta causa-lhe uma profunda impressão. Mais tarde, é narrado o seu sonho, em que Maria Eduarda reaparece como uma deusa. Este sonho funciona como factor inicial da acção, apontando para a relação amorosa que se estabelecerá entre Carlos e Maria Eduarda.
Este estado de alma é muito íntimo, em situação de embriagues ou semiconsciência aparece-nos um discurso desorganizado, repetitivo e sem coerência lógica.
“ (…) pouco a pouco, diante das suas pálpebras cerradas, uma visão surgiu, tomou cor, encheu todo o aposento. Sobre o rio, a tarde morria numa paz elísia. O peristilo do Hotel Central alargava-se, claro ainda. Um preto grisalho vinha, com uma cadelinha no colo. Uma mulher passava, alta, com uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa, num casaco de veludo branco de Génova. O Craft dizia ao seu lado: Très chic. E ele sorria, no encanto que lhe davam estas imagens, tomando o relevo, a linha ondeante, e a coloração de coisas vivas.
Eram três horas quando se deitou. (…) banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na tarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Génova, mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre nuvens, com um grande ar de Juno que remonta ao Olimpo: a ponta dos seus sapatos de verniz enterrava-se na luz do azul, por trás as saias batiam-lhe como bandeiras ao vento. E passava sempre... O Craft dizia: Très chic. Depois tudo se confundia, e era só o Alencar, um Alencar colossal, enchendo todo o céu, tapando o brilho das estrelas com a sua sobrecasaca negra e mal feita, os bigodes esvoaçando ao vendaval das paixões, alçando os braços, clamando no espaço: Abril chegou, sê minha!” (Capitulo VI)
Maria Eduarda será, noutras circunstancias, o tema central da exploração da intimidade de Carlos, quando este a procura incansavelmente em Sintra, Carlos serve-se da imaginação e vê as formas sensuais do corpo de Maria Eduarda, “as suas belas formas de mármore”, a imaginação está ligada ao estado de espírito de Carlos.
“ (…) Assim, a brilhante deusa era também uma boa mamã; e isto dava-lhe um encanto mais profundo, era assim que ele gostava mais dela, com este terno estremecimento humano nas suas belas formas de mármore.(…)”
“ (…) a brilhante deusa era também uma boa mamã; e isto dava-lhe um encanto mais profundo, era assim que ele gostava mais dela, com este terno estremecimento humano nas suas belas formas de mármore. Agora, já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu peignoir, com o cabelo enrolado à pressa, grande e branca, erguendo ao ar o bebé nos seus esplêndidos braços de Juno, e falando-lhe com um riso de oiro. Achava-a assim adorável, todo o seu coração fugia para ela... Ah! Poder ter o direito de estar junto dela, nessas horas de intimidade, bem junto, sentindo o aroma da sua pele, e sorrindo também a um bebé. (…)” (capitulo VIII)
Estes estados de espírito remetem à personagem central (Carlos) quando este reflecte acerca do caminho a seguir com Maria Eduarda e das consequências que dai adviriam. Estes constantes pensamentos estão presentes principalmente quando este se prepara para depois das revelações de Castro Gomes, romper as suas relações com Maria Eduarda. Mas o interior deste é explorado de forma ainda mais profunda quando a intriga atinge a sua fase culminante: quando este resolver revelar à irmã a verdade já conhecida e quando reflecte acerca das consequências do incesto.
Tal como Carlos, também Ega, o companheiro inseparável, reflecte os seus pensamentos mais íntimos nos momentos em que participa directamente no desenrolar da intriga. Isto acontece, principalmente, depois das trágicas revelações de Guimarães, na desesperada resistência à verdade dos factos, conhecidos a partir de então. O mesmo se passa, na altura em que o amigo inseparável de Carlos chega a duvidar da sua capacidade de resistência anímica, face à verificação do incesto consciente.
De Carlos:
“ (…) Carlos foi pensando em seu pai e nesse passado, assim rememorado e estranhamente ressurgido pela presença daquele patriarca, antigo alquilador, que fizera com ele tantas troças! (…) no meio da sua radiante felicidade, um sombrio arrepio de dor…Carlos pensava no avô.
Estava agora decidido que Maria Eduarda e ele partiriam para Itália (…)”
“ (…) Durante um momento mesmo pensou em retroceder. (…) Sim, devia-lhe ter dito – que se estava pronto a dar a sua vida a uma mulher que se lhe abandonara «por paixão», estava decidido a não sacrificar nem os seus vagares a uma mulher que lhe cedera «por profissão». Era mais simples, era terminante…E depois não a via, não teria de suportar a tortura das explicações e das lágrimas. (…)” (capítulo XIV)
“Decerto era terrível tornar a vê-la naquela sala quente ainda do sei amor, agora que a sabia sua irmã…Mas porque não? (…)”
“Ele não ia revelar bruscamente toda a verdade a Maria Eduarda, (…). Toda essa tarde, através do seu próprio tormento, procurara ansiosamente um meio de adoçar e graduar àquela pobre criatura o horror da revelação que lhe devia.”
“ (…) Retardando os passos, resumia, retocava esse plano, ensaiando mesmo consigo, baixo, palavras que lhe diria. Entraria na sala, com um grande ar de pressa – e contava-lhe que um negócio da casa, uma complicação de feitores (…)”
“ Ele não sabia, parecia-lhe outra Rosa: e à sua perturbação misturava-se uma saudade pela antiga Rosa, a outra, a que era filha da Madame Mac Gren, a quem ele contava histórias da Joana d’Arc (…). Ela no entanto sorria mais, com um brilho nos dentinhos miúdos, uma ternura nos belos olhos azuis, vendo-o assim tão grave e tão mudo, pensando que ele ia brincar, fazer «voz de Carlos Magno». Tinha o mesmo sorriso da mãe, com a mesma covinha no queixo. Carlos viu nela, de repente, toda a graça de Maria, todo o encanto de Maria (…).” (Capitulo XVII)
João da Ega:
“Não! Não estava no feitio da vida contemporânea que duas crianças, separadas por uma loucura da mãe, depois de dormirem um instante no mesmo berço (…). Para virem tornar a dormir juntas no mesmo ponto, num leito de concubinagem! Não era possível. Tais coisas pertencem só a livros, onde vêm, como invenções subtis da arte, para dar à alma humana terror novo… (…)” (Capitulo XVI)
“Não podia porém readormecer, às volta, num terrível mal-estar, cm aquela ideia cravada na imaginação que o torturava.”
“A cama estava feita e vazia, Carlos saíra.
Ele ficou a olhar estupidamente para aquela colcha lisa, com a dobra do lençol de renda cuidadosamente entreaberta pelo Baptista. E agora não duvidada. Carlos fora findar a noite à rua de S. Francisco!... Estava lá, dormia lá! E só uma ideia surgia através do seu horror – fugir, safar-se para Celorico, não ser testemunha daquela incomparável infâmia!...”
“E fugiu para o quarto, cheio só de compaixão e ternura, com uma grossa lágrima nas pestanas. Sentia agora bem a ternura em que o pobre Carlos se debatera (…). Humano e frágil, ele não pudera estacar naquele violento impulso de amor e de desejo, que o levava como num vendaval!”Cedera, cedera, continuara a rolar àqueles braços, que inconscientemente o continuavam a chamar. E ai andava agora, aterrado, escorraçado, fugindo ocultamente de casa, passando o dia longe dos seus, numa vadiagem trágica (…).” (capitulo XII)
A activação da memória, nos Maias está ligada à morte de Afonso da Maia, principalmente quando Carlos relembra a morte do avo.
A memória dá-se quando Carlos recorda o passado familiar revelado por Ega numa noite de boémia. Mas esta (memória) tem mais impacto quando Carlos desabafa a catástrofe sobre o que resta da família dos Maias, isto é, quando morre Afonso da Maia.
Não é por acaso que a memória está ligada aos momentos fulcrais da intriga, pois esta dá-se quando as personagens mais importantes estão dominadas por estados de espírito altamente emocionados.
Este é o tipo de situação que representa melhor o espaço psicológico: a conturbação intensa, a duvida violentamente sentida, a crise de autoconfiança, estados de espírito normalmente condicionados pelo desenrolar da intriga.
“Mas Ega sabia tudo, pelos tios... Ora uma noite tinham ceado ambos; Ega muito bêbado, e num acesso de idealismo (…) fosse como a mãe de Carlos, uma inspirada, que por amor de um exilado abandonara fortuna, respeitos, honra, vida! Carlos, ao ouvir isto, ficara petrificado, no meio da ponte, sob o calmo luar. (…)
E ele mal pudera dormir essa noite, com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhe haviam contado, fugindo nos braços de um desterrado — um polaco talvez! Ao outro dia, cedo, entrava pelo quarto do Ega, a pedir-lhe, pela sua grande amizade, a verdade toda...”
“ (…) Carlos contou ao avô a bebedeira do Ega, os seus discursos doidos, aquela revelação vinda entre arrotos. Pobre avô! Um momento nem pôde falar — e a voz por fim veio-lhe tão débil e dolente como se dentro do peito lhe estivesse morrendo o coração. Mas narrou-lhe, detalhe a detalhe, o feio romance todo até àquela tarde em que Pedro lhe aparecera lívido, coberto de lama, a cair-lhe nos braços, chorando a sua dor com a fraqueza de uma criança. E o desfecho desse amor culpado, acrescentara o avô, fora a morte da mãe em Viena de Áustria, e a morte da pequenita, da neta que ele nunca vira, e que a Monforte levara... (…)”. (Capitulo VI)
“Carlos, no entanto, ficara defronte do velho, sem chorar, perdido apenas no espanto daquele brusco fim! Imagens do avô, do avô vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão, regando de manhã as roseiras, passavam-lhe na alma, em tropel, deixando-lha cada vez mais dorida e negra... E era então um desejo de findar também, encostar-se como ele àquela mesa de pedra, e sem outro esforço, nenhuma outra dor da vida, cair como ele na sempiterna paz. Uma réstia de Sol, entre os ramos grossos do cedro, batia a face morta de Afonso. No silêncio os pássaros, um momento espantados, tinham recomeçado a chalrar.” (capitulo VII)
Nesta obra, a acção é fechada já que a história da família, nomeadamente a relação entre Carlos e Maria Eduarda, o destino final das personagens é revelado: Pedro suicida-se; Maria Monforte e Afonso morrem, Maria Eduarda e Carlos separam-se levando a uma espécie de morte psicológica e na perda da capacidade para amar.
Em ralação à crónica de costumes, Eça descreve a sociedade da segunda metade do século XIX apontando os seus defeitos e vícios.
No entanto, no final abre uma perspectiva da existência que se cruza com a concepção trágica da intriga, ou seja, apesar da acção ser fechada quanto à história da família Maia, podemos imaginar uma futura vida para Carlos quando este revela o seu gosto de viver ao querer saborear “o prato de paio com ervilhas” nos capítulos finais.
Durante o último dialogo apresentado entre Carlos e Ega, apesar da desilusão pessimista que têm para com as suas vidas, o instinto de vidam a faceta romântica, conjuntamente com o sonho, podemos ver que ambos continuam a dominar correndo “desesperadamente pela Rampa de Santos pelo Aterro” para não perderam o americano que os levaria ao Bragança, depois de Carlos ter lamentado o facto de ter esquecido mandar fazer “um grande prato de paio com ervilhas”. (capitulo XVIII)
Mais importante ainda é o facto de Ega e Carlos terem determinado a “teoria definitiva da existência – o fatalismo muçulmano”, ou seja “nada desejar e nada recear”.
Esta teoria, após os dez anos, resume aquilo que está no centro da corrente naturalista, segundo a qual a literatura deveria ser uma aplicação das teses científicas e filosóficas mais recentes. Isto contrasta com o positivismo comteano.
A educação de Carlos é muito diferente da recebida pelo seu pai, no entanto ambos foram vitimas e não conseguiram ser felizes no amor.
Com isto, Eça desarma a teoria que colocava o Homem no centro da relação causa/consequência, para deixar perpassar a ideia do absurdismo – o ser humano seria um contingente cujo percurso estaria determinado por algo alheio.
Desta forma, Os Maias propõe uma reflexão sobre o destino do Homem no mundo.
A acção desta obra apresenta certas características da tragédia clássica, tais como o destino (Anankê) influência personagens da alta sociedade. Neste caso é Guimarães que representa o destino, uma vez que é ele que revela a verdade a Ega, e consequentemente a Carlos. Apesar da sua passagem rápida pela obra ele muda completamente a via de todos. Outro aspecto importante é o facto de surgir vestido de negro, o que prediz a desgraça; a peripécia (peripeteia) que consiste na mudança inesperada na vida de todos, nomeadamente quando Carlos descobre o seu parentesco com Maria Eduarda; o sofrimento (pathos) das personagens após a revelação da verdade; e por fim, a catástrofe (Catastrophe) que é a morte de Afonso e a separação de Carlos e Maria Eduarda que partem para caminhos diferentes.
A acção secundária envolve substancialmente Pedro da Maia, Maria Monforte, Afonso da Maia e Trancedo.
Pedro, após um ano da morte da mãe, cai em amores pela bela Maria Monforte. Namoram-se e casam-se desautorizando Afonso da Maia, na altura opositor ao casamento, chamando Maria de "negreira" e questionando as suas origens e valores morais. Após uma fuga para o estrangeiro, Pedro e Maria estão de volta para Portugal, e instalam-se em Arroios onde fazem vida de sociedade.
Nascem dois filhos, Carlos e Maria Eduarda, e mesmo assim Maria Monforte adia sempre o encontro com o sogro. Entretanto Pedro fere acidentalmente Trancedo, que se instala na sua casa para se recompor. Maria Monforte e Trancedo apaixonam-se e fogem, levando consigo a pequena Maria Eduarda. Pedro, ainda desgostoso leva Carlos para o Ramalhete, onde conta tudo ao pai. Depois de escrever uma final carta, suicida-se... Deixando Carlos e Afonso.
Na intriga principal são retratados os amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda que terminam com a desagregação da família – morte de Afonso da Maia e separação de Carlos e Maria Eduarda.
Carlos é protagonista da intriga principal.
A acção principal inicia-se quando Carlos vê Maria Eduarda acompanhada por Castro Gomes.
De seguida visita Rosa, filha de Maria Eduarda, a pedido de Dâmaso uma vez que a família não se encontrava presente. No entanto, ele volta, mas desta vez a pedido da própria Maria Eduarda para cuidar de Miss Sara que estava doente. Pouco tempo depois Carlos declara-se a Maria Eduarda que mostra sentir o mesmo. Aqui dá-se a consumação do encesto.
Apesar de roda a felicidade sentida na altura, Guimarães, que conhece Maria Eduarda, revela a Ega que ela e Carlos são na realidade irmãos. Este revela a Carlos que por sua vez abre-se com o avô. Após todo esta situação Carlos realiza o incesto voluntariamente até que Afonso morre.
No entanto, Maria Eduarda descobre toda a verdade e parte para Paris, enquanto que ele viaja durante dez anos pela Europa. Desta forma, dá-se a separação do casal.
Depois dessa longa viajem, Carlos volta a Portugal.
Entre a intriga principal e a intriga secundária podemos observar um certo paralelismo, uma vez que a intriga principal só se dá porque são criadas condições para tal, pela intriga secundária, e além disso há pontos em comum entre estas.
Apesar das educações opostas de Pedro e de Carlos, ambos são vítimas do meio em que se inserem e que levará à frustração dos seus ideais e capacidades. Tanto Pedro como Carlos tem vidas muito relaxadas. O primeiro desejou o encontro com Maria Monforte e consegui-o graças a Alencar, o segundo desejou o encontro com Maria Eduarda e consegui-o, também, mas graças ao Dâmaso, ambos são objectos de uma paixão avassaladora.
Afonso opõe-se a ambos os romances, ao de Pedro devido aos antecedentes de Maria Monforte, cujo pai enriquecera por negociar escravos, ao de Carlos por considerar Maria Eduarda “uma amante”.
Maria Monforte retarda o encontro com Afonso, enquanto que Carlos e Maria Eduarda retardam a felicidade por causa de Afonso. Em ambos os romances surge um elemento desencadeador do drama, no caso de Pedro, e da tragédia no caso de Carlos, sendo Tancredo para Pedro e Guimarães para o de Carlos. Pedro suicida-se fisicamente, enquanto que Carlos se suicida psicologicamente.
Há ainda pequenas acções secundárias como os relacionamentos amorosos adúlteros de Ega e Raquel Cohen, e, de Carlos e Condessa de Gouvarinho, como o comportamento e as atitudes de figurantes, nomeadamente de Dâmaso. Euzébiozinho e Palma Cavalão, e ainda como o paralelismo entre a educação dada a Carlos e a Euzébiozinho.
Com este trabalho, chegámos as diversas conclusões, nomeadamente o facto de que são os espaços físicos, sociais e psicológicos que nos dão a conhecer como era a sociedade do século XIX: a educação, a politica, a administração publica, o jornalismo, o talento artístico, entre muitas outras coisas, estavam como que “deformadas”, levando a um país atrasado em diversos aspectos.
Também aprendemos que a acção desta obra, tanto é aberta como fechada, uma vez que o final dos personagens da família, excepto o de Carlos, nos é revelado, nomeadamente, a morte física ou psicológica.
Para além disso, entre a intriga principal e a intriga secundária podemos observar um certo paralelismo, uma vez que a intriga principal só se dá porque são criadas condições para tal, pela intriga secundária, e além disso há pontos em comum entre estas.
Por fim, quando lemos a obra Os Maias, é importante que não demos atenção apenas à história propriamente dita, uma vez que são os espaços que nos dão muitas informações importantes para a sua compreensão.
A maior dificuldade que sentimos na realização deste trabalho foi em encontrar mais informações sobre alguns figurantes e sobre a acção.